Leoš Janáček: The Kreutzer Sonata / Intimate Letters
Histórias de amor e ciúme


Leoš Janáček: The Kreutzer Sonata / Intimate Letters

Kreutzer Sonata / Intimate Letters

Leoš Janáček

The Norwegian Chamber Orchestra; T. Tønnesen; T. Janson.

LAWO Classics
LWC1124

2017 / 3 CD


São dois quartetos de cordas muito especiais. Partem de fontes extra-musicais que gravitam em torno de histórias de amor e ciúme, entre a ficção e a realidade. Uma dualidade constante. É isso mesmo uma das características mais vincadas desta nova e surpreendente edição da LAWO Classics, que uma vez mais lança para o mercado um álbum muito bem conseguido, com um programa e que marca pela diferença, no bom sentido!
Leoš Janáček: The Kreutzer Sonata / Intimate Letters colige a gravação de versões inéditas dos quartetos nº 1 e nº 2 do compositor checo em arranjos para orquestra de cordas da autoria do violinista norueguês Terje Tønnesen, que é ao mesmo tempo o maestro e director artístico neste disco, à frente da Orquestra de Câmara da Noruega.
O primeiro quarteto inspira-se no romance homónimo de Liev Tolstói - The Kreutzer Sonata – escrito em 1889 e que assenta num enredo de ciúme em que um homem se encontra convencido que a interpretação da sua esposa (pianista) da famosa “Sonata Kreutzer” para violino e piano de L. v. Beethoven, revela uma relação amorosa com o violinista que acompanha. Neste quarteto, composto em 1923, Janáček (1854-1928) não segue de forma rigorosa o discurso do romance de Tolstói. O compositor apenas se inspira no enredo geral da obra e em algumas passagens específicas. Deste modo Tønnesen optou por realizar uma adaptação da história original de Tolstói de forma a poder criar uma narrativa eficaz entre a música e o texto - uma versão que é apresentada num CD específico, além da versão exclusivamente musical.
As Cartas Íntimas – Intimate Letters – são uma história de amor real. Para este quarteto, escrito no final da sua vida (1928), Janáček inspirou-se na sua própria história de amor por uma jovem que conheceu aos 63 anos, em 1917, numa estadia num spa de Moravian. Chama-se Kamila Stösslová e era uma jovem 38 mais nova que o compositor, com uma vida pacata com o seu marido. Esse amor que Janáček testemunhou ao longo de centenas e centenas de cartas repletas de sonhos e fantasias de uma vida amorosa com Stösslová, e que nunca viria a ser correspondido, está replicado em determinados momentos do segundo quarteto de cordas, de acordo com as ideias do próprio compositor.
A música de ambas as obras reflecte bem o ímpeto amoroso, o fogo da paixão, bem como o desalento e o desespero do ciúme e da solidão.
Os arranjos gravados pela orquestra norueguesa garantem um pendor cénico que reforça o carácter dramático iminente em ambas as obras. Desta feita, facilmente somos transportados para cada história quase como se de uma banda sonora requintada se tratasse. Como o próprio Terje Tønnesen salienta «o com conjunto da orquestra dá uma nova dimensão à música». A música assume, em parte, as rédeas da narrativa, do discurso, das personagens. Nesse sentido, não há dúvidas de que estamos perante música do melhor que se escreveu no leste europeu nas primeiras décadas do século passado.

A interpretação da Orquestra de Câmara da Noruega é exemplar, com uma força expressiva e uma paleta dinâmica soberbas, muito bem sustentadas por uma articulação brilhante de toda a orquestra, garantindo um excelente balanço entre o todo e as suas diferentes vozes em diferentes momentos de cada história, ou estória.
Apesar do programa se repartir entre estes dois quartetos, A Sonata de Kreutzer assume a categoria de personagem principal, sendo que além do CD com as gravações de cada um dos quartetos, juntam-se ainda outros dois, cada um com a narração da adaptação feita por Tønnesen a partir do original de Liev Tolstói (o primeiro em inglês e o segundo em norueguês), narrada pela voz de Teodor Janson, e com um interlúdio em que ouvimos o início da Sonata Kreutzer de Beethoven, seguindo-se o arranjo de Tønnesen do quarteto nº1 de Janáček, de forma a concertização essa dramatização entre música e texto numa obra artística única.
O projecto discográfico e o aparato editorial e iconográfico são igualmente muito bem conseguidos. Da mesma forma, a qualidade de som sempre muito bem conseguida nas edições da LAWO é um dado adquirido mas sempre muito bem-vindo.
As notas ao cargo do jornalista e crítico inglês Andrew Mellor são um excelente contributo.
Trata-se de uma edição imperdível, que ficará facilmente num leque de primeiras escolhas de qualquer apaixonado pela música do romantismo e pós-romantismo.

Fora do âmbito estrito desde CD, e a contrabalançar a primazia que The Kreutzer Sonata assume nesta edição, o público português poderá assistir nos próximos dias 6 e 7 de Outubro, na Casa da Música, à primeira audição das Cartas Íntimas na sua versão original para quarteto de cordas, com uma selecção de cartaz declamadas em português, em duas récitas que serão interpretadas pelo actor António Durães e por um quarteto formado pelos violinistas Afonso Fesh e Ana Madalena Ribeiro, o violetista Trevor McTait e o violoncelista Filipe Quaresma. Portanto, num espaço de pouco tempo pode ter o melhor de dois mundos: a edição discográfica e o concerto. Aproveite!


+ info: http://www.lawo.no

 

Performance:

Qualidade Sonora / Recording:

Aparato Editorial / Artwork & Texts:

Tiago Manuel da Hora

Tiago Manuel da Hora

Produtor e Musicólogo, autor de várias publicações, rubricas e argumentos para espetáculos musicais. Com uma intensa actividade no ramo da produção discográfica, assinando edições nacionais e internacionais, tem sido também responsável pela criação, direcção artística e produção de diversos concertos e espetáculos. É investigador do INET-MD da Universidade Nova de Lisboa, onde dedica as suas atenções ao estudo da produção discográfica.

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