Joaquim Simões da Hora In Concert
Pedaços de história, fragmentos de memória...
Joaquim Simões da Hora In Concert
Lopez; Carreira; Rodrigues Coelho; Lacerna; Frescobaldi; Pachelbel; D. Conceição; Correa de Araúxo; F. Couperin; Du Mage; Simões da Hora
Portugaler
1019-2
2016 / CD
A edição discográfica intitulada “Joaquim Simões da Hora In Concert”, que se aborda nestas breves palavras, é dedicada a três concertos, do insigne artista Joaquim Simões da Hora (1941-1996), realizados nos órgãos históricos da Sé Patriarcal de Lisboa, a 9 de setembro de 1974, da Sé Catedral de Évora, a 11 de novembro de 1994, e da Igreja de São Vicente de Fora, a 23 de outubro de 1994. A recolha e a seleção foram realizadas a partir Arquivo RDP – Antena 2, no que respeita aos dois primeiros concertos, e do Espólio Hora, no que concerne ao último. As obras selecionadas ilustram géneros específicos da produção musical ibérica, como o tento e a batalha, e géneros da tradição organística europeia, como a fantasia e a toccata. A edição é da Portugaler e a direção artística de Tiago Manuel da Hora.
Os cerca de vinte anos que separam a primeira destas gravações do organista das restantes foram preenchidos por uma intensa atividade artística, período em que desenvolveu igualmente um importante papel quer como pedagogo, responsável pela formação de uma nova geração de organistas, quer como divulgador do património musical antigo português e internacional. Destacam-se, neste último domínio, a sua participação nas Semanas de Música Antiga Ibérica e nas Semanas Internacionais de Música Antiga, juntamente com músicos como Jordi Savall e Ton Koopman, e em diversos festivais de órgão na Europa e EUA. Os seus vários álbuns, pertencentes a diferentes etiquetas, testemunham a sua qualidade enquanto intérprete de música antiga para órgão.
Os registos selecionados do concerto na Sé de Lisboa contemplam um programa exclusivamente ibérico, assente no repertório quinhentista e seiscentista, onde figuram os portugueses António Carreira e Manuel Rodrigues Coelho e o espanhol Miguel Lopez, cujos Versillos de 1er tono abrem esta edição discográfica. A interpretação dos Versillos ilustra a capacidade de Joaquim Simões da Hora em explorar diferentes coloridos tímbricos proporcionados pelo instrumento, e uma sensibilidade apurada na escolha dos registos. Por outro lado, merece destaque o grande controlo da textura contrapontística e a clareza no tratamento de cada uma das vozes, que fluem numa construção frásica perfeita. Aspetos que encontramos igualmente nas outras obras contidas no disco. Já no último registo do concerto na Sé de Lisboa, a Canción para la corneta com el eco, o intérprete capta toda a graciosidade de uma dança que a “canção” sugere.
O repertório apresentado na Sé de Évora e em São Vicente de Fora desenha programas mais ecléticos, ainda que sensivelmente do mesmo período histórico, pela abordagem de diferentes estilos e de compositores pertencentes a outros quadrantes geográficos, como Frescobaldi e Pachelbel, dois dos principais representantes da música erudita para órgão da tradição italiana e alemã, respetivamente. As obras gravadas – Toccata per l’elevazione e a Fantasia em sol menor – são de acordo com Tiago Manuel da Hora, responsável pelas notas que acompanham a gravação, duas das «obras que mais cultivou fora da esfera da música ibérica». Nas Quatro peças para clarins, com o seu carácter de fanfarra, o intérprete evidencia uma sonoridade cheia e de grande riqueza tímbrica. Por sua vez, na Toccata per l’elevazione, o momento mais introspetivo do disco, de grande lirismo e intensidade emocional, o organista mostra uma capacidade extraordinária no controlo e definição dos campos harmónicos e do intenso cromatismo, aspeto a relevar também na Fantasia de Pachelbel, uma obra de grande densidade sonora e textural.
No primeiro registo do concerto na Igreja de São Vicente de Fora, a Batalha do 5º tom de Diogo da Conceição, Joaquim Simões da Hora capta toda a dimensão dramática da composição e o seu carácter eminente descritivo a partir da definição de claros contrastes de carácter e de articulação entre secções, para o qual contribui o emprego dos chamados “tubos em chamada”, característicos do órgão ibérico. No repertório francês gravado, que inclui compositores como Pierre du Mage (1674-1751) e François Couperin (1668-1733), é de destacar a ornamentação rica e elaborada. Dialogue sur les grands jeux, de Couperin, fecha o programa de forma grandiosa e triunfal e também o Ciclo de Órgão de Lisboa’94 – Capital Europeia da Cultura, do qual Joaquim Simões da Hora foi diretor artístico.
Os concertos de 1994, na Sé de Évora e em São Vicente de Fora, permitem ainda escutar a faceta de improvisador de Joaquim Simões da Hora, um aspeto particular da sua atividade concertística, que denota «um grande conhecimento do corpus teórico, histórico e técnico» aliado a um domínio absoluto do instrumento e a uma grande capacidade criativa, improvisatória e virtuosística. Este aspeto é particularmente evidente na segunda das improvisações que constam no disco, pela evocação de um baixo tipo folia, em torno do qual o organista efetua variações. Nas palavras de Joaquim Simões da Hora: «o intérprete de música antiga tem de ser espontâneo e traduzir a música que lhe foi legada (…)», mas teria também de «saber improvisar como qualquer músico da época fazia».
O fraseado claro, a expressividade eloquente, a destreza técnica, o controlo rítmico, a consistência interpretativa, assente num rigor estilístico, e, sobretudo, a capacidade de captar diferentes cores e matizes ao longo da execução são marcas distintivas destes registos fonográficos. A leitura das obras obedece a uma interpretação historicamente fundamentada e assenta num profundo conhecimento musicológico.
Este disco é uma iniciativa de grande mérito, pois a sua pertinência editorial não se fundamenta apenas na divulgação de um património musical português e internacional por um organista de excelência, cujo nome deve ser perpetuado e o seu legado valorizado. Passa ainda pela imortalização e o reviver de momentos únicos proporcionados pela experiência do concerto, de um voo sem rede que dá asas à criatividade do seu intérprete. A música brota diretamente da alma do artista que desta forma cria uma maior empatia e estreita laços com o auditor.
O CD teve o seu lançamento no passado dia 9 de dezembro de 2016 no Foyer do Conservatório Nacional, contando com as intervenções de António Duarte, Tiago Manuel da Hora e Jorge Simões da Hora. A ocasião serviu também para assinalar os 75 anos de nascimento e os 20 anos da morte de Joaquim Simões da Hora. Com o mesmo propósito realizar-se-á no próximo dia 14 de janeiro, às 18 horas, uma sessão de homenagem ao organista, no Orfeão da Madalena em Vila Nova de Gaia.
Disponível na loja da Companhia Nacional de Música (Chiado), FNAC e artway.tictail.com
Performance:
Qualidade Sonora / Recording:
Aparato Editorial / Artwork & Texts:
Ricardo Vilares
Ricardo Vilares é licenciado em História e Teoria da Música, pela Universidade de Évora, e mestre em musicologia, pela Universidade de Aveiro, com a dissertação intitulada “Um sagrado enlevo: Moreira de Sá e o culto da música de câmara no Porto”.
Foi professor assistente convidado no Instituto Piaget Nordeste e na Universidade do Minho. Presentemente, é docente de História da Cultura e das Artes – História da Música no Conservatório de Música do Porto. Tem, igualmente, desenvolvido uma atividade enquanto redator de notas de programas e comentador de recitais e concertos, entre os quais se destaca “Um recital e uma obra de arte”, promovido pelo CMSM e Câmara Municipal do Porto.