Quinteto Nuova Camerata: O universo da composição em tempo real

Carlos “Zíngaro” no violino, João Camões na viola, Ulrich Mitzlaff no violoncelo, Miguel Leiria Pereira no contrabaixo e Pedro Carneiro na marimba formam o Quinteto Nuova Camerata. Cada um deles deixou nesta entrevista a sua opinião relativamente ao projeto que abraçam no âmbito da improvisação musical. “Chant” é o nome do seu álbum e agora venham os concertos para o apresentar ao vivo. Compor em tempo real é o desafio que se lhes tem colocado pela frente. Cada um dos músicos está envolvido em outros diversos projetos como facilmente se aperceberão ao longo da entrevista. Nem sempre as opiniões são unânimes, mas há um fio condutor comum aos cinco elementos do Nuova Camerata: O gosto pela criação musical e, sempre que possível, no momento da própria interpretação.
O Quinteto Nuova Camerata lançou recentemente o CD “Chant”. Como caracterizam este trabalho discográfico?
Ulrich Mitzlaff (UM) – O projeto “Nuova Camerata” é um projeto que orienta a sua ação coletiva por predefinições não estabelecidas, apresentando uma música com fortes referências nas linguagens e espaços da “improvisação livre” europeia assim como da música contemporânea erudita. Estas “composições / estruturas” espontâneas vivem de momentos e espaços numa constante interação instrumental e sonora. O fundamento essencial deste processo criativo encontra-se na escuta profunda de cada um dos músicos participantes nesses encontros de livre arte sonora.
Quando nasceu este projeto? Como foi que tudo começou?
Carlos “Zíngaro” (CZ) – Este projeto nasceu de uma ideia minha para um novo quarteto de cordas com mais um elemento distinto – neste caso, o Pedro Carneiro. Foi apresentado pela primeira vez num concerto organizado pela Granular Associação na Ler Devagar, em 2011, sendo a sua segunda e última apresentação pública no Festival da Gulbenkian – Jazz Em Agosto em 2012.
Podem apresentar-nos cada um dos elementos explicando os percursos profissionais de cada um?
CZ – Sou violinista, compositor e artista visual, com uma carreira nacional e internacional iniciada há mais de 40 anos. Fundei a Granular Associação em 2002, coletivo de artes experimentais, mais especificamente, “artes sonoras”.
Pedro Carneiro (PC) – Empreendedor, percussionista, chefe de orquestra, compositor e mais recentemente, improvisador. Cofundador da Orquestra de Câmara Portuguesa e Jovem Orquestra Portuguesa.
UM – Violoncelista, compositor e docente, com atividades em muitas e diversas áreas musicais, com colaborações com projetos de teatro, dança e filme e com apresentações em concertos em Portugal e Europa.
João Camões (JC) – Engenheiro civil e violetista com formação clássica, dedico-me à música experimental e improvisada há cerca de 8 anos.
Miguel Leiria Pereira (MLP) – Contrabaixista, com passagem por inúmeras experiências como músico de orquestra, interesse especial pelas possibilidades do contrabaixo como instrumento solista, influência especial: Gary Karr, com quem tive a possibilidade de estudar. Sou também professor na Escola de Música do Conservatório Nacional, tenho interesse pela improvisação musical, formas musicais de proposta criativa e autêntica no verdadeiro sentido das duas palavras. Tenho fascínio pela exploração, manipulação e registo do som quer do ponto de vista puramente acústico quer recorrendo a processamento. Paixão pela cultura e músicas do Japão e China.
Quais são as vossas principais referências musicais?
PC – Tantas, seria difícil enumerar, mas seguramente toda a música transgressora, de Beethoven a Harry Partch.
UM – Referências podem ser encontradas muitas. Como a nossa música é criada em tempo real é um reflexo espontâneo relacionado com tudo o que está à nossa volta. Em termos de criação sonora, a nossa música estende-se nas dinâmicas e linguagens musicais entre afirmações non-idiomáticas e expressões idiomáticas reconhecíveis.
JC – Gosto da ideia da “música transgressora” do Pedro, pelo que vou aproveitar estar a responder depois dele para copiá-lo...
CZ – Da clássica ao jazz/blues. Da étnica ao experimentalismo. De Bach a Cage... Tentando sempre uma coerência e consequência em todo o conjunto destas influências.
MLP – Sinto uma grande dificuldade em traçar uma linha que divida a música que vou ouvindo de um ponto de vista lúdico, ou ligada à que posso fazer com o meu instrumento, mas objetivando um pouco, em relação ao meu instrumento voltava a referir Gary Karr nos seus mais de 50 álbuns a solo sendo para mim o contrabaixista clássico dos últimos 50 anos. Depois quase tudo me fascina quando é feito com verdade. Para mencionar alguns géneros que me têm influenciado ao longo dos anos talvez a música erudita de vários períodos com enfoque no romantismo, o séc. XX erudito, o experimentalismo e conceptualismo musicais, songwriters dos anos 60, 70 etc. e a música do Japão e China de todos os períodos numa seleção muito minha.
Todos os músicos do projeto são adeptos da “improvisação livre”? O que vos fascina tanto no mundo da improvisação musical?
PC – A possibilidade de compor em tempo real, assim como a profunda concentração, o controle e a sensibilidade para respeitar o universo de cada criador, ao mesmo tempo criando fricções, lançando propostas e desafios.
UM – A livre improvisação permite sentir uma autenticidade na criação de sons que só são possíveis tocando-os no momento de invenção e realização. É o fascínio pelas infindas possibilidades em vários e diferentes contextos, colaborações e constelações.
JC – A anarquia musical, traduzindo-se no maior respeito pelos companheiros e pelo momento. Agrada-me a plasticidade musical, a possibilidade de saltitar entre a selvajaria e a finesse.
CZ – Não gosto particularmente da designação de “improvisação livre”... Pressupõe-se que toda a improvisação deverá ter a “liberdade” fundamental para ser “improvisação total”... De facto, haverá tipologias mais idiomáticas em alguma improvisação, que obedecem a parâmetros pré-definidos, mas os “nossos” improvisos referem essencialmente o momento, irrepetível em todas as nossas referências técnicas e estilísticas, na escuta atenta do(s) outro(s), na relação “composicional” de todos os elementos.
MLP – Depois de ver as respostas dos meus parceiros na Nuova Camerata, pouco tenho mais a acrescentar, talvez reforçar a já referida ideia de Anarquismo, para mim na linha de Proudhon que me é tão especial, sendo o termo Anarquismo tão mal-entendido nos dias de hoje. Na vertente que admiro, pressupõe um grande nível de consciência, respeito pelo próximo, partilha e mutualismo em comunidade, no qual não é necessário um poder centralizado para estabelecer a ordem pois esta pode partir de cada um de nós, de forma verdadeira e voluntária. Acho que a improvisação musical pode ser tudo isto traduzido em música.
Onde poderão os nossos leitores encontrar e adquirir o vosso CD “Chant”?
PC – Através do site (CD) ou compra online do álbum digital.
JC – Pois, a tradicional de venda de discos em lojas físicas está a desaparecer...
CZ – Em derradeira possibilidade, através de contacto direto com cada um dos membros da “Nuova Camerata”, ou nos nossos concertos...
Consideram que noutro país teriam uma maior aceitação por parte do público? Como têm sido recebidos pelo público?
PC – Acredito que sim. Há inclusivamente festivais dedicados a esta arte sonora.
UM – Sempre que tivemos a oportunidade de nos apresentarmos em concerto, as reações e as ressonâncias do público foram muito positivas. O público, às vezes, ficava surpreendido que uma música, como nós tocamos, existe realmente e não apenas na teoria... Penso que em outros países há mais possibilidades para conceitos e projetos musicais que são virados para novas ideias e aproximações nos processos de criação sonora. Em outros países há festivais regulares com o foco nas criações inovadoras e de novas abordagens, como por exemplo o festival “Donaueschinger Musiktage” na Alemanha ou, na Irlanda do Norte, o festival “Sonorities” em Belfast e vários outros festivais em mais países. Isso pode acontecer nesses países, porque por parte das instituições oficiais existe a convicção de que as artes inovadoras sonoras devem ser apoiadas com planos de financiamentos contínuos...
JC – Não creio que houvesse uma maior aceitação por parte do público num outro país (não considero o público português menos interessado). Acho que a diferença estará na quantidade de estruturas de apoio à produção artística (desde a criação até à sua promoção junto à sociedade).
CZ – Haverá uma coisa que se pode designar como “cultura geral”... Haverá mais em alguns países do que em Portugal. Poderão existir uma maior perceção e respeito pelas artes atuais, contemporâneas. O que determina um maior investimento em estruturas dedicadas e eventos. Fundamentalmente, penso que a situação que vivemos em Portugal (e não só...) será fruto de uma generalizada falta de curiosidade, de uma incapacidade de se ser surpreendido pelo que é diferente. Com a “crise”, as pessoas querem ser “entretidas” pelo imediato e fácil e, se possível nestas estéticas, grátis ou a preço de saldo...
MLP – Penso que o problema de aceitação de algo menos fácil ou fora dos clichés que grande parte do público precisa para conseguir fingir que gosta de algo, ou para estar associado a algum grupo na sociedade é um problema geral para qualquer arte que pretende ser autêntica. Com a agravante da dimensão do país, que acaba por funcionar proporcionalmente ao problema.
Muito obrigado por esta partilha com os nossos leitores. O Quinteto Nuova Camerata tem novos projetos para breve?
PC – Sem concertos no horizonte, quem sabe a gravação de um novo disco?!
UM – Por enquanto estamos à procura de possibilidades para apresentar o projeto Nuova Camerata em concertos...
CZ – Prenhes de projetos!!! Um dos aspetos que nos caracterizam, assim como outros artistas / músicos destas áreas, é a infindável e inabalável esperança... E, já agora, espírito de luta...
MLP – Pedro, Carlos, João e Uli, isso mesmo! Seja o que for que aconteça, estou aqui para outro CD com vocês se quiserem, com o que aprendi deste, o próximo vai fluir mais! Para além do enorme prazer e amizade. Seja o que for que aconteça, deixamos algo verdadeiro o que acho ser já bastante especial.
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