EDUCAÇÃO INFANTIL | Música, crianças, pais e educadores. Continuamos a “assobiar” para o lado?

Música na educação infantil ou educação musical informal facultada pelos pais em ambiente familiar são temáticas que muitas vezes são abordadas de forma leviana e irresponsável.

EDUCACAO INFANTIL MUSICA

Para que se possa agir e refletir sobre o que é a música para crianças em idade pré-escolar deveremos ter em conta as terminologias, os conceitos; conhecer as dinâmicas e as particularidades dos espaços onde esta expressão musical ocorre. Se falarmos do jardim-de-infância teremos que assimilar que a matéria-prima que nele habita nos responsabiliza mais do que qualquer outro espaço educativo. O jardim-de-infância deve ser minuciosamente acariciado pois é um espaço onde "habitam" crianças e onde, se por um lado nos deparamos com aspetos marcadamente ligados ao pragmatismo da palavra educação, não podemos esquecer, por outro, que também se trata de um lugar de afetos. Queremos com isto dizer que a rigidez muitas vezes imposta pelas teorias inerentes à pedagogia e á didática deverão dar lugar à maleabilidade e à afetividade que consideramos indispensáveis num espaço onde o objetivo primordial é educar.

Uma das inúmeras definições de jardim-de-infância diz-nos que este é um estabelecimento que se destina a crianças de idade inferior a seis anos em que a finalidade passa pela educação e o desenvolvimento da capacidade infantil através de jogos e exercícios apropriados (Houaiss e Villar, 2002).

Onde estará a música, a educação musical, a expressão musical num estabelecimento com estas características?

O jardim-de-infância assume um papel muito marcante na educação das crianças. Este insere-se no conceito que designamos por educação pré-escolar.

É, cada vez mais, reconhecida a sua importância no que concerne ao desenvolvimento cognitivo e social das crianças, constituindo-se também como plataforma de inovação educativa tendo em seu torno cada vez mais entusiastas (Monero, 2007). A educação pré-escolar pode contribuir de forma relevante para um ambiente do qual façam parte a paridade, relativamente às oportunidades, e a motivação, no que concerne às predisposições por esta criada. Neste sentido:

Para além da iniciação à socialização que os centros e programas de educação pré-escolar facultam, verifica-se que as crianças que beneficiam deste tipo de educação têm uma disposição mais favorável à escola e correm menos riscos de a abandonar prematuramente do que as que não tiveram essa oportunidade. Uma escolarização iniciada cedo pode contribuir para a igualdade de oportunidades, ajudando a superar as dificuldades iniciais de pobreza, ou dum meio social ou cultural desfavorecido.

Delors, 2005: 110

Vayer, et al. (2003) aborda esta instituição como a primeira estrutura social depois da família. Nela é que a criança se integra no jogo social e o grupo de crianças apresenta características e propriedades como segurança, motivações e projetos comuns e de regulação da ação (reconhecimento dos seus limites, do seu poder e da sua autonomia).

O Ministério da Educação português (1997) define o jardim-de-infância como um estabelecimento que concede tarefas vocacionadas para o desenvolvimento e aprendizagem de todas as crianças, colocando à disposição destas atividades educativas e de apoio à família.

Verificamos ainda que o jardim-de-infância é também considerado como uma das etapas que antecedem e preparam a ida para a escola do 1º ciclo do ensino básico:

Durante muitos anos, um sector importante da comunidade educativa considerou que a educação infantil só tinha sentido enquanto fase de preparação para o ensino primário, ou seja, para realizar as aprendizagens consideradas prévias ao ensino da leitura e da escrita.

Monero, 2007: 172

Consideramos, no entanto, redutor que se olhe somente para este nesta ótica pois "reconhecemos-lhe uma função própria no desenvolvimento da criança, isto é, ele deve formar a personalidade das crianças em todos os seus aspetos" (Brás, 1994: 55).

Nesta ordem de ideias, concordamos com a autora quando nos diz que o jardim-de-infância não se caracteriza por facultar uma preparação direta para as aprendizagens específicas mas por possibilitar um conjunto de competências que no futuro lhes permitirão melhores abordagens.

Espera-se então que a criança, no final da passagem por esta instituição, tenha uma maior maturidade e performance para a etapa que se segue e que passa por novas aprendizagens.

Esta perspetiva de formação global da personalidade insere-se precisamente numa visão que encare a música como uma área fundamental e que deverá contemplá-la como área devidamente lecionada por um professor especialista.

Acreditamos que a expressão musical poderá ser uma área que muito facilitará uma conceção de formação global e integral do ser humano. Assim, para que o sistema instrutivo se concretize de uma forma mais persuasiva, acreditamos que o empenho de todos os intervenientes no processo educativo e pedagógico do jardim-de-infância é fundamental, daí defendermos claramente a inclusão do professor de expressão musical nos projetos educativos destas instituições.

Se, como referimos no parágrafo anterior, se efetivar a inclusão do professor de expressão musical nos projetos das instituições facilitaremos uma implementação dos currículos se processe de uma forma ágil e proficiente. Neste aspeto, colocamo-nos ao lado de Costa e Ferreira (2005) quando referem a vantagem em impulsionar o posicionamento ativo dos educadores na estruturação e execução do currículo no sentido de aperfeiçoar o desempenho profissional. Também corroboramos a ideia de que, para que os profissionais envolvidos se sintam atores no processo educativo, todo o seu comprometimento no desenvolvimento curricular deverá assentar na consciencialização de um conjunto de alterações pedagógicas atingidas e gerado num processo de reflexão-acção-reflexão.

Conclui-se assim que a educação pré-escolar é a primeira etapa do sistema educativo português antecedendo a escolaridade obrigatória. A sua frequência abrange crianças dos 3 anos até à idade de ingresso no ensino básico (6 anos) e tem, segundo o Ministério da Educação (1995: 4), reflexos positivos na vida futura do cidadão permitindo:
- Desenvolver a segurança e o equilíbrio afetivo;
- Conhecer o seu corpo;
- Desenvolver capacidades motoras;
- Adquirir progressivamente autonomia;
- Relacionar-se com os outros e respeitá-los;
- Comunicar e expressar-se através de diferentes linguagens;
- Desenvolver a imaginação e a criatividade;
- Aprender fazendo e experimentando;
- Observar e compreender o meio onde vive.

Todos estes reflexos mencionados implicam a necessidade de que os profissionais que trabalham com estas crianças estejam preparados para tão importante etapa da vida do ser humano. O professor de expressão musical não é exceção e vê as suas responsabilidades acrescidas no momento em que toma consciência de que a sua ação, devido à área que leciona, também contribui para que a criança conheça o seu corpo, para que se desenvolva a nível motor, para que se torne mais autónoma, para que se relacione com os outros respeitando-os, para que comunique expressando-se através da música, ou não fosse também a música uma forma de linguagem, e para o desenvolvimento da criatividade pois este é um espaço que permite às crianças aprender experimentando e fazendo.

Estarão os professores de expressão e educação musical cientes destas responsabilidades ou continuarão em muitos casos a realizar um papel de mera "animação musical?

Carvalho (2007) diz-nos que a educação de infância tem uma identidade singular e específica. Logo, o jardim-de-infância adota objetivos e finalidades próprias. Os profissionais que trabalham nestes contextos deverão ter uma "formação adequada nesta etapa do desenvolvimento da criança, uma vez que a especificidade da educação de infância, configura uma profissionalidade diferente para as(os) educadoras(es), em relação aos professores dos níveis de escolaridade seguintes" (Carvalho, 2007: 39).

Por tudo isto, podemos afirmar, apoiados em Carvalho (2007), que o que distingue a educação pré-escolar de outros níveis de ensino são:
- os seus objetivos;
- o seu enquadramento legislativo;
- a autonomia pedagógica;
- o caráter não-escolarizante da formação;
- o facto de seguir orientações curriculares em vez de um currículo escolar prescrito;
- o evidente e necessário envolvimento dos pais no processo educativo.

Esta distinção que Carvalho menciona não impede que a expressão musical faça parte da educação pré-escolar de forma mais visível. Pelo contrário, consideramos que a expressão musical pode contribuir para que os diferentes objetivos sejam alcançados de forma mais leve embora não menos metódica e tal não é colocado de parte pelo enquadramento legislativo em vigor.

A mencionada autonomia pedagógica também se pode constituir, em nossa opinião num não-impedimento para que a expressão musical contribua para o prosseguimento das orientações curriculares de uma forma não-escolarizante e, como já vimos em 2004, é até, um meio privilegiado para facilitar o envolvimento dos pais no processo educativo (Amaral, 2004).

Relativamente a este último ponto, veremos noutros artigos que desenvolveremos em breve, que o envolvimento dos pais é tão óbvio como nos sugere Carvalho. Ainda assim, o jardim-de-infância pode ser entendido como um espaço de transição entre o subsistema familiar e o escolar, sendo um local privilegiado para se proceder à realização da educação pré-escolar (Ministério da Educação, 1995). Assim, este espaço educativo organiza-se em torno da criança adequando-se às atividades que nele se desenvolvem. É este, com as suas condições únicas, que permite à criança relacionar-se com o mundo à sua volta numa perspetiva de descoberta.

O jardim-de-infância é, habitualmente, colorido, alegre e acolhedor com diferentes zonas de atividades e equipado com diversos materiais didáticos e lúdicos. Este espaço deverá ser palco de uma participação ativa das crianças na sua própria organização e construção em interação com os profissionais e o meio envolvente:

O ambiente que nele se vive é fruto da relação entre as crianças, o educador, o pessoal de apoio e o meio envolvente.

Ministério da Educação, 1995: 8

No jardim-de-infância realizam-se diversas atividades que permitem à criança adquirir e consolidar conhecimentos. Através do jogo, atividade prazerosa e normal na criança, são desenvolvidas inúmeras capacidades como a expressão de sentimentos, a aquisição de uma identidade e o desenvolvimento da imaginação criando e recriando o mundo à sua volta.

Em suma, o jardim-de-infância poderá marcar todo o percurso pessoal, académico e profissional de um ser humano na medida em que, sendo o primeiro contacto social depois da família, é também o primeiro contacto institucional de que a criança usufrui. Assim, para que os profissionais docentes da área da expressão e educação musical possam adequar toda a sua atuação à realidade do jardim-de-infância, deverão também entender os aspetos que estão na origem desta designação. Na verdadeira acessão da palavra, o "jardim", local predestinado ao desenvolvimento de plantas orienta-nos para uma realidade de crescimento que vem do interior embora coadjuvado pelo meio (exterior) enquanto a escola, lugar que assegura o ensino, de uma forma geral em grupo, remete-nos para algo que vem do exterior. Daqui surge a designação jardim-escola, sendo que atualmente as designações mais ouvidas são jardim-de-infância ou ensino pré-escolar:

Em termos de auto-organização ou de autoconstrução que exprimem a realidade do desenvolvimento da criança e em especial da criança muito pequena, é óbvio que preferimos o termo jardim em detrimento do de escola no que diz respeito à designação da estrutura social cujo papel não consiste apenas em guardar e tranquilizar a criança, mas também em facilitar-lhe a expressão das suas possibilidades. Com efeito, à semelhança da semente que possui em si mesma os meios e a orientação da planta na qual se transformará, também a criança possui em si mesma os meios e as orientações do seu próprio desenvolvimento.

Vayer, et al., 2003: 11-12

Embora o ambiente de aprendizagem seja ainda bastante informal, não deixa, no entanto, de ser uma atmosfera de transmissão e descoberta de saberes. Logo, toda a prática pedagógica deverá levar em linha de conta aspetos relacionados com o desenvolvimento da criança, para que contextualize a sua ação com o público-alvo a que se destina. Nesta linha de pensamento apresentaremos em breve um artigo onde nos debruçaremos sobre o desenvolvimento da criança dos 3 aos 5 anos e o desenvolvimento musical da criança igualmente dos 3 aos 5 anos.

Nos nossos próximos artigos iremos tentar contribuir para a reflexão dos pais e dos educadores em geral para a importância fulcral da presença da música nos currículos desde cedo.

Estarão os pais cientes de que ao colocarem os seus filhos em jardins-de-infância que não contemplem uma abordagem séria e metódica relativamente às áreas artísticas, estão a impossibilitar o desenvolvimento integral e harmonioso dos mesmos?

Fica a promessa de continuarmos a despertar consciências de uma sociedade que nos parece adormecida relativamente à fácil delapidação da educação infantil.

A música na educação infantil, bem como o desenvolvimento da linguagem musical na educação infantil e na primeira infância é um tema que, em nossa opinião, merece muito mais atenção do que aquela que lhe tem sido dedicada por governantes e sociedade em geral.

Fontes bibliográficas

Amaral, S. B. M. (2004). Expressão musical: Significados e Significantes. Perspectiva Vivencial no Jardim de Infância. Coimbra: Instituto Superior Miguel Torga.

Brás, M. L. (1994). Actividades na educação pré-escolar e activação do desenvolvimento psicológico. Lisboa: Escola Superior de Educação João de Deus.

Carvalho, M. M. M. M. (2007). A Avaliação no Jardim de Infância. Contributo para o estudo da especificidade educativa do Jardim de Infância. Dissertação de Mestrado. Porto: Universidade do Porto.

Costa, M. J. M. e Ferreira A. G. (2005). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar: Instrumentalidade e Qualidade. CIANEI. Actas do 1º Congresso Internacional de Aprendizagem na Educação. Porto: Gailivro, 591-597.

Delors, J. (Coord.). (2005). Educação. Um Tesouro a Descobrir. Relatório Para a UNESCO da Comissão Internacional Sobre a Educação Para o Século XXI (9ª Edição). Porto: ASA Editores.
Ministério da Educação, Departamento de Educação Básica, Núcleo de Educação Pré-Escolar. (1995). Dos 3 aos 5 anos – No Jardim-de-infância. Lisboa: ME.

Ministério da Educação, Departamento de Educação Básica, Gabinete para a Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar. (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: ME.

Vayer, P., et al. (2003). O Jardim-Escola. Lisboa: Instituto Piaget.

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