Entrevista com Virgílio Caseiro
Maestro e Pedagogo, conhecido pelas suas incisivas e assertivas intervenções, quer no meio académico, como no âmbito de aparições públicas onde sempre tentou mostrar o quão importante é a música para o ser humano, Virgílio Caseiro é hoje o nosso entrevistado.
Virgílio Caseiro foi Maestro do Coro de Professores de Coimbra no ano de 1981/82, da Orquestra de Câmara de Coimbra no início da década de 90, do Orfeon Académico de Coimbra no período de 1982 a 1996, do grupo coral masculino Schola Cantorum e da Orquestra da Associação de Antigos Tunos da Universidade de Coimbra, de 1999 a 2003, do Coro do Hospital Pediátrico de Coimbra e, mais recentemente, da Orquestra Clássica do Centro e do Coro dos Antigos Orfeonistas do OAC. Paralelamente coexistiu sempre o pedagogo que, no ensino superior, não se limitou a transmitir o saber académico advindo das teorias estudadas mas do saber empírico paralelamente adquirido em contextos reais junto de crianças que com ele aprenderam a amar a música.
Com o Curso Superior de Música (Canto) do Conservatório Nacional de Lisboa, a licenciatura em Ciências Musicais pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Nova de Lisboa e o mestrado em Ciências Musicais, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pode-se dizer que a tão falada figura do professor/investigador sempre esteve enraizada na vida do Maestro Virgílio Caseiro?
Ser professor sempre foi um conjunto embricado de coisas, onde o conhecimento específico é muito importante, mas onde o conhecimento global é indispensável, bem assim como a cultura geral e específica, o entusiasmo da procura, a definição aferida de projetos de intervenção.... e um sem fim de outras questões que têm que estar diariamente presentes na dinâmica relação Professor-Aluno, falemos nós de que escalão de ensino falemos! A pirâmide formada pelos quatro degraus de preocupações modificadoras comportamentais, cognitivas, afetivas e motoras, sequenciada desde as simples preocupações de Ensinar, passando pelo Instruir, pelo Formar e finalmente pelo Educar, tem que estar diariamente em cima da secretaria escolar dos nossos objetivos. Por fim, a atualização científica tem que ser constante para que não corramos o risco de inverter os dados do binómio, ou seja, com os atuais meios de comunicação e a facilidade de acesso a eles, um professor incauto depressa passará a aluno cedendo o lugar aos seus alunos,... feitos professores!
Para além das formações referidas na questão anterior, fez ainda especialidades como Musicoterapia e Direção de Coro e Orquestra. Conseguiu rentabilizar todas estas formações ao longo da sua carreira?
Todos nós temos hoje a consciência que a sociedade elegeu como modelo preferencial de ação a Especialização. Assim acontece com os médicos, engenheiros e os mais díspares setores da intervenção científica. Razão para se entender que na música não poderá deixar de assim ser também. Contudo, a globalização pentassensorial do conhecimento é fundamental para o entendimento sectorizado mais profundo das áreas específicas que pretendamos dominar, desde que tenhamos a consciência que as áreas circundantes são áreas enriquecedoras da profundidade de investigação da nossa escolha e especialidade Daí o ter passeado por todas estas formações complementares, não na esperança de em todas ser capaz e superlativo, mas de todas me valendo para otimizar o conhecimento musical que queria e quero disponibilizar para as crianças desta sociedade em constante modificação. Colateralizando a afirmação de Abel Salazar sobre os médicos, diria em relação aos músicos: O músico que apenas saiba música, será toda a vida um triste músico!!!
Pela sua vida passaram nomes como Mário Sousa Santos, Fernanda Rovira, Mário Mateus, Fernanda Correia, Joana Silva, Rudolph Knohl, João de Freitas Branco, Constança Capdeville, Rui Vieira Nery, Gerard Doderer, Christopher Bochmann, Fernando Eldoro, Pierre von Hawe, Jos Wuytack e Murray Schaefer. Pode-se dizer que estes nomes contribuíram para a imagem que autoconstruiu de si ao longo dos tempos enquanto pedagogo e enquanto músico?
Claro que sim. Como um qualquer bom chefe de cozinha, o meu possível mérito quedou-se por ter sido capaz de os ter lido e escutado a todos, ter retido as receitas que achei mais “apaladadas” e depois ter vindo para a minha cozinha e ter, talvez, conseguido apurar o sabor ao gosto das nossas crianças portuguesas! Tirando uma ideia de um, outra ideia de outro, fui construindo uma metodologia genérica que aferi à nossa realidade e que passei a implementar para mim e com muito agrado a ver implementada por muitos daqueles que foram meus alunos.
Considera ter adquirido ao longo da sua vida um estatuto que lhe permitisse reivindicar melhores condições para a educação musical em Portugal?
Com tudo o que já passei no ensino, com todas as guerras pedagógicas, didáticas e metodológicas que levei por diante, e agora com a provecta idade que já tenho... sinto-me mais que autorizado a poder reivindicar tudo aquilo em que convictamente acredito. E a música é uma delas. Está hoje provado o valor da Música como elemento ativo para a modificação educativa de todas as crianças. Duas crianças à partida capacitivamente iguais, se diferentemente intervencionadas, daí resultarão dois adultos completamente diferentes. Nesta guerra que é importante ganharmos, a música tem um papel funcionalizante único.
O que considera ter falhado no trabalho desenvolvido pelos professores de Educação Musical em Portugal desde 1974 até aos dias de hoje para que esta seja uma das disciplinas mais fáceis de “atacar” quando se fala em reduzir horas em prol das chamadas disciplinas estruturantes?
O que mais faltou... foram professores capazes e conscientes do valor e da indispensabilidade da disciplina que ensinam! E também professores que tanto soubessem que se pudessem tornar acessíveis ao diálogo com as crianças!!!!
Já se imaginou alguma vez como governante?
Não! Acho-me integro de mais para o poder ser alguma vez!!!
Imagine que era convidado para integrar o Ministério da Educação enquanto Ministro ou Secretário de Estado… Quais as suas prioridades tendo em conta a postura reflexiva que tem mantido ao longo da sua vida?
Talvez tentasse implementar um princípio com muita coerência e sem concessões (e lutaria por ele até ser demitido!!!): Os homens não valem pelas capacidades que têm mas sim pelas funções que são capazes de assumir e ter. São as funções que são avaliadas e julgadas e nunca as capacidades! Por isso, a única forma de ter uma política coerente para uma sociedade melhor, feita por homens em modificação, só poderia passar pela escolha avaliada de professores competentes, pela implementação de programas de intenso débito científico, e pela preocupação, diariamente reforçada, de fazer entender às bases que uma criança no seu processo de maturação ontológica, tem que ser corretamente apoiada de forma a que todas as suas capacidades alojadas, sejam, pelo sistema educativo, transformadas em funções. Quanto mais isto aconteça, mais íntegro será o Homem na sua inserção social e humana.
O Maestro Virgílio Caseiro foi já condecorado com a Ordem de Santiago de Espada, pelo Exmo. Sr. Presidente da República. Este facto é, só por si, demonstrador da notoriedade e reconhecimento que alcançou com o trabalho desenvolvido ao longo da sua vida. Pensa que pode utilizar essa notoriedade para ajudar aqueles que decidem nos mais variados planos regionais e nacionais a (re)construir uma imagem nova de Educação Musical para o Século XXI? O que urge mudar?
Por ter recebido, de facto, todas essas medalhas e condecorações, obriga-me a humildemente ficar no lugar onde estou, com a consciência que as tive! Se aqueles que sabem que as recebi e reconhecerem nelas a objetivação de algum mérito,... que me procurem, pois estou graciosamente disponível para poder ceder aos mais novos, toda a “fortuna” que ao longo destes já compridos anos fui amealhando!
O XpressingMusic agradece a honra que nos deu em aceder ao nosso pedido agora materializado nesta entrevista. Pode deixar-nos como mensagem final, um prognóstico relativo ao que pensa, ou deseja ver acontecer com o ensino da música em Portugal desde o ensino básico, ao ensino especializado e mesmo superior?
Se até no futebol os prognósticos só estão disponíveis no fim do jogo!... acha que na música poderia ser diferente, neste país cinzento e financeiramente confundido?!?!?!?!...
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