Sérgio Garcia em entrevista ao XpressingMusic
Natural de Vila Nova de Gaia, Sérgio Garcia responde hoje às questões do XpressingMusic.
Este pianista formou-se na ESMAE – Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto –, onde obteve o Prémio Helena Sá e Costa em 2006, tendo complementado a sua formação em Berlim e em Barcelona. Atualmente desempenha funções de professor de piano e pianista acompanhador na Academia de Música e na Escola Profissional de Música de Espinho.
XpressingMusic (XM) – Sérgio Garcia, podemos dizer que a sua história enquanto pianista teve início na Academia de Vilar do Paraíso (Gaia)?
Sérgio Garcia (S.G.) – Sim, podemos dizer que teve. Já tinha tido algumas aulas particulares de piano, mas foi na Academia de Vilar do Paraíso que, ao longo dos oito anos em que lá estudei, tive um contacto com a música bastante intenso, o que me fez concluir que era essa a área a que queria dedicar-me profissionalmente.
XM – Quando chegou a altura de escolher um curso superior, a ESMAE – Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo – foi a primeira opção?
S.G. – Foi a primeira, e de facto a única, na altura. Aliás, por me ter candidatado unicamente à ESMAE, fiquei mais um ano à espera de ser admitido, já que no primeiro ano em que concorri havia muito poucas vagas.
XM – A professora Bárbara Dória teve muita influência naquilo que o Sérgio Garcia é hoje como pianista?
S.G. – Considero que todos os professores com quem trabalhei, por períodos maiores ou apenas em master classes, por exemplo, tiveram influência na forma como toco, ouço ou penso a música. A pianista Bárbara Dória foi a minha primeira professora na ESMAE, isto é, quando os meus estudos adquiriam um carácter mais sério, quando já tinha decidido o que iria ser o meu futuro. Estudei com ela durante dois anos, e considero que foi um período muito relevante no meu desenvolvimento, com certeza um dos períodos em que evoluí mais. Foi uma pessoa que sempre me encorajou e motivou bastante, fez-me sempre sentir que estava muito empenhada no processo de ensino e no meu desenvolvimento. Estou-lhe muito grato pelos conhecimentos que me transmitiu e pela sua dedicação pessoal.
XM – Posteriormente estudou com o professor Miguel Borges Coelho... Outra grande influência para si?
S.G. – Sim, provavelmente a maior influência que tive ao longo da minha formação enquanto músico. Foi com quem estudei por um período mais longo, com algumas interrupções. Comecei a estudar com ele no ano em que concluí o Bacharelato, entretanto fui para Berlim, e quando voltei terminei a Licenciatura. Entretanto estudei em Barcelona e quando regressei, voltei a ser seu aluno no curso de Mestrado. E se hoje por acaso voltasse a estudar, não hesitaria em escolhê-lo como meu professor, continuaria a ter muito a aprender com ele.
XM – Ao longo do seu percurso académico viu por várias vezes o seu empenho e dedicação serem reconhecidos e recompensados.
Foi importante ver o seu esforço reconhecido no final da Licenciatura com a atribuição do Prémio Helena Sá e Costa e consequente possibilidade de tocar a solo com a Orquestra da Esmae?
S.G. – Sim, foi um grande privilégio integrar a orquestra como solista, especialmente por ser constituída quase totalmente por músicos que tinham sido meus colegas ao longo do curso. Cheguei ao primeiro ensaio bastante nervoso, mas rapidamente senti um forte apoio por parte de todos eles, o que me ajudou a conseguir disfrutar da experiência.
XM – Ir para Berlim em 2004/2005 estudar com Laszlo Simon e Gabor Paska na Hochscule für Musik da Universitët der Kunste de Berlim foi certamente a oportunidade de contactar com novas abordagens e novas metodologias de estudo. O que sobressai de diferente quando chegamos a um país como a Alemanha para estudar música?
S.G. – Para alguém que se interessa pela música e pela cultura em geral, viver em Berlim é um sonho, já que acontecem concertos constantemente, e felizmente com preços especiais para estudantes. Assisti a muitos concertos que nunca vou esquecer. Quanto à experiência enquanto estudante, foi igualmente enriquecedora. Em Portugal temos já há algum tempo escolas com muito bom nível e com professores tão bons como em qualquer lado. A questão é que ao chegar a uma escola como a Universität der Kunst em Berlim, deparamos com instituição com uma tradição de quase 150 anos, por onde passaram grandes figuras da História de Música, e onde acorre um número infindável de estudantes de todo o mundo. Há uma grande variedade no tipo de músicos que se encontra e também uma concorrência que é, até certo ponto, saudável. Quando sentimos que o nível à nossa volta é muito alto, ganhamos mais força para querer estudar e evoluir.
XM – A possibilidade de trabalhar com o professor Vladislav Bronewetzky condicionou a sua decisão de ir para Barcelona realizar a pós-graduação na Escola Superior da Catalunha?
S.G. – Sim, a escolha do sítio foi um pouco condicionada pelo professor. Na altura estava bastante interessado pela escola pianística russa. Provavelmente um pouco influenciado pelo meu professor, o Miguel Borges Coelho, que tinha estudado com grandes nomes desta corrente, como Dimitri Bashkirov, Galina Eguiazarova e Vitaly Margulis - com os últimos dois cheguei a trabalhar em Master classes. O professor Bronevetzky tinha deixado o Conservatório de Moscovo e estava a dar aulas em Barcelona. Pareceu-me um bom destino, a escola tinha condições excecionais, a decisão foi fácil.
XM – Falando agora do seu mestrado… A música para piano de Arnold Schoenberg e Alexander Scriabin foram uma opção sugerida ou uma decisão pessoal?
SG – Um pouco de ambos. Foram dois compositores que incluí no meu recital de Licenciatura, que nunca tinha tocado. O Scriabin foi escolha minha, o Schoenberg foi o meu professor, e gostei bastante. Quando resolvi fazer o mestrado, tinha pensado em focar-me num dos dois, e na sua importância no abandono do sistema tonal. Como não consegui optar, decidi fazer um estudo comparativo entre os dois.
XM – A sua participação em Master classes com pianistas como Helena Sá e Costa, Pedro Burmester, Sequeira Costa, Luiz de Moura e Castro, Eldar Nebolsin, Claudio Martinez Mehner, Vitaly Margulis, Vladimir Viardo e Galina Eguiazarova mostram a sua preocupação com a formação pessoal enquanto músico. Estes nomes que passaram pela sua formação estão presentes nas suas interpretações? O Sérgio considera-se permeável às diferentes formas como estes grandes nomes sentem a música?
S.G. – Como referi atrás, todas as pessoas com quem convivemos musicalmente influenciam a forma como ouvimos. Fiz sempre por aproveitar cada vez que havia oportunidade de participar numa master classe, já que são oportunidades excelentes de conhecer grandes músicos e pedagogos. Com alguns deles trabalhei menos de duas horas, por exemplo, mas as ideias ficam sempre gravadas para posterior aplicação . Considero que no processo de formação de um músico, ao longo de toda a nossa vida vamos absorvendo tudo o que passa pelos nossos ouvidos, nomeadamente a forma como outros interpretam. Depois moldamos essas influências de acordo com a nossa personalidade e a nossa própria experiência.
XM – Pode partilhar com os nossos leitores alguns momentos que o tenham marcado enquanto solista ou membro de uma orquestra? Pode referir alguns dos maestros com quem já trabalhou?
S.G. – O concerto com a orquestra da Esmae foi muito importante para mim. Para além da relação que tinha com a orquestra, pela empatia que tive com o maestro, Yuri Nasushkin, com quem voltei a trabalhar posteriormente. É um músico fantástico, com uma experiência como pedagogo igualmente formidável. Este é daqueles que não se esquece. A solo, destaco um concerto que toquei em direto para a Antena 2, e portanto em moldes um pouco diferentes do habitual. Normalmente vemos o público, sabemos se está muita gente, sentimos as suas reações, ocasionamente até reconhecemos alguém - o que pode influenciar como tocamos. Ao tocar numa transmissão direta isso não existe. Não sabemos quantas pessoas estão a ouvir, que género de público, quem especificamente. Surpreendentemente, foi muito agradável a sensação, não tocar condicionado pelo tipo de audiência. Descobri que é muito mais fácil tocar para um público que não se conhece.
XM – Atualmente é professor de piano e pianista acompanhador na Academia de Música de Espinho e na Escola Profissional de Música de Espinho. Abraça com entusiasmo a carreira docente ou encara-a como uma necessidade tendo em conta que o mercado português é muito pequeno para que os seus instrumentistas possam apresentar com regularidade os seus reportórios?
S.G. – Quando decidi dedicar-me profissionalmente à música, uma das coisas que me entusiasmou foi o facto de passar o resto da vida a fazer uma coisa da qual gostava muito. Hoje sinto que tomei a decisão certa, uma vez que me sinto bastante realizado pessoal e profissionalmente. Apesar de ter alguns alunos de piano, dedico-me fundamentalmente às funções de pianista acompanhador na Escola Profissional. Devido ao nível dos alunos com que trabalho, tenho diariamente que tocar obras que fazem parte do repertório propriamente dito de concerto, o que me obriga a estudar constantemente. E considero que aprendo muito a tocar com os alunos, seja na sala de aula seja no palco. Para além de estar presente nas aulas de cada instrumento, nas quais também aproveito para aprender com os meus colegas. Quanto às aulas de piano que dou, apesar de em menor escala, são muito importantes. Quando ensinamos um instrumento a alguém, acabamos por reflectir em questões que são igualmente importantes para nós, quer sejam do domínio técnico ou interpretativo. Para além do mais é muito recompensante sentirmos que não estamos só a ensinar um instrumento, mas sim a formar pessoas através da música.
XM – Sérgio, muito obrigado por estes momentos que nos proporcionou e pelas preciosas dicas que deixa aos que agora iniciam os seus percursos de aprendizagem. Para terminar, gostaríamos de saber se tem projetos para apresentar em breve que possa partilhar connosco…
S.G. – Ainda não tenho pormenores definidos, estou neste momento a aprender novas obras - no pouco tempo livre que tenho - e irei com certeza ter alguns projetos no domínio da música de câmara, que é uma área que cada vez mais me interessa. Ultimamente tenho dedicado menos tempo às obras para piano solo, mas em contrapartida tenho alargado o meu repertório de música de câmara, e tenho tido mais oportunidades de me fazer concertos com outros músicos.
Brahms
Sonata nº 3 Op. 5 em Fá m - Allegro maestoso
Brahms
Sonata nº 3 Op. 5 em Fá m - Andante espressivo
Scriabin
Sonata nº 9 (excerto)
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