André Pires. Música, músicos e uma entrevista com o órgão no centro.

André Pires

André Pires deu-nos esta entrevista nas vésperas do seu concerto na Sé Velha, no âmbito do Ciclo de Concertos de Coimbra. Falou-nos do seu percurso académico e artístico e referiu que «(...) Portugal é um país privilegiado se virmos a questão do ponto de vista do tipo de órgãos que existem em mais abundância no nosso país. Existem imensos órgãos ibéricos em Portugal, alguns deles ainda por restaurar, mas muitos estão completamente funcionais. Este tipo de órgão, devido às suas características, limita o repertório que se poder tocar neles. Por exemplo, o facto de estes órgãos não possuírem pedaleira deixa logo uma enorme quantidade de obras musicais de parte. No entanto, vê-se a aparecerem cada vez mais órgãos sinfónicos de um tamanho realmente imponente, que não limitam o organista na altura de escolher repertório, pois são órgãos bastante versáteis».

Muito obrigado por nos conceder a possibilidade de sabermos um pouco mais sobre o seu trabalho e sobre o seu percurso. Iniciou a sua aprendizagem na Academia de Música de Vilar do Paraíso em Gaia. Considera que esta instituição foi fundamental para que crescesse em si o gosto pela música?
Antes de mais, agradeço imenso pela oportunidade de realizar uma entrevista para a XpressingMusic. A Academia de Música de Vilar do Paraíso foi a instituição que me introduziu à música formalmente. Através das pessoas que conheci e ensinamentos que lá me transmitiram, o meu gosto pela música foi crescendo. Devo este crescente interesse especialmente a professores como Abílio Ramos, Ângela Lopes, Gualdino Rosa, e claro, António Mota, entre outros professores e colegas com quem partilhei aquele espaço, que era bastante familiar e acolhedor.

O professor António Mota é um nome marcante neste percurso de aprendizagem?
Sem dúvida que a pessoa mais marcante até então foi António Mota. Teve um grande impacto na minha perceção musical, disciplina e método de estudo. Deu-me a conhecer grandes compositores da história da música, que ainda hoje os guardo com grande admiração, o órgão no geral e a musica para este instrumento duma maneira muito completa, assim como me levou a conhecer órgãos por vários pontos do país, o que contribuiu bastante para a minha adoração por este instrumento. Eu diria que foi graças a ele e a outros acontecimentos que decidi envergar por esta carreira.

André Pires, a tocar no órgão da igreja de Joane, no VI Concurso Regional de ÓrgãoQue idade tinha quando venceu o prémio de interpretação “Helena Sá e Costa”? Esta conquista foi importante para a sua projeção enquanto músico? O que significou naquela altura um prémio com este prestígio?
Quando venci este prémio tinha 15 anos. Foi a primeira vez que fui a um concurso de interpretação, e levou-me a trabalhar a música dum modo mais sério e profundo. Apesar de não ser um concurso com muito prestígio, pois era um concurso interno realizado pela Academia de Música de Vilar do Paraíso, permitiu-me tocar para um público enorme na festa de final de ano da AMVP, sendo uma experiência empolgante e boa para a autoestima. Este concurso fez também com que o meu pensamento se conduzisse para a hipótese de ser músico de profissão, assumindo, a partir deste momento, o estudo da música muito mais seriamente.

Houve um período em que trabalhou com Giampaolo Di Rosa. Como surgiu esta oportunidade?
A oportunidade de ter aulas com o Prof. Giampaolo Di Rosa surgiu quando ele foi jurado do meu exame de 8º grau. Ao ouvir-me tocar gostou de mim, e aconselhou-me a ter aulas com ele enquanto aguardava pela entrada na faculdade (pois eu terminei o 8º grau um ano mais cedo do que seria suposto). Foi um privilégio poder estar com ele, fantástico como músico e pessoa.

Ainda fez uma passagem pelo estudo da Matemática mas a música soou mais forte...
A Matemática foi e continua a ser (ainda que um bocado adormecida) uma grande paixão minha. Na altura em que entrei no curso era suposto ter entrado em música, mas por motivos de força maior decidi estar um ano em Matemática e só no ano seguinte é que a música começou a soar em todas as suas forças. Talvez mais tarde na vida volte para acabar o curso de Matemática...

Na Universidade de Aveiro estudou Órgão sob a orientação dos professores Edite Rocha e António Mota. Foi uma boa experiência ter reencontrado o professor António Mota? Foi a primeira vez que trabalhou com a professora Edite Rocha?
Foi a primeira vez que estudei com a professora Edite Rocha, e gostei muito dela, tanto por ser muito diferente dos anteriores professores, como por ser uma pessoa muito boa, e com muitos e bons ensinamentos musicais a transmitir. Lembro-me de trabalhar pormenores estilísticos, principalmente de música barroca e música antiga, como nunca antes trabalhei.
O regresso do professor António Mota foi interessante. Eu, entretanto, evoluí bastante como músico. Formei certas opiniões e modos de ver a música que nem sempre estão em sintonia com o pensamento do professor e, no entanto, mantivemos uma relação bastante boa. É uma pessoa com um conhecimento enorme, tem sempre algo novo para me mostrar, e por isso acho que será um professor e amigo que tentarei manter para a vida.

No entanto ao longo do seu percurso formativo trabalhou ainda com nomes como Peter van Dijk, Bernhard Haas, Martin Bambauer, Yoon-Mi Lim e Johann Vexo. O que absorveu de cada um deles? Cada um tem características muito distintas?
Com Peter van Dijk tive uma grande lição de interpretação historicamente informada. Ensinou-me a trabalhar a música barroca com muito detalhe, dando significado a cada elemento musical, desde o mais pequeno, até à forma geral duma obra. Bernhard Haas e Martin Bambauer conheci num concurso no Luxemburgo, trabalhei com ambos no mesmo órgão, sendo que o primeiro trabalhou aspetos ligados à relação entre a articulação e resultado sonoro no espaço em questão enquanto que o segundo falou de detalhes interpretativos relacionados com a música romântica e moderna francesa. Yoon-Mi Lim foi uma senhora que me deu dicas bastante importantes relacionadas com técnica e postura. Com Johann Vexo, um grande organista francês, abordamos a música francesa. Foi uma abordagem surpreendentemente simplista, e não de complicar demasiado as coisas, ao contrário daquilo que eu por vezes penso. Pessoas muito diferentes na maneira de ver a música, e todos eles importantes para enriquecer o meu parecer musical sobre as obras que trabalho hoje em dia.

André Pires, a tocar no órgão Eule da Konstantin Basílika em Trier na Alemanha, tendo masterclass com o Prof. Martin BambauerTem participado em concursos de grande prestígio. Recorda alguns com particular admiração?
Posso dizer que o concurso internacional de Dudelange no Luxemburgo marcou-me especialmente. Embora não tivesse tido sucesso na competição, fiz amizades muito enriquecedoras com pessoas de lá e com colegas organistas de todo o mundo, diverti-me imenso num país fantástico, tive duas masterclasses. Acho que isto tudo vale mais que um prémio.

Quais os principais locais em que se tem apresentado?
Embora as apresentações não sejam muito frequentes, já passei pelas cidades do Porto, Aveiro, Braga (ainda no dia 7 de maio realizei um concerto com o coro Vox Aetherea), estarei em Coimbra pela primeira vez a tocar, já passei também por Leiria e Guimarães.

Tocar órgão é algo que limita as apresentações pois só pode atuar em locais que possuam este imponente instrumento musical. Portugal é um país privilegiado neste aspeto?
Tem toda a razão, e Portugal é um país privilegiado se virmos a questão do ponto de vista do tipo de órgãos que existem em mais abundância no nosso país. Existem imensos órgãos ibéricos em Portugal, alguns deles ainda por restaurar, mas muitos estão completamente funcionais. Este tipo de órgão, devido às suas características, limita o repertório que se poder tocar neles. Por exemplo, o facto de estes órgãos não possuírem pedaleira deixa logo uma enorme quantidade de obras musicais de parte. No entanto, vê-se a aparecerem cada vez mais órgãos sinfónicos de um tamanho realmente imponente, que não limitam o organista na altura de escolher repertório, pois são órgãos bastante versáteis.

Como é o dia-a-dia de um organista em Portugal? Não há concertos assim com tanta frequência... Como “sobrevive” um músico que se dedique a este instrumento?
Um organista para sobreviver nos dias de hoje, tem que fazer muitas coisas que passam por fazer muitos e diferentes serviços litúrgicos, em vários sítios diferentes. Muitos organistas também realizam funções de maestro e compositor. Lecionar numa escola também é uma opção (que devo dizer que ainda não tomei, mas estará para breve).

Mais uma vez, muito obrigado por esta partilha que nos ajudou a protagonizar. Em breve irá atuar na Igreja da Sé Velha em Coimbra no âmbito do II Ciclo de Concertos de Coimbra. Pode desvendar um pouco daquilo que irá ser o seu concerto?
Agradeço mais uma vez o vosso interesse em entrevistar-me, e convido todos a estarem presentes neste próximo concerto! No dia 21 de maio interpretarei as seguintes obras: 3ª Sinfonia de Louis Vierne, um romântico tardio francês, e a Suite op.5 de Maurice Duruflé, um moderno francês do século XX. Ambas obras de carácter sinfónico que exploram os recursos do órgão ampla e magnificamente. Devo dizer que é um estilo de música que muito prazer me dá a tocar, e espero eu que às pessoas que ouvirão também. Podem contar também com uma surpresa em forma de improvisação...
Aproveito para falar de dois concertos próximos a este, em que acompanharei o coro do DeCA (Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro), nos dias 29 de Maio na Sé de Aveiro e 3 de junho na Igreja da Cedofeita (Porto), onde, entre outras obras que serão interpretadas, será estreada mundialmente uma obra do compositor e maestro Vasco Negreiros.

Excerto da Fuga do Prelúdio e Fuga em lá menor BWV 543 de J.S.Bach
(André Pires, VI Concurso Regional de Órgão)

André Pires. Música, músicos e uma entrevista com o órgão no centro.

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