Something Blue
Ouro sobre Azul


Something Blue

Something Blue

Nordraak; Paulsen; Reissinger; Kjerulf; Aamodt; Bræin; Grieg; Halvorsen; Okkenhaug; Jensen.

Christiania Mannskor; Marius Skjølaas

Lawo Classics
LWC1107

2016 / CD


Ao longo da segunda metade do século XIX o movimento da prática de canto coral masculino despontou um pouco por toda a Europa, resultando progressivamente na solidificação de tradições com um forte pendor patriótico, nacionalista, onde a fusão entre música erudita e tradicional popular se tornou rapidamente um lugar comum. Se em alguns casos esse pretensa tradição não terá passado de um pequeno movimento episódico, contextos houve em que este movimento se manteve, e mantém, até aos nossos dias, com maior ou menor expressão. No último caso, a Escandinávia é um exemplo excepcional de como essa prática ainda hoje é um (bom) cartão de visita da sua vida musical.
Nesse contexto o Christiania Mannskor, liderado por Marius Skjølaas, levou a cabo a gravação de Something Blue, um CD com o intuito de difundir «a época de ouro do movimento coral masculino na Noruega».
É, sem dúvida, ouro, aquilo com que o Christiania Mannskor nos brinda com este disco.

O repertório em programa viaja praticamente ao longo dos últimos 2 séculos, da melhor música coral norueguesa, com o cuidado acrescido de estarmos perante versões integrais originais, uma boa parte em primeira gravação absoluta. Um cardápio de música com um profundo carácter contemplativo e um grande pendor expressivo, onde se vislumbram laivos da influência da tradição coral anglicana um pouco por todo o programa. Não será por acaso que o título deste CD, Something Blue, é uma escolha que alude a uma quadra tradicional inglesa, “something old, something new, something borrowed, something blue...” Aqui bastará escutar a primeira obra (R. Nordraak: Sang for Norge), ou Vuggesang (Paul Okkenhaug), para podermos facilmente comprovar essa influência evidente. Ao mesmo tempo, é facilmente identificável a presença de modelos comuns à composição coral de Johannes Brahms, bem patentes, por exemplo, em Naar Fjordene Blaaner de Alfred Paulsen (1849-1936).
Não se pense, no entanto, que este repertório é uma amálgama ou uma síntese de um conjunto de influências marcantes do século XIX e XX europeu importadas pelos compositores noruegueses. Não! Estamos perante um programa repleto de originalidade, com compositores que demonstram em muitos dos casos uma marca distintiva que importa salientar. Além da música de Edvard Grieg, inevitavelmente o mais renomado dos compositores neste programa, destacam-se as obras de Halfdan Kjerulf (1815-1868), Edvard Bræin (1887-1957) e Ludvig Irgens Jensen (1894-1969).
Kjerulf é um dos compositores que mais impressionam pelo seu jogo de vozes, nomeadamente do ponto de vista da riqueza tímbrica alargada que procura explorar em Brudefærden i Hadanger, com o recurso a contrastes expressivos e de registo de tessitura que permitem ao Christiania Mannskor brilhar da melhor forma. Numa linha bem diferente, Serenade é um exemplo capital para demonstrar a grande exploração da estrutura harmónica e rítmica, assente muitas vezes em modelos de índole jazzística, que podemos encontrar em E. Bræin. Pelo meio temos um corpus riquíssimo de excelente música que vale muito a pena ouvir, e voltar a ouvir. Esse é também um aspecto importante de qualquer boa edição: o facto de permitir ao ouvinte, em cada nova audição, uma leitura sempre diferente, enriquecedora, onde a novidade dos aspectos da composição aliada às subtilezas e argumentos distintivos da interpretação marcam uma presença regular.

O programa segue um alinhamento desprendido de qualquer lógica cronológica ou de outro indicador que me tenha sido possível identificar. Nesse sentido, a estruturação do alinhamento deste álbum acaba por não permitir ao ouvinte uma audição em que este possa contactar com o desenvolvimento da escrita, ou escritas, para este tipo de formação na Noruega ao longo dos 2 séculos que perfazem o âmbito cronológico da música neste CD. Um senão que não mancha a pertinência desta edição que a um excelente trabalho editorial acrescenta ainda uma invejável qualidade de som.

Sem dúvida, um disco altamente  recomendável!

+ info: http://www.lawo.no

Performance:

Qualidade Sonora / Recording:

Aparato Editorial / Artwork & Texts:

Tiago Manuel da Hora

Tiago Manuel da Hora

Produtor e Musicólogo, autor de várias publicações, rubricas e argumentos para espetáculos musicais. Com uma intensa actividade no ramo da produção discográfica, assinando edições nacionais e internacionais, tem sido também responsável pela criação, direcção artística e produção de diversos concertos e espetáculos. É investigador do INET-MD da Universidade Nova de Lisboa, onde dedica as suas atenções ao estudo da produção discográfica.

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