Marcelo dos Reis. A guitarra, a improvisação e os projetos.

Marcelo dos Reis

Marcelo dos Reis não se considera uma pessoa muito disciplinada no sentido de estudar x horas por dia, mas a sua vida é preenchida de música nas suas mais diversas vertentes. «Honestamente sou uma pessoa muito pouco disciplinada no que diz respeito à ideia do ter que estudar estas ou aquelas horas por dia, pois vivi um pouco isso há muitos anos atrás e hoje, no meu dia-a-dia, trabalho a tempo inteiro com música. Tenho uma editora, organizo concertos, coordeno uma academia de música onde também leciono guitarra, e isso faz com que estude diariamente muitas coisas, que não só jazz, rock ou improvisação. Muitas das vezes até prefiro afastar-me da música que crio, para poder pensar nela, e voltar com novas ideias, que não aquelas onde me sinto mais confortável e estabelecido».

Marcelo, muito obrigado por responder às nossas questões. Quando sentiu que a sua vida iria passar forçosamente por uma carreira musical?
Obrigado eu pela vossa atenção. Efetivamente senti que era o que realmente queria quando tinha 15 anos. Por essa altura tocava em bandas rock, e percebi claramente a diferença entre os meus objetivos e os dos meus colegas, e amigos, pois se pensar sobre isso agora, reparo que apenas mais 2 ou 3 colegas dessa altura seguiram uma profissão relaccionada com música.

A música improvisada foi sempre a principal paixão?
Não de uma forma transparente, mas na realidade quando era adolescente, as partes musicais com mais improvisação, de bandas e artistas como Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Pink Floyd, King Crimson, Sonic Youth, Can, Neil Young e outros, sempre foram as “malhas” que mais me faziam curtir e, obviamente, que falo sobre estes projetos quando tento encontrar o nascimento do meu gosto pela improvisação.

Quais os músicos que mais o influenciaram ao longo da sua aprendizagem?
Imensos... É fácil elaborar uma lista, mas ela seria de facto muito extensa, pois considero-me um curioso por novos sons e novos artistas, já para não falar que sou um consumidor voraz de cd’s e vinil.

Marcelo dos Reis, guitarraO facto de ter sido destacado como um dos mais relevantes guitarristas da atualidade pelo El Intruso funcionou como um estímulo para investir noutros projetos? O que significou para o Marcelo este reconhecimento?
É bom ter algum reconhecimento pelo trabalho, e dedicação que dou à música que crio, e é claro que me sinto extremamente grato por isso. O investimento em outros projetos ou ideias está sempre presente na minha forma de encarar a música que faço e que tento criar. Para mim é sempre essencial pensar no que está a acontecer no momento mas a realidade é que a nossa vida está no futuro, e aí temos sempre algo que fazer, algo que melhorar, e isso passa sempre por criar coisas diferentes, coisas que alterem a nossa rotina.

Como tem sido recebido o seu trabalho em países como França, Alemanha e Holanda? Há uma maior abertura destes países do que propriamente em Portugal para a música improvisada?
Acho que tem sido bem recebido, pelo menos é o que parece. Nesses países não diria que há uma maior abertura, mas sim uma cultura musical mais antiga, isto é, trata-se de uma questão histórica, pois pegando no exemplo francês, a educação musical e a protecção que o estado sempre deu aos seus músicos, deu resultados não só ao nível da qualidade e quantidade de músicos, mas também no potenciamento do público, ele é efetivamente mais predisposto para diferentes tipologias musicais, e não se prende por ser improvisação livre ou fado, é simplesmente o prazer de apreciar a arte, e no caso específico da improvisação, contemplar a música criada em tempo real. Mas julgo que esta tendência que sempre se imagina do estrangeiro está cada vez mais presente na nossa geração mais recente. Temos de ter a noção que nunca será uma música de massas, mas julgando pela educação musical cada vez mais presente nas diferentes regiões do país, o resultado será cada vez mais “global” e transversal nas gerações futuras, obviamente que depende sempre dos pedagogos e agentes culturais, mas pelo menos assim o espero.

O seu trabalho discográfico tem sido muito bem visto pela crítica. Há alguma dessas críticas que o tenha marcado mais pela positiva?
É bom receber elogios sobre o nosso trabalho, e é bom perceber que a nossa música ou arte é apreciada, senão tocávamos apenas para nós, mas é nos concertos que eu acho que está o maior foco da nossa energia e paixão, e pegando por aqui, julgo que o nosso país está longe do que os músicos em Portugal precisam, pois são necessários apoios do estado para desenvolver o nosso trabalho, tal como acontece noutros países. A nossa música chega longe, mas não é graças aos governos que temos tido, deve-se à energia e dedicação que os músicos e algumas editoras nacionais dão ao seu trabalho.

No dia 20 de outubro irá gravar um disco com a Eve Risser no Salão Brazil em Coimbra. Está entusiasmado com este trabalho a desenvolver com a pianista? Pode descrever um pouco o ambiente que será vivido nessa noite?
Obviamente que estou entusiasmado, pois foi imediatamente a minha escolha assim que o Jazz ao Centro Clube me convidou para pensar num projeto para gravar no âmbito do festival. A música terá com toda a certeza uma forte presença da improvisação livre, sendo que teremos o dia anterior para trabalhar e debater ideias dos conceitos que iremos desenvolver. Mas, uma coisa podemos garantir, o que será feito no momento, apenas poderá ser presenciado no Salão Brazil no dia 20 de outubro.

Como é o seu dia-a-dia? Disciplina-se no sentido de estudar “x” horas por dia obedecendo a um plano de trabalho rígido?
Honestamente sou uma pessoa muito pouco disciplinada no que diz respeito à ideia do ter que estudar estas ou aquelas horas por dia, pois vivi um pouco isso há muitos anos atrás, e hoje no meu dia-a-dia trabalho a tempo inteiro com música. Tenho uma editora, organizo concertos, coordeno uma academia de música onde também leciono guitarra, e isso faz com que estude diariamente muitas coisas, que não só jazz, rock ou improvisação. Muitas das vezes até prefiro afastar-me da música que crio, para poder pensar nela, e voltar com novas ideias, que não aquelas onde me sinto mais confortável e estabelecido.

Marcelo dos Reis, guitarraQuais os projetos musicais que já integrou até aos dias de hoje?
O meu primeiro projeto musical chamava-se StoneHead e foi criado em finais de 1999, e é brutal pensar sobre esses tempos, pois nessa altura nenhum dos membros tinha carta de condução, e tínhamos de arranjar sempre algum amigo mais velho para conduzir a carrinha para ir tocar nos mais diferentes sítios do país. É curioso que desde 2000 já fiz parte de dezenas de projetos diferentes, mas a energia e vontade de tocar continuam iguais desde o início.

Todos eles são projetos muito distintos uns dos outros?
Atualmente todos eles têm um foco na improvisação, mas também na composição, seja ela de cariz mais livre, experimental, contemporâneo, folk, rock, ou de influências do jazz. Eu gosto de pensar que simplesmente é a música que eu sinto que devo de criar, pois ela não deve, de todo, nada a ninguém, nem a nenhum estereótipo. Eu gosto de diversidade, gosto que existam pessoas a criar coisas diferentes, pois acho que é a diferença que faz com que o mundo da arte se mova, pois é ela que cria opiniões diversas, e eu acho que é muito rico viver num mundo onde podemos viver e experienciar a diversidade.

Qual a sua ligação ao “Jazz ao Centro”? Em que consiste a sua participação neste projeto?
Sou natural de Lisboa, e em 2008 fui viver para Coimbra, tornando-me associado do JACC, onde fui um dos vice-presidentes e desenvolvi trabalho de produção e criação de projetos da associação. O Jazz ao Centro foi um Boom para mim no conhecimento e envolvimento com músicos da área da improvisação, pois deu-me a possibilidade de tocar, e ganhar abertura para poder pensar como estruturar, e organizar a minha atividade enquanto músico. Desde 2008 toquei com dezenas de músicos provenientes de todo o mundo, e o meu envolvimento com o JACC foi o nascimento deste casamento com a música improvisada, que até agora é feliz. Desde finais de 2012, sou um simples associado da estrutura, mas sempre que posso, dou o meu contributo.

Muito obrigado por este tempo que dedicou aos nossos leitores. Quais os próximos concertos, para além daquele de que já falámos que irá acontecer em Coimbra no dia 20 de outubro?
Em 2017 estão no horizonte e planos, uma série de concertos que passarão pela Suiça, Itália, Holanda, Alemanha, Bélgica, Rússia e quem sabe mais onde. Nos dias 4 e 5 de novembro tocarei em Coimbra, e na SMUP na Parede em quarteto com o Constantin Herzog, Julius Gabriel e Tiago Vaz. E ainda este ano serão lançados mais dois discos, o dos “Staub Quartet” com o Carlos “Zíngaro”, Hernani Faustino, e Miguel Mira e “In Layers” com Onno Govaert, Luís Vicente, e Kristján Martinsson. Mais uma vez agradeço a vossa atenção.

Marcelo dos Reis. A guitarra, a improvisação e os projetos.

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