Jafumega e Orquestra Filarmonia das Beiras | O Concerto
Jafumega celebrou o 10º Aniversário da reabertura do Cine-Teatro de Estarreja num concerto com a Orquestra Filarmonia das Beiras. Aqui ficam alguns apontamentos daquele que será recordado como um dos espetáculos do ano 2015 em Portugal.
Quem lê diariamente o XpressingMusic – Portal do Conhecimento Musical concordará que não somos adeptos da adjetivação fácil e excessiva, mas há momentos que, pelo lugar que ocuparão na história da música e dos músicos em Portugal, devem ser descritos com a exatidão e a emoção que nos provocam.
O Jafumega e a Orquestra Filarmonia das Beiras protagonizaram na noite de ontem (20 de junho de 2015) um espetáculo que primou pela excelência. O que seria de esperar quando se povoa um palco com nomes quem têm ditado nas últimas décadas muita da inovação ao nível da produção musical em Portugal?
Mário Barreiros, José Nogueira, Eugénio Barreiros, Pedro Barreiros e Luís Portugal mostraram porque passados todos estes anos os seus temas continuam intemporais. A sapiência na composição e produção das músicas fez com que ainda hoje pareçam temas recentes. Talvez por isso no seu tempo tenham sido incompreendidos por muitos.
Durante o concerto, o sincronismo entre a banda Jafumega e a Orquestra Filarmonia das Beiras foi uma constante. Tal foi conseguido à custa de vários fatores dos quais destacamos as inteligentes orquestrações de Carlos Azevedo, que soube criar ambientes que não se sobrepusessem à genuinidade dos temas, à sóbria e cuidada direção do maestro António Vassalo Lourenço e, como é óbvio, à sensibilidade musical dos músicos da banda que contou com convidados como o Miguel Ferreira nos teclados, backing vocals e programações e Ruca Lacerda na bateria. Os temas foram tocados com força, segurança e tempo irrepreensíveis.
O tema "Sei que pareço um ladrão" foi um dos exemplos em que a orquestra assinalou uma presença que acrescentou corpo e riqueza tímbrica. O tema, que tem início com uma quadra de António Aleixo, foi tocado com um enorme balanço.
O público também não deixou de participar ativamente neste concerto. No tema "La Dolce Vita", tal como já tinha acontecido em "Kasbah", o público fez questão de cantar formando um coro dotado de entusiasmo e que assinalou estes temas como alguns dos pontos altos do concerto.
Luís Portugal fez questão de lembrar que nem todos os protagonistas do que ali se estava a ouvir subiam ao palco. Carlos Tê e José Martins, autores de algumas das letras dos Jafumega foram aplaudidos.
A assistir ao concerto estava o autor dos arranjos para a orquestra. Carlos Azevedo fez questão de marcar presença no Cine-Teatro de Estarreja podendo assim receber in loco os merecidos aplausos do público.
Com letra de Florbela Espanca, o tema "Rústica" foi um dos que contou com a voz de Eugénio Barreiros. Sempre que cantava, Eugénio fazia-nos regressar aos discos dos Jafumega mostrando que passados todos estes anos o timbre da sua voz continua o mesmo. Ainda neste tema destacamos o solo de guitarra de Mário Barreiros, as passagens de José Nogueira entre os teclados e o sax soprano e a conjugação de tudo isto com a orquestra.
Luís Portugal enalteceu ainda o facto da orquestra se encontrar vestida de forma mais informal não ostentando os tradicionais fatos e papillons, o que ajudou a criar um ambiente ainda mais próximo do pretendido.
O tema "Guida Peituda" foi recordado neste concerto e, se na altura em que foi escrito se tentou uma abordagem acerca da governante do Reino Unido Margaret Thatcher, a mesma pôde ser transportada para a atualidade havendo uma implícita alusão à atual governante germânica. Um apontamento de humor como outros que tivemos oportunidade de testemunhar num concerto onde a boa disposição imperou do princípio ao fim.
Outro ponto alto do concerto foi atingido com a interpretação de "Nó Cego" onde o público mais uma vez fez ouvir a sua voz. Todo o auditório cantou e não se pense que foi só no refrão.
O concerto aproximava-se do fim e, como não é todos os dias que se consegue uma conjugação como aquela a que se assistiu em Estarreja, José Nogueira proferiu algumas palavras.
José Nogueira: "Esta era uma ideia antiga que nós tínhamos e era difícil de concretizar por razões óbvias. Era também uma ideia arriscada pois consistia em juntar dois mundos que não têm, à partida, muito a ver um com o outro. Juntar música pop rock, se é que nós somos isso (risos), e música clássica... Dois mundos desligados um do outro. Foi um desafio que não foi fácil. Contámos com a ajuda de um grande amigo nosso que é um grande compositor português, o Carlos Azevedo que está aqui entre nós (interrompido por um enorme aplauso). O Carlos Azevedo percebeu onde é que poderiam estar os pontos de união entre uma coisa e outra e, embora sejamos suspeitos, fê-lo de uma forma que nós achamos que está muito bem feita (mais uma vez interrompido por um enorme aplauso do público). Contamos também com a colaboração de uma pessoa que foi importante para colocar isto a funcionar na prática, o maestro António Lourenço (aplausos) que, com toda a competência e paciência que lhe conhecemos foi capaz de colocar tudo isto a funcionar. Foi um trabalho árduo e demorado mas que valeu a pena. (...) Há ainda aqui um terceiro elemento que permitiu que tudo isto fosse possível e que foi o executivo da Câmara Municipal de Estarreja (forte aplauso do público). Estamos profundamente agradecidos ao executivo da Câmara por nos ter feito este convite, por ter tornado possível este sonho e por ter visão para perceber o alcance que um encontro deste tipo pode ter. A cultura, ao contrário do que muita gente, principalmente os políticos, acham, a cultura é um fator de avanço das sociedades absolutamente fundamental. Muitos políticos estão agarrados exclusivamente às questões económicas e financeiras que têm com certeza um papel fundamental no imediato mas não percebem que as grandes transformações da sociedade se devem quase exclusivamente a fatores de ordem cultural (mais uma vez interrompido por aplausos). Nem todos os políticos em Portugal são maus, pelo contrário. Há muitos que são bons. O executivo da Câmara Municipal de Estarreja é um exemplo de quem valoriza a cultura e de quem tem visão... (aplausos) (...)".
José Nogueira enalteceu ainda todas as equipas técnicas que contribuíram para a realização de um espetáculo com aquela dimensão. Equipa técnica do Cine-Teatro de Estarreja, equipa técnica da Filarmonia das Beiras e, por fim, a equipa técnica que acompanha o Jafumega na estrada foram enaltecidas no discurso.
Era mais do que previsível que num concerto com tantos momentos altos e onde a qualidade foi a nota dominante houvesse um encore. O que não era previsível era a surpresa que estava reservada.
O último tema do encore, "Romaria", com música de José Nogueira e letra de José Martins, tinha muita emoção e surpresa para oferecer ao público. A introdução consistiu num diálogo entre sax soprano e guitarra protagonizado por José Nogueira e Mário Barreiros. Posteriormente todos se foram juntando à "festa". Diga-se Orquestra Filarmonia das Beiras e restante banda. Já ia o tema bastante avançado quando, numa das paragens em que o público cantava expressivamente este conhecido tema, Luís Portugal questiona: "Estamos aqui com esta orquestra, com o público a cantar e a dançar... o que falta mais?" É neste momento que o público é surpreendido com a entrada de vinte elementos de uma Banda Filarmónica de Estarreja que irrompem pelo Cine-Teatro interpretando o tema "Romaria" sincronizados com o espetáculo que estava a decorrer. Trompetes, tubas, fagotes e outros instrumentos juntam-se aos seus semelhantes que já atuavam desde o início do espetáculo e que foi descrito por José Nogueira como a unificação de três mundos musicais num universo único: Clássico, rock e popular num espetáculo único.
Resta aos presentes e ainda mais aos não presentes a esperança de que tudo o que ali se passou seja materializado e "eternizado" em DVD.
O XpressingMusic – Portal do Conhecimento Musical agradece ao Cine-Teatro de Estarreja na pessoa da Catarina Vasconcelos por ter tornado possível este nosso trabalho.
Aproveitamos também para felicitar todos aqueles que fazem parte desta equipa que, ao longo destes últimos 10 anos, trabalharam em prol de 275 mil espectadores protagonizando 3083 eventos. O Cine-Teatro de Estarreja tem certamente presença obrigatória nos principais cardápios culturais do país e tem demonstrado capacidade para atrair públicos de toda a região. Era certamente benéfico para a cultura portuguesa que mais concelhos levassem em linha de conta o exemplo do CTE que apresenta uma atividade regular e arquitetada numa programação anual heterogénea, multidisciplinar e pertinente.
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