The Blue Voice of the Water
Uma paleta de cores sem fim
The Blue Voice of the Water
Luís Tinoco
Orquestra Gulbenkian (S. Mälkki); Orquestra Sinfónica Portuguesa (P. Neves), Filipe Quaresma; Seattle Symphony (L. Morlot); Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música (M. André).
Odradek
ODRCD365
2018 / CD
Foi apresentado no passado dia 15 de junho, em Lisboa, o novo CD do compositor português Luís Tinoco, The Blue Voice of Water, editado pela discográfica norte-americana Odradek Records.
O trabalho é composto por quatro obras orquestrais: O Sotaque Azul das Águas (2015),Concerto para Violoncelo (2016/17), FrisLand (2014) e Before Spring, um Tributo à Sagração (2010, rev. 2013), gravadas ao vivo por diferentes formações e maestros – a Orquestra Gulbenkian (Susanna Mälkki), a Orquestra Sinfónica Portuguesa (Pedro Neves), a Seattle Symphony (Ludovic Morlot) e a Orquestra Sinfónica do Porto (Martin André), respetivamente. De realçar o trabalho excecional de masterização do disco, realizado por Hugo Romano Guimarães, que torna impercetível o facto das obras terem sido gravadas em diferentes salas de concerto.
As obras gravadas refletem o interesse do compositor pela música orquestral, nas suas palavras, «um meio único, um desafio que oferece possibilidades inesgotáveis em relação à narrativa musical e ao fluir do tempo». O conjunto das quatro obras, três delas de andamento único e uma concertante de estrutura tripartida, evidencia também a sua afinidade com as belas artes, pela forma como molda o material musical, constrói a forma, trabalha a luz, a cor e as texturas com várias camadas.
O título do registo remete para a presença constante das águas do rio e do mar na vida do compositor e a sua afinidade com a poesia do escritor brasileiro Manoel de Barros (1916-2014), cujo verso «Sei que a voz das águas tem um sotaque azul», de um poema do Compêndio para Uso dos Pássaros, inspirou a obra que abre a gravação, encomenda conjunta da Orquestra Gulbenkian e da Orquestra Sinfónica de São Paulo (OSESP). Nas palavras de Luís Tinoco a leitura do poema despertou a imaginação e criatividade, inspirando «de uma forma muito geral a obra».
O Sotaque Azul das Águas inicia com um gesto, que funciona também como elemento unificador da obra, sugerindo um mergulho nas profundezas do oceano, onde predomina um azul escuro que vai dando lugar progressivamente aos tons mais claros da superfície. Em termos interpretativos, de realçar as articulações precisas, o equilíbrio de registos e de dinâmicas, alcançados na execução da Orquestra Gulbenkian, que reforçam as subtis gradações de cor verificadas ao longo da obra.
O Concerto para Violoncelo foi a primeira obra composta por Tinoco na sequência de ter sido Compositor Residente do Teatro Nacional de São Carlos e da sua associação à Orquestra Sinfónica Portuguesa. Os acordes iniciais do concerto, em moção lenta e em pianíssimo, desenham um mundo sonoro mágico, na esfera do onírico, que irá atravessar toda a obra, ainda que por vezes seja interrompido, por picos dinâmicos, para depois voltar às suas origens calmas, como acontece no primeiro andamento, ou acordes ameaçadores, no segundo. Filipe Quaresma, dedicatário da obra, e um violoncelista de fino recorte interpretativo, evidencia uma profunda expressividade, captando uma certa melancolia que percorre o concerto, e um perfeito domínio de recursos técnicos e fónicos do violoncelo, que alargam a sua paleta de cores e lhe permitem captar diferentes nuances tímbricas.
A obra FrisLand resulta de uma encomenda da Orquestra Sinfónica de Seattle para a série anual de concertos dedicada aos maiores músicos populares da cidade. Quando foi proposto a Luís Tinoco a criação de uma obra em torno de um desses músicos, a escolha recaiu em Bill Frisell, músico de jazz, radicado em Seattle. Na génese do título da obra está um jogo de palavras, que evoca uma ilha imaginária, a Frisland, assinalada num mapa do Oceano Atlântico Norte pelo cartógrafo italiano, do século XVI, Nicolo Zeno, e em simultâneo utiliza as quatro primeiras letras do apelido do guitarrista americano. Tinoco descreve a sua composição como «uma viagem imaginária através de um mundo sonoro (também imaginário) inspirado na música de Frisell». Alguns fragmentos das suas composições e improvisações são evocados na partitura a partir dos frisellprints, fragmentos da música, ideias potenciadoras da fantasia, que serviram de material base para a composição. FrisLand inicia com um solo de violoncelo, que parece evocar a neblina no meio do mar onde se vislumbra uma ilha fantasma, ideia musicalmente sugerida pelas sonoridades etéreas que marcam os compassos iniciais da obra. Toda esta atmosfera é sublinhada pela interpretação contida da Seattle Symphony que se expande progressivamente, mostrando a sua verve lírica e colorido melódico.
Em Before Spring, um Tributo à Sagração encontramos reminiscências, mais ou menos diretas, do bailado A Sagração da primavera de Stravinsky, obra-prima que constitui um marco na história da música erudita ocidental. Nas palavras do compositor, «fazendo uma analogia com os rituais de fertilidade evocados na Sagração, o material musical de Before Spring foi desenvolvido partindo de algumas sementes retiradas da partitura de Stravinski». Tal como na obra do compositor russo, em Before Spring o ritmo assume-se muitas vezes como a força propulsora, que neste registo fonográfico é sublinhada pela energia interpretativa da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música.
Performance:
Qualidade Sonora / Recording:
Aparato Editorial / Artwork & Texts:
Ricardo Vilares
Ricardo Vilares é licenciado em História e Teoria da Música, pela Universidade de Évora, e mestre em musicologia, pela Universidade de Aveiro, com a dissertação intitulada “Um sagrado enlevo: Moreira de Sá e o culto da música de câmara no Porto”.
Foi professor assistente convidado no Instituto Piaget Nordeste e na Universidade do Minho. Presentemente, é docente de História da Cultura e das Artes – História da Música no Conservatório de Música do Porto. Tem, igualmente, desenvolvido uma atividade enquanto redator de notas de programas e comentador de recitais e concertos, entre os quais se destaca “Um recital e uma obra de arte”, promovido pelo CMSM e Câmara Municipal do Porto.