Fred Martins. O músico e o escritor de canções num só.
Em vésperas de apresentar o seu trabalho, “Para Além do Muro do Meu Quintal”, no B’Leza, Fred Martins deu uma entrevista ao XpressingMusic – Portal do Conhecimento Musical. É uma oportunidade de ficarem a conhecer ainda melhor este músico brasileiro que é responsável pela composição de grandes êxitos interpretados por outros grandes vultos da música brasileira. «A verdade é que componho sem ideia prévia, nunca sei muito bem par aonde irá a canção que começa a nascer ou que ainda nem se anuncia. A busca de uma boa relação entre melodia e texto é o que me serve de guia. Depois para mim é sempre surpreendente quando algum intérprete me pede que lhe envie músicas ou se identifique e queira cantar alguma canção específica (...)».
Fred Martins, muito obrigado por falar aos nossos leitores. No dia 11 de maio apresentará no B'Leza o seu trabalho “Para Além do Muro do Meu Quintal”. Pode falar-nos um pouco deste disco e da razão que o levou a gravá-lo em Portugal?
Eu é que agradeço a oportunidade. A ideia de gravar este cd nasceu em conversas com o Paulo Borges, músico açoriano que vive em Lisboa e diretor musical do festival Cantos na Maré, no qual participei em 2009. O Paulo sugeriu que seria interessante apresentar ao público português o trabalho que venho fazendo. Mais tarde convidei o Paulo para produzir o disco e decidimos que Lisboa seria o melhor lugar para a realização das gravações.
Com Paulo Borges, foram ainda convidados a participar neste disco Nancy Vieira e Renato Braz. Pode apresentar-nos a totalidade da equipa que tornou possível a gravação deste disco?
Além dos nomes citados participaram neste cd Marcio Bahia, Alexandre Frazão e João Ferreira nas percussões, Bony Godoy no baixo, Sergio Menem no cello e guitarra portuguesa, Marcelo Martins nas flautas e Pedro Pascual no acordeão diatônico.
Os músicos que participaram no disco serão os que participarão no espetáculo em Lisboa?
Em parte, sim. Paulo Borges, Nancy Vieira, Sérgio Menem e Bony Godoy participam no cd e no show. Ruca Rebordão assumirá as percussões.
Quais são as suas principais influências musicais? Para além do samba e da bossa nova, há outros géneros que entrem na música que compõe?
Muita música me tem embalado. A verdade é que dei mil e uma voltas até chegar ao ponto de partida. Aquilo que me fisgou para a música. Presente desde sempre em minha escuta. A Bossa do Samba. Sempre senti esse jeito especial, essa bossa, ou suingue, que da música popular brasileira é a medula. Mas vinha sempre envolvida em mistério. Então fui tratar de estudar, clarificar, tentar tatear ao mistério. Dar nome ao que se conhecia apenas na emoção. Toquei guitarra elétrica naquelas escalas para cima, para baixo. Algo do jazz, do fusion, dos Realbooks. Davis, Coltrane, Evans... Mas também Bob Marley. Estive num inesquecível Show dos Wailers no Rio, antes do Reagge virar moda na zona sul. Steve Reich. Aulas de análise de Stravinsky, Mozart... Villa Lobos, Piazzola. Mas com o tempo voltei à casa. As canções da rádio, o samba, a bossa...
A crítica reconhece-o como um dos maiores compositores da sua geração. Quando compõe para outros artistas tenta vestir a “pele” destes para que a obra composta se contextualize o mais possível com as suas personalidades?
A verdade é que componho sem ideia prévia, nunca sei muito bem par aonde irá a canção que começa a nascer ou que ainda nem se anuncia. A busca de uma boa relação entre melodia e texto é o que me serve de guia. Depois para mim é sempre surpreendente quando algum intérprete me pede que lhe envie músicas ou se identifique e queira cantar alguma canção específica. Se para mim não há clareza quanto ao perfil exato da próxima canção que venha a compor, seria ainda mais difícil decifrar o que passa com o outro.
As transcrições das partituras de Chico Buarque, Noel Rosa, Tom Jobim, Caetano Veloso e Gilberto Gil possibilitaram-lhe uma vivência muito próxima das suas formas de expressão. Deixou que essas vivências acabassem por entrar na música que hoje produz?
Sem dúvida. Em termos de expansão de meu vocabulário musical, esta experiência foi fundamental. Estar em contato com a obra de grandes autores me serviu e serve de estímulo para encontrar a minha voz própria na composição.
Partindo da convivência que tem mantido, próximo de músicos portugueses, considera que o Brasil ainda se podia abrir mais à música feita em Portugal? É mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa?
Acho que a obtusidade dos principais canais de difusão no Brasil torna o Brasil fechado ao próprio Brasil, no sentido de que muito da produção artística do país - talvez aquela que menos namore a obviedade - encontra enorme barreira para circular e chegar efetivamente ao público. O país, estando fora de si, torna-se incapaz de se ver a si mesmo. E esse ver-se a si implicaria assumir suas fendas mais dolorosas, e cair, e a partir daí buscar possíveis saídas. E talvez também dar-se conta do que há de potente e único em sua experiência social e de cultura. Desconfio de que o Brasil sendo mais generoso consigo poderia assumir com clareza o quão especial pode ser ter Portugal como sua matriz cultural fundamental. E, claro, a música portuguesa seria mais consciente e assumidamente nossa também.
Há alguns músicos portugueses que admire e ouça com regularidade?
Carlos Paredes, Camané, Sérgio Godinho, Zeca Afonso, Jorge Palma, Susana Travassos... Isso sem citar os mais novos, os colegas de geração... É que ciúme é fogo, né.
Mais uma vez, muito obrigado pela partilha. Após a gravação deste trabalho ficou a vontade de criar outros projetos em Portugal?
Sim, tenho imensa vontade de seguir trabalhando por aqui. De fato já há algo por aí se encaminhando...Mas fica para a próxima conversa. Muito obrigado!
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