O professor de expressão musical no jardim-de-infância em Portugal

Qual o perfil do professor de Expressão Musical no Jardim-de-Infância? Já vimos anteriormente que Portugal não forma professores de música para trabalhar nestes contextos… Mas quem são afinal os profissionais que laboram nestes cenários?

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Temos vindo a debruçar-nos sobre a problemática mal resolvida da educação musical infantil em Portugal (ver em baixo "Artigos Relacionados"). Já vimos, no artigo "O professor de expressão musical. O seu papel e a necessidade de um enquadramento", que Portugal não forma professores de expressão musical para lecionar no contexto de jardim-de-infância. No entanto verificamos que há profissionais a "arriscar" estes terrenos movediços que carecem de legislação e formação.

Vasconcelos e Oliveira dizem-nos que "a tradição pedagógica portuguesa, salvo raras exceções, tem relegado para um plano secundário ou de enriquecimento/complemento curricular o domínio da educação artística...". Dizem-nos ainda que, embora se assista nos dias que correm a uma mudança de atitude, sendo clara a perceção dos profissionais relativamente à importância da educação artística no desenvolvimento global das crianças especificamente no desenvolvimento das capacidades lúdicas, expressivas, físicas, criativas e cognitivas, não existe por parte destes uma preparação adequada para a sua implementação. No seguimento destas ideias, completam referindo que, "dar a conhecer o nosso património artístico à criança é enriquecer a sua personalidade, despertando-lhe a expressividade, a sensibilidade estética, preparando-a para uma melhor compreensão do mundo".

Terão estes pressupostos, acima mencionados, influência na construção do perfil do professor de expressão musical no jardim-de-infância? O plano secundário para o qual é remetida a atividade não retirará a dignidade a uma profissão que ainda não se encontra regulamentada?

Tendo como ponto de partida a posição de Cunha (2005), podemos referir que, em Portugal, a expressão musical é, numa grande maioria dos casos, lecionada nos jardins-de-infância por aquele emissário musical ou músico ambulante que anda de instituição em instituição galhofando e divertindo-se com música junto das crianças. Ainda segundo o mesmo autor, a realidade presente diz-nos que, cada vez mais, o jardim-de-infância opta pelo convite a um professor de música, o que espelha a importância atribuída a esta área artística no que concerne ao desenvolvimento das crianças.

Sabe-se, no entanto, que existem alguns fatores que emperram todo este processo ou que pelo menos o tornam menos eficaz e de menor qualidade. Fatores como a falta da formação dos professores de expressão musical que, em toda a sua formação superior, não são chamados a realizar estágio no jardim-de-infância, ficando só pelos 3 ciclos dos ensino básico, e a pouca aptidão musical de algumas educadoras, levam-nos a concluir que ainda há um longo caminho a percorrer. Não basta ser um bom instrumentista para se trabalhar nesta área. O professor especializado deverá ter formação pedagógica e psicopedagógica. Correndo o risco de nos tornarmos demasiado românticos, atrevemo-nos a referir que o professor que pretenda trabalhar nesta área, terá que o fazer porque o quer muito fazer. Não pode ser esta, uma atividade de recurso para ganhar a vida quando não se tem emprego como instrumentista, professor de instrumento ou professor de Educação Musical no 2º ciclo do Ensino Básico. Nesta área, o objeto tem forçosamente que ser a criança "... sendo por isso importante a formação psicopedagógica dos professores e não [só] os seus conhecimentos musicais" (Sousa, 2003: 18).

Mais do que basear a ação pedagógica nos pilares sugeridos pelo Ministério da Educação (escutar, cantar, dançar e tocar), deve, o profissional que exerce esta função ter consciência de que o seu papel pode ser importante para potenciar um conjunto de competências. A estas competências, a par da vontade e do direito que a criança tem de as alcançar, deve estar sempre subjacente a boa formação do professor. Apoiando-nos em Vásquez e Niño (2000: 38-39) apontamos os objetivos do profissional de expressão musical relacionados com a experiência musical a ter em conta para crianças dos 3 aos 6 anos:
- Potenciar la discriminación auditiva;
- estimular y potenciar las habilidades motrices básicas: caminhar, correr, saltar...;
- favorecer la ubicación del cuerpo com relación al tiempo y al espacio;
- potenciar la voz. Favorecer la expresión hablada-cantada como médio de expresión por el canto;
- aumentar la capacidad de comunicación musical;
- afirmar la personalidad;
- estimular los procesos creativos;
- fomentar el sentido de colaboración y respeto a sí mismo y a los demás;
- fomentar el gusto por la música;
- potenciar las habilidades motrices básicas para el manejo de los instrumentos (naturales y de percusión).

Quisemos mostrar na citação anterior que o profissional que for trabalhar a área da expressão musical para o contexto de jardim-de-infância, deverá estar preparado para proporcionar à criança experiências enriquecedoras e deverá dominar conteúdos da área em questão. Só assim poderá estruturar atividades que contribuam para uma boa descriminação auditiva da criança, devendo neste caso escolher atividades diversificadas que não se baseiem somente na discriminação auditiva de sons isolados do meio próximo, mas também adotar exercícios que permitam à criança distinguir diferentes géneros musicais, diferentes instrumentos musicais, etc.

É óbvio que, fazendo o professor de expressão musical parte de uma equipa educativa que trabalhe com o mesmo objetivo de participar do desenvolvimento global e integral da criança, deverá também apostar em objetivos comuns e transversais a toda a equipa, daí que na citação anterior se refiram objetivos transversais ligados à motricidade, à consciencialização do espaço e do tempo, o favorecimento da linguagem falada, onde a prática de canções aparece como meio privilegiado. Esta e outras práticas musicais levadas a cabo por um professor especialista na área da educação musical poderá contribuir fortemente para o citado aumento da capacidade de comunicação musical.

O contributo da expressão musical para a afirmação da personalidade, através de exercícios de interpretação vocal e instrumental livres pode ser também algo a ter em conta e que deverá ser realizado e devidamente arbitrado por uma pessoa habilitada nesta área.

A música, enquanto atividade de expressão, contribui também para a formação de cidadãos criativos. Também o espírito colaborativo, o respeito por si próprio e pelos outros, são aspetos que, em atividades em que a criança tem que obedecer a diferentes intensidades e esperar pela sua vez para tocar ou cantar, podem ser desenvolvidos.

Não só estes objetivos demonstram a premência de considerarmos os professores de expressão musical indispensáveis numa equipa pedagógica de jardim-de-infância.

Consideramos que, para a criança gostar de música, deverá ter ao seu lado nesta descoberta alguém que estime e honre esta arte, permitindo uma experimentação e um reconhecimento bem fundamentado. Uma criança, quando chamada a criar um ritmo, um som ou um movimento, fá-lo-á segundo os exemplos de alguém que se considere minimamente preparado.

O aprofundamento das capacidades relacionadas com a perceção auditiva serão consequentemente mais ricos, quanto mais copiosa for a forma de promover a experiência.
Pensamos que, se reunidas as condições até aqui demonstradas poderemos almejar outros não menos importantes objetivos participando no desenvolvimento das nossas crianças. Assim, poderemos:

- Dar outro valor a todo o ambiente sonoro que rodeia a criança no seu dia-a-dia;
- ampliar o vocabulário das crianças (canções, rimas, lengalengas...);
- participar nos progressos relativos à dicção, articulação e emissão da voz;
- intervir numa dinâmica que propicie a livre expressão de afetos através do som e do movimento;
- promover exercícios de estruturação relativos ao tempo e ao espaço;
- mostrar à criança como funciona o seu corpo no que concerne à produção e à perceção sonora;
- ajudar a criança a perceber o seu corpo em movimento;
- melhorar a coordenação e controle de movimentos;
- potenciar a perceção do todo e da parte;
- proporcionar a afirmação dos seus egos;
- garantir momentos em que a criança desfrute dos êxitos obtidos;
- propiciar momentos de integração no grupo e de respeito pelo mesmo;
- agilizar momentos de trabalho cooperativo;
- permitir à criança que descubra os seus próprios limites, e os limites dos colegas;
- promover momentos de afetividade no grupo.

Esta lista, baseada nos objetivos específicos de Vásquez e Niño (2000), pretende reforçar o conjunto de ideias até ao momento defendidas e que, em nossa opinião, poderão, caso protagonizadas numa prática mais generalizada, promover uma mudança de atitudes no que concerne à expressão musical no jardim-de-infância em Portugal.

A mudança aqui ansiada e perspetivada exigirá da parte dos profissionais envolvidos um conhecimento mais aprofundado relativamente aos projetos educativos e pedagógicos dos jardins-de-infância. Estes podem ser encarados em duas vertentes. Numa primeira, um projeto do educador apontando para a aprendizagem das crianças. Uma outra perspetiva que, embora também contemple a aprendizagem das crianças, se concentra mais na organização do estabelecimento de ensino, é a do projeto de escola. Os dois projetos podem e, na nossa opinião, devem contemplar a inclusão do professor de expressão musical.

Nos nossos artigos temos assumido esta preocupação por considerarmos que, nesta vertente, ainda há um longo caminho a percorrer. Pensamos e constatamos durante a observação que temos vindo a efetuar que, apesar de haver por parte dos professores a preocupação de estarem contextualizados ao nível das canções que abordam ao longo de um ano letivo, toda essa intenção cessa por razões que se prendem precisamente com o facto de não estarem incluídos no projeto da instituição onde lecionam. Sabemos que os professores, nas canções que trabalham, tentam estar de acordo com a estação do ano em que se encontram bem como das festividades e características de cada uma dessas estações. Mas, apesar de todo esse empreendimento, podem por vezes sentir-se excluídos e descontextualizados com as temáticas. Tudo isto é passível de acontecer por uma simples razão e que se resume assim: Na sala do jardim-de-infância não se trabalham só as rotinas, as épocas dos anos e as suas festividades. O projeto da instituição e os respetivos projetos de sala são muito mais abrangentes e plenos de conteúdos.

Centrando a nossa observação somente na valência de jardim-de-infância pensamos que, tal como em qualquer outra instituição de ensino, a já referida autonomia tantas vezes narrada nos documentos do Ministério da Educação pode constituir uma mais-valia para a gestão dos recursos humanos pois possibilita a adaptação dos projetos e dos modelos de gestão às diferentes realidades, características de cada região, e da própria instituição. Esta autonomia permite que a contratação dos seus professores e educadores das áreas extracurriculares seja feita da forma que mais se ajuste às necessidades da instituição e até dos próprios profissionais. Assim, a instituição não fica sujeita a normas do estado para proceder a essa contratação. É claro que tal fator também poderá gerar precariedade no caso de, as instituições se aproveitarem dessa autonomia para contratar os seus profissionais a preços muito baixos (visto não existir uma tabela) ou até para o contratarem para outras funções para além das específicas da sua área e, aproveitando o facto de serem professores de disciplinas extracurriculares, não os colocarem nos quadros da instituição.

Na proposta que temos vindo a defender nos nossos artigos (Ver em baixo "Artigos Relacionados), centramo-nos na inclusão e responsabilização do professor de expressão e educação musical. Tal fator implica um comprometimento organizacional. Este traduz-se no grau no qual uma pessoa se revê e se sente parte de uma organização e deverá ser encarado como um processo contínuo, através do qual o profissional possa expressar as suas preocupações com a organização, com o sucesso desta e com o seu bem-estar contínuo: "o comprometimento envolve (...) a dimensão da aposta na carreira pessoal e a implicação na organização, com as respetivas estratégias de ação. A contradição entre as duas dimensões é frequentemente gerida de forma contraditória no seio das instituições educativas" (Lopes e Barrosa, 2008: 154).

Nesta ordem de ideias, consideramos que a inclusão da expressão e educação musical em particular, e do Ensino Artístico em geral, bem como dos seus profissionais, serão uma mais-valia no percurso rumo a uma comunidade educativa viva.

Na construção desta comunidade, não deve ser esquecida a implementação de projetos artísticos devidamente contextualizados. Estes, pelas suas características já extensivamente mencionadas, têm o poder de lhes atribuir a criatividade e emoção tão necessárias para o desenvolvimento das crianças.

Para que esta construção se efetive urge, cremos, lançar um novo olhar sobre a forma como os profissionais da educação nela envolvidos interagem, ou seja, o contexto em que o seu trabalho se desenvolve. Quando se trabalha em equipa, a comunidade torna-se cada vez mais uma realidade reflexiva, viva e dinâmica, que se empenha em desenvolver estratégias e atividades de forma consciente, resultante de discussões pensadas e cientificamente informadas. De facto, para que as estratégias possam ser mais adequadas a cada indivíduo a que se destinam, a cada contexto, e a cada momento em que se implementem, os professores têm de pensar seriamente nos objetivos a serem atingidos e nas competências que se propõem desenvolver. Diante disso, a reflexão torna-se imprescindível; a planificação deve ser encarada como prática social, sobre a qual um grupo de professores apoia e sustenta o seu crescimento e, logicamente, pela interação que se gera, também o próprio crescimento individual.

Esta estrutura social é própria de uma instituição que se organiza com vista a sustentar o trabalho dos professores em torno de um objetivo comum e geralmente faz uso do trabalho colaborativo e cooperativo, dando particular atenção à capacidade de se trabalhar em equipa, com vista ao diálogo reflexivo sobre o processo ensino-aprendizagem. Esse trabalho de equipa, enquadrado na instituição por um clima organizativo adequado, ajudará a identificar os problemas relacionados com o bem-estar de quem ensina e de quem aprende, potenciando assim os bons resultados. Neste sentido, Afonso (2000) fala-nos de um novo modelo de cultura e de organização educativa que suporta a mudança em contexto educativo. Este modelo manifesta-se pelo empenho contínuo dos envolvidos num trabalho colaborativo.

Se a música aparece nos jardins-de-infância como atividade extracurricular ou até curricular, teremos que privilegiar um dinamismo que propicie uma boa disposição motivadora e intercessora de novas vontades e sedes de saber. O profissional que leciona expressão e educação musical nestes contextos deverá estar apetrechado de um conjunto de conhecimentos que lhe permitam entender e colocar em prática toda uma perspetiva vivencial da música. Esta performance, que se lhe pede, deverá afastá-lo da inconsciente vontade que por vezes se apodera dele enquanto músico. Este profissional não deverá promover a sua prática com o objetivo de formar músicos pois, desta forma, só se ocuparia dos mais dotados.

Na continuidade do que vínhamos dizendo relativamente à construção de comunidades educativas vivas, consideramos importante, repensar a forma como estes estabelecimentos se organizam, para que nas atividades aí desenvolvidas o professor se sinta enquadrado no contexto educativo, de forma a poder atuar no sentido de favorecer a formação pessoal e social da criança e a de promover alegria e bem-estar. Para que o professor de expressão musical esteja inserido num determinado projeto deverá, em primeiro lugar, participar na sua elaboração. O contributo que este poderá dar ao documento é de relevante importância pois torna-o mais realista e concretizável nomeadamente na área que representa. O projeto educativo, como documento aberto que é, e sujeito a alterações que o aperfeiçoem, carece de encontros (reuniões) de toda a equipa, logo o professor da referida área deverá estar presente nestas. Será que tal acontece? Nos casos em que não acontece, será muito difícil que projeto se desenrole com o sincronismo e a contextualização necessárias porque, pelo menos a área e o profissional excluídos, não estarão em "pé de igualdade" com os restantes profissionais que participaram ativamente na elaboração do projeto, para além deste profissional poder não se identificar com o projeto construído e no qual não se revê.

Pensamos que se o professor de expressão musical estiver presente nas reuniões colaborando na elaboração dos projetos da instituição, dando o seu contributo científico no que concerne à sua área, e ao mesmo tempo se inteirar das restantes perspetivas dos restantes educadores, poderemos dar importantes passos na construção de uma instituição completa e fomentadora de boas práticas. Todavia, não podemos reduzir a participação do professor de expressão musical, por exemplo, ao simples facto de cantarmos umas canções relacionadas com as rotinas das crianças e com as épocas do ano e as suas festividades. Estas atividades desconexas, sem uma estratégia organizacional que as apoie e um eixo científico-pedagógico que as sustente, não os coloca dentro da instituição e não contribuem para a sua integração. Ao atuarmos desta forma não estaremos a favorecer uma dinâmica institucional que se quer integrativa e integradora e que conte com a participação efetiva de todos os que nela intervêm.

Esta forma de agir pode até favorecer algum mal-estar no decorrer das próprias aulas, pois as crianças serão certamente as primeiras a dar conta da descontextualização do professor relativamente às restantes práticas levadas a cabo na instituição. Podem mesmo questioná-lo no que concerne às razões que o motivam para aquele comportamento. Estas, como sabemos prender-se-ão com o facto de este estar excluído do projeto educativo.

A expressão musical aparece, em Portugal, nas orientações curriculares para a educação pré-escolar, mas não como disciplina independente e lecionada por um especialista. Como temos vindo a evidenciar, não concordamos com tal situação. Bem sabemos que se, de hoje para amanhã, quiséssemos implementá-la não iríamos ter profissionais com a devida preparação para o fazer em número suficiente, mas esta fragilidade não deverá servir de argumento para deixar tudo na mesma. Como nos diz Góes (2009: 29): "A música é uma forma de conhecimento que possibilita modos de perceção e expressão únicas e não pode ser substituída por outra forma de conhecimento. Sendo assim, a instituição educativa deve propiciar uma formação mais plena para todos os indivíduos. As mudanças de paradigmas deverão sair dos discursos para a prática. Muito se fala de instituição educativa formadora de cidadãos mais conscientes de si e do seu mundo, porém, ainda se reforça a racionalidade na escola, ignorando que a formação plena do indivíduo também passa pelo desenvolvimento dos aspetos emocionais e sensíveis".

Concordamos que muito do que ainda não foi feito, para uma séria implementação da expressão musical nos jardins-de-infância do nosso país, poderá partir do facto de a nossa escolarização, ainda nos dias de hoje, como refere a autora, reforçar a racionalidade passando à frente os aspetos emocionais e sensíveis. O carácter único da música que, segundo esta, não pode ser substituído por nenhuma outra forma de conhecimento tem que ser um dos pontos a reforçar em futuras argumentações em prol da afirmação desta área nas orientações curriculares dos jardins-de-infância. Continuaremos, em artigos posteriores, a encarar a música como uma prática social quando entendida como uma linguagem artística, organizada e fundamentada que vive dos valores e significados atribuídos aos indivíduos e sociedade que a constrói. Voltando a Góes (2009) ancoramo-nos no facto de, a linguagem musical ser cada vez mais analisada e estudada por representar uma ótima motivação quando inserida na prática pedagógica das instituições escolares.

Sabemos que a missão de evidenciar as vantagens de integrar profissionais da educação artística nos projetos das instituições não se trata de uma tarefa fácil. Há, patente na sociedade, uma cultura que se generalizou em torno das aprendizagens estruturantes. Estas apelidadas aprendizagens excluem a educação artística de forma clara. Não tem sido fácil contrariar esta ideia pois ela está enraizada em vários setores como o da comunicação social e o próprio estado:
Também a nível oficial e da comunicação social só ouvimos falar do "Back to Basis" das "aprendizagens estruturantes", das "disciplinas prioritárias que seriam a língua materna e a matemática sempre e depois uma terceira que às vezes é a história, outras, agora cada vez mais, o ensino experimental da ciência, outras, ainda o inglês e a informática, mas nunca é aquilo que seria mais complementar: a formação artística!

Quando afinal certamente toda a gente achará que o desenvolvimento do sentido estético, da capacidade de apreciação do belo, da sensibilidade e da criatividade são tão importantes! Decerto que a avaliação da sua aprendizagem será mais difícil do que a do português ou da matemática que envolvem um raciocínio lógico-dedutivo, linear, de respostas fechadas, onde é mais fácil definir o que é certo ou errado. Nas artes nada disto é assim. O que se valoriza é a experiência singular, não a resposta certa mas a resposta inventada, nova, diferente.

A perspetiva até então defendida tem assentado numa responsabilização dos vários envolvidos no processo comunitário de educação das nossas crianças mas, não nos estaremos a esquecer de elementos que, pelo seu acompanhamento diário dos seus educandos, também podem assumir um papel mais interventivo neste despertar para uma educação mais racional, integral e completa? Não terá a família e a sociedade um papel reivindicativo importante em todo este contexto? Poderá a família ter um certo peso no que concerne à implementação de uma expressão musical mais evidente contemplando um professor especializado e devidamente integrado na instituição?

Akoschky et al. (2009) dizem-nos que a família e a sociedade se perfilam como mediadores entre a música e o seu humano, sendo que a família, em primeiro lugar, pois constitui o núcleo social por excelência, assumindo-se como o elemento socializador original. Tal como existem diferentes tipologias de sociedade, também existem diferentes tipos de família. Dizem-nos ainda (2009: 24) que "Para el desarrollo musical no hay un modelo social ni familiar «ideal»: si aceptamos la evidencia de que el concepto de familia discurre en una realidad que está en constante cambio, no se trata tanto de quién debe componer una familia sino de qué debe hacer un conjunto de personas para constituirse como tal".

Seja qual for a sua constituição, deve estar bem definido quem faz o quê e, como em qualquer tarefa caseira, definir quem assume o papel de orientar musicalmente a(s) criança(s). Desta feita, a função normativa e socializadora cumprida pela família deve também contemplar outras abordagens que não as meramente rotineiras relativas a alimentação e higiene. Se os pais, como primeiros exemplos para a criança, tiverem hábitos ligados à cultura musical, a criança tenderá a imitá-los no melhor sentido da palavra. Sabemos que, não raras vezes, os pais são os primeiros a privar as crianças de hábitos culturais e musicais não dando oportunidade aos seus filhos de os acompanhar a exposições e concertos musicais. Muitas vezes fazem-nos por puro comodismo.

Se a família, como vimos, pode assumir um papel importante no que concerne ao incentivo e à reivindicação de uma educação mais completa da qual faça parte a expressão musical, também a sociedade, em geral, pode arrogar as mesmas intenções. "Si extendemos esta expresión al ámbito social, podemos afirmar que tampoco deben sufrir las consecuencias de estar en una sociedad com importentes vacíos musicales: La sociedad no puede condenar a sus miembros a un futuro dependiente de sus propias limitaciones sino que debería ofrecerles nuevas oportunidades" (Akoschky, 2009: 25).

Com mais este artigo quisemos mostrar que a inclusão de um professor de expressão musical nos projetos dos jardins-de-infância das IPSS, e não só, não dependerá somente da iniciativa deste e das instituições, pois há outros envolvidos no processo que poderão reforçar a importância de uma plena integração da disciplina de expressão musical lecionada por um especialista.

No próximo artigo verificaremos, através das normativas que regem a atividade no jardim-de-infância, qual a visão que os documentos oficiais explanam relativamente a esta área da educação artística e cultural.

Fontes Bibliográficas

Afonso, A. P. (2001). Comunidades de aprendizagem: um modelo para gestão da aprendizagem - dissertação de mestrado. Coimbra: Universidade de Coimbra.

Akoschky, J. (1998). Música en la Escuela, Un Tema a Varias Voces. In J. Akoschky,; et al. (1998). Artes y Escuela. Aspectos Curriculares e Didácticos de la Educación Artística. Barcelona: Paidós, 173 – 208.

Cunha, P. F. (2005). Música Bem Temperada no Jardim de Infância. CIANEI. Actas do 1º Congresso Internacional de Aprendizagem na Educação. Porto: Gailivro, 387-390.

Góes, R. S. (2009). A música e suas possibilidades no desenvolvimento da criança e do aprimoramento do código linguístico. In Revista do Centro de Educação a Distância CEAD/UDESC. Vol. 2. Nº1. 27-43.

Lopes A.; Barrosa L. (2008). A Comunidade Educativa e a Gestão Escolar: Um Contributo da Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Mangualde: Edições Pedagogo.

Santos, M. E. (s/d). A importância da educação artística no desenvolvimento global da criança. [em linha] disponível em: http://www.eselx.ipl.pt/cied/educare1.htm [consultado em: 23/13/2011]

Sousa, A. B. (2003). Educação Pela Arte e Artes na Educação: Música e Artes Plásticas. Lisboa: Instituto Piaget.

Vasconcelos, T e Oliveira, M. A formação para a educação artística e físico-motora na educação pré-escolar e no 1º ciclo do ensino básico. [em linha] disponível em: [consultado em: 23/13/2011].

Vasquez, J. B. e Niño M. L. C. (2000). Didáctica de La Música. La Expressión Musical en la Educación Infantil. Málaga : Ediciones Ajibe.

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