REPORTAGEM: Museu de Etnomúsica da Bairrada
Acompanhados pelo Dr. Sérgio Dias fizemos uma visita cuidada e atenta ao Museu de Etnomúsica da Bairrada. Neste espaço é partilhado o património cultural/musical produzido ao longo de várias gerações na região da Bairrada.
Iniciámos a nossa visita pelo piso 0. Na sala de exposições está bem evidenciada a grande predominância associativa desta região onde - através de 35 parcerias - bandas filarmónicas, tunas, grupos musicais e grupos etnográficos são historicamente retratados. Por baixo do historial, que pode ser facilmente lido graças à clareza e objetividade dos painéis expostos, encontramos instrumentos musicais e objetos, também estes carregando um pouco da história da respetiva associação, coletividade, grupo ou instituição. Neste sentido, embora este museu seja propriedade da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, o Museu de Etnomúsica da Bairrada é nutrido por estas parcerias que se estendem por toda a respetiva região.
Nesta mesma sala de exposições do piso 0 podemos ver ao centro uma mostra de trajes típicos da região realçando algumas das particularidades do trajar bairradino.
Desta forma, o que acaba por ser evidenciado nesta primeira parte da nossa visita é o enquadramento histórico da região nos séculos XIX e XX. Não são aqui esquecidos os famosos Jazz's da Bairrada da década de 50 / 60.
Ao longo do nosso percurso, Sérgio Dias foi-nos elucidando relativamente à missão deste Museu de Etnomúsica da Bairrada. Assim, contribuir para o desenvolvimento do conhecimento sobre a música etnográfica da Bairrada, de Portugal e do Mundo através da preservação, estudo e promoção das coleções que fazem parte do acervo deste museu, constituem o cerne da sua incumbência.
Fazem então parte do referido acervo coleções de equipamentos de gravação, reprodução, emissão e tratamento de som tais como gravadores de bobines, gira-discos, grafonolas, gramofones, vitrolas, sintetizadores, amplificadores, transformadores, colunas de som, microfones e recetores de rádio. Tal como já referimos, também as coleções de instrumentos musicais, documentos manuscritos e impressos que incluem partituras, agendas, diários, manuais de utilização e construção de equipamentos eletrónicos, correspondências, cartazes de divulgação de espetáculos musicais, postais, calendários e os têxteis onde destacámos o núcleo do traje fazem parte deste enorme e qualificado acervo.
Após presenciarmos a exposição de emissores de rádio que nos permitiu observar a evolução tecnológica destes, seguimos para um terceiro momento que nos permitiu conhecer mais um pouco da história da Banda Escolar do Troviscal que teve como obreiro José d'Oliveira Pinto de Sousa, homem que já mais será esquecido na região da Bairrada.
Vale a pena debruçarmo-nos um pouco sobre as palavras transmitidas por Sérgio Dias que com grande entusiasmo e dedicação nos falou desta recolha aqui patente e que se deve a Silas Granjo que produziu o documento "José de Oliveira Pinto de Sousa" no âmbito da coleção "Figuras da Música da Bairrada".
"José de Oliveira Pinto de Sousa nasceu em 1879 em Aveiro no seio de uma família de músicos amadores. Desde muito cedo se dedicou à aprendizagem musical, sendo o instrumento eleito por este o violino. Tendo em conta o facto de o seu pai ter sido colocado a lecionar em Oiã e de este ser o Regente da Banda Marcial de Fermentelos, foi aí mesmo que este frequentou o ensino secundário e as suas aulas de música. Mais tarde, no Porto, frequentou o seminário sem o concluir e o magistério primário. Em 1899, a convite do seu pai, vai dirigir a Banda Marcial de Fermentelos, assumindo somente a direção da orquestra sacra. Aos 21 anos de idade assume as mesmas funções na Tuna de Oiã. Criou mais bandas e tunas como por exemplo a Banda de Paredes do Bairro e a Tuna da Costa do Valado.
Mas, para que pudesse exercer a profissão de professor, José de Oliveira concorreu para dar aulas no Troviscal e é aqui que começa uma das mais belas histórias de empreendedorismo, dedicação e sucesso alguma vez vivida por estas «bandas». Assim, o Professor José de Oliveira, para além do programa oficial, lecionava também música às suas crianças surgindo gradualmente o sonho de fazer uma banda com estas. Após muita dedicação do Professor e dos seus alunos, surgiu, em 1911, a Banda Escolar do Troviscal, a qual veio a alcançar um sucesso de âmbito nacional devido à considerável e reconhecida qualidade dos seus músicos. Paralelamente ao seu gosto pela música, José de Oliveira ostentava as suas fortes convicções republicanas que também foram transmitidas aos seus alunos. Ora, numa altura de grande instabilidade política onde eram comuns as confrontações com os apoiantes monárquicos, a Banda Escolar do Troviscal passou a ser conotada com a causa republicana tendo mesmo vindo a ser interdita pelo então Bispo de Coimbra em 1922. Esta interdição durou 17 anos, não podendo esta banda participar em festas de caráter religioso.
Mas a sua qualidade imperou durante estes 17 anos tocando muitas vezes à revelia da igreja e das suas autoridades, satisfazendo assim o povo que se deliciava a ouvi-la. Em 1928, a pressão do povo resultou no levantamento da interdição mas foi «sol de pouca dura». Já um pouco fatigado com toda a situação, José de Oliveira, declarou a dissolução da banda em maio de 1929 mas foi por pouco tempo pois a força dos seus músicos, que o comoveram aparecendo fardados e com os respetivos instrumentos para tocarem na formatura do seu filho Manuel, falou mais alto e a Banda reatou a sua atividade. Anos mais tarde em 1939, é levantada a interdição mas os seus músicos interpretaram as negociações para que tal acontecesse como uma inadmissível cedência aos seus princípios sendo declarada a extinção da banda pouco depois. Cada músico ficou com o respetivo instrumento, nascendo daqui um período muito próspero com a criação dos denominados «jazz's» que também trouxeram o nome da Bairrada à ribalta sendo conhecidos a nível nacional como retrata muita da documentação arquivada neste museu".
Após esta bela e encorajadora história aqui resumida que, graças ao museu e à empreendedora investigação de Silas Granjo, nos chega aos dias de hoje, visitámos duas salas que nem sempre estão disponíveis ao público. Uma, mais dedicada à conservação e restauro onde pudemos presenciar um profissional a restaurar alguns instrumentos de percussão, outra, significativamente maior, dedicada ao armazenamento e arquivo de imenso material documental. Aqui, arriscamo-nos a dizer, ninguém fica indiferente com tanta história ali patente. Dos registos de imagem, aos instrumentos musicais, passando pelos equipamentos de gravação, emissão e tratamento de som...
Ficámos com a ideia bem clara que a função deste Museu de Etnomúsica da Bairrada vai muito além daquilo que é facilmente observado numa simples visita. É altamente meritório o trabalho de recolha, conservação, preservação e estudo que ali tem sido feito.
Para que o público se inteire do fenómeno musical na região da Bairrada, o Museu deu início à publicação de pequenos livros que dão corpo à coleção "Figuras da Música da Bairrada". Amílcar da Fonseca Morais teve honras de abertura desta útil e meritória coleção. Não poderiam ter optado por escolha mais consensual. Amílcar Morais teve um papel singular na deflagração filarmónica provocada em todo o país no final do século XX, devolvendo o reportório popular aos géneros filarmónicos.
A nossa visita/reportagem impele-nos a aconselhar o caro leitor a usufruir dos serviços deste Museu de Etnomúsica da Bairrada. Desde as visitas guiadas, ao centro de documentação que disponibiliza e possibilita a investigação, até ao serviço educativo, este museu é um albergue de informação e de conhecimento vivo e aberto a todos aqueles que o desejem alimentar nas suas mais variadas vertentes.
Museu de Etnomúsica da Bairrada - Rua Jaime Pato - 3770-410 Troviscal - tel. 234757005 - e-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
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