Dixit Dominus: Vivaldi, Mozart, Handel
Entre a mestria e a pura inspiração
Dixit Dominus
Vivaldi, Mozart, Handel
M. Mathéu, H. Bayodi-Hirt, A. Roth Costanzo, M. Sakurada, F. Zanasi; La Capella Reial de Catalunya; Le Concert des Nations; Jordi Savall
Alia Vox
AVSA9918
2016 / CD
Aproxima-se o Natal e não falha a torrente de novas edições lançadas no mercado, como manda a tradição. Pelo meio de “packs”, “CD-Boxes”, edições de coleccionador e tantas outras tipologias, torna-se difícil fazer escolhas. Até porque por essa ainda considerável oferta discográfica encontramos sempre edições dirigidas por Jordi Savall, no catálogo interminável da Alia Vox, que nos deixam sempre surpreendidos e rendidos à qualidade dos projectos a que se dedica.
A recente edição em CD Dixit Dominus reúne três referências de entre a criação musical em torno desse texto do Salmo 110 da liturgia católica (tradicionalmente atribuído ao Rei David): o Dixit Dominus RV 595, composto em 1717 por Antonio Vivaldi (1678-1741); o Dixit et Magnificat, KV 193, de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791); o Dixit Dominus, HMV 232, de Georg Friedrich Handel (1685-1759). Estamos perante um dos salmos mais difundidos no seio da igreja católica - desde a Idade Média marcou presença sistemática como “ex-libris” do início das Vésperas do Ofício Divino de domingo – potenciando criações musicais deslumbrantes ao longo dos séculos. Nesse alargado rol de grandes composições, as escolhas de Jordi Savall para este disco assentam sobre representantes monumentais do Dixit Dominus.
A interpretação sempre sólida, rigorosa e delicada a que nos acostumaram La Capella Reial de Catalunya e Le Concert des Nations assumem neste disco um papel fundamental, sobretudo se considerarmos o facto de estarmos perante uma gravação em concerto. Na verdade, estes dois agrupamentos liderados por Jordi Savall criam um pano de fundo que suprime algumas lacunas que podemos sentir por parte dos solistas, nomeadamente no Dixit Dominus de Vivaldi – vicissitudes de uma gravação em concerto, talvez, mas que pesam quando se trata de intérpretes deste nível. Esta fugaz fragilidade que, por vezes, podemos denotar na obra de il Petre Rosso (alcunha de Vivaldi) é colmatada na interpretação do Dixit et Magnificat (1774) de W. A. Mozart e, a um nível manifestamente superior, no Dixit Dominus de Handel (a mais antiga das três composições, de 1707) que surge aqui, do meu ponto de vista, numa prestação fabulosa, em que todos os intervenientes estão em plena força, com uma fluidez assinalável, conferindo a esta interpretação um carácter de excelência que, reforçado pelo momento em concerto, se configura como um verdadeiro espaço de inspiração. É aqui que Marta Mathéu, Hanna Bayodi-Hirt, Anthony Roth Costanzo, Makoto Sakurada e Fariu Zanasi dão o melhor de si neste disco – o coro “Dominus a dextris tuis” é um exemplo capital disso mesmo, com os cinco solistas em perfeita simbiose. E, reiterando os predicados já anteriormente mencionados, há que salientar a solidez imaculada de La Capella Reial de Catalunya – que contou com a participação de membros finalistas da 6ª Academia de Formação Profissional de Investigação e de Interpretação, promovida pela Fundació Centre Internacional de Música Antiga, desde 2010 - e Le Concert des Nations que são, sem sombra de dúvida, referências incontornáveis da interpretação de música antiga das últimas décadas, sempre carimbada pela criatividade e naturalidade da abordagem interpretativa de Jordi Savall.
A qualidade de som está, como sempre, assegurada. No entanto, não será de mais destacar que, ao contrário dos dois discos anteriores de J. Savall (ambos também gravados em concerto, apresentados na primeira crónica desta secção - http://xmusic.pt/opiniao/ramon-llull-1232-1316-granada-1013-1502), estamos aqui perante uma estética sonora muito mais natural e cristalina, sem a opacidade que denotamos, por exemplo, no álbum Ramon Llull (1232-1316): Temps de conquestes, de diàleg i desconhort. Este facto, além de garantir uma mais límpida escuta das partes vocais, solísticas e corais, permite uma fidelidade assinalável da orquestra, o que nem sempre é uma tarefa fácil numa captação em concerto – a 1 de Junho de 2015, no Auditório de Barcelona.
Estamos, uma vez mais, perante um contributo assinalável, resultante do trabalho rigoroso e singular com que Jordi Savall tem brindado os ouvintes de música erudita, em especial de música antiga, ao longo das últimas décadas. Um álbum altamente recomendável!
+ info: https://www.alia-vox.com
Performance:
Qualidade Sonora / Recording:
Aparato Editorial / Artwork & Texts:
Tiago Manuel da Hora
Produtor e Musicólogo, autor de várias publicações, rubricas e argumentos para espetáculos musicais. Com uma intensa actividade no ramo da produção discográfica, assinando edições nacionais e internacionais, tem sido também responsável pela criação, direcção artística e produção de diversos concertos e espetáculos. É investigador do INET-MD da Universidade Nova de Lisboa, onde dedica as suas atenções ao estudo da produção discográfica.