José Peixoto. Uma entrevista em torno da guitarra e da vida.
A guitarra, a vida e os projetos musicais foram o fio condutor desta entrevista ao guitarrista José Peixoto que atualmente tem como projeto principal o LST-Lisboa String Trio. «É um grupo em que participam o Bernardo Couto (guitarra portuguesa) e o Carlos Barretto. Editámos agora o 2º CD (Lisboa) sendo que o primeiro, Matéria, ganhou o prémio Carlos Paredes de 2015». O nosso entrevistado integra ainda o Quinteto Lisboa e para trás ficaram outros projetos, como por exemplo os Madredeus. «Os projetos têm o seu tempo de vida, os seus ciclos. Dos que integrei e nos quais tive um papel fundador, é difícil apontar preferidos. Porque todos o foram nas alturas em que aconteceram. A sua longevidade depende também muito do investimento que fazemos neles e da teimosia, se for a ocaso, com que os levamos para a frente. E, claro, de estímulos e motivações. Não tenho sentimentos nostálgicos relativamente a projetos passados».
José Peixoto, muito obrigado por esta oportunidade que nos concede. Recorda-se de quando deu as primeiras notas numa guitarra?
Recebi a minha primeira guitarra quando tinha 12 anos. Devo ter começado a “rondar” o instrumento por volta dos dez...
Durante o período que dedicou à aprendizagem do instrumento, houve mestres que o tenham marcado e influenciado muito naquilo que hoje é enquanto performer e compositor?
Claro que os primeiros foram os meus professores na Academia de Amadores de Música de Lisboa, o José Miguel Coutinho e posteriormente o professor Piñeiro Nagy. Depois há os outros que nos rodeiam e que nos alimentam o percurso em alturas chave da nossa formação. Uns porque tocamos a sua música - e aqui destaco o Leo Brower e o Villa Lobos - outros porque os ouvimos e nos mostram novas direções, os mais marcantes foram o Egberto Gismonti o o Ralph Towner. Mas é difícil resumir... Tive sempre a inclinação para ouvir mais música clássica/erudita, não só europeia, porque é aí que encontro as ideias musicais que mais me estimulam e com as quais me sinto mais identificado.
Mas para além dos mestres há ainda a convivência que sempre manteve com grandes nomes da música portuguesa. Concorda que estas (con)vivências também se vieram a revelar momentos de aprendizagem por excelência?
É inevitável que isso aconteça, sobretudo se essa convivência envolve nomes com conteúdo. Tive a felicidade de, nos primeiros trabalhos como profissional, trabalhar simultaneamente com o Pedro Caldeira Cabral (grupo de música antiga La Batalla) e com o Janita Salomé (que tinha lançado o seu Cantar ao Sol, disco pioneiro das músicas do mundo e musicalmente riquíssimo). Olhando para trás não me é difícil perceber as influências que aí recolhi e que foram determinantes para os caminhos que procurei posteriormente.
Para além da guitarra tem também uma ligação ao alaúde. Como surgiu essa ligação e quais os principais projetos que abraçou tocando este instrumento?
Essa ligação surgiu precisamente no La Batalla do Pedro Caldeira Cabral. Era o instrumento que tocava nesse grupo de música antiga. Usei-o também com o Janita Salomé nesses anos iniciais. No entanto fui perdendo o contacto com esse instrumento. Foi uma prática que aconteceu no passado.
Enquanto músico, arranjador e compositor já trabalhou com Maria João, Janita Salomé, José Mário Branco, Rui Veloso, Mafalda Veiga, entre outros. Sente-se um músico privilegiado?
É verdade. Não me posso queixar. Tem sido uma interessante viajem com colaborações interessantes com artistas importantes e relevantes do nosso meio. Com alguns trabalhei profunda e intensamente e foram relações de anos. Destaco naturalmente, o Janita Salomé, o José Mário Branco e a Maria João por terem sido dos primeiros.
De todos os projetos em que já participou, há alguns que eleja como preferidos? Teve pena que alguns não tivessem mais anos de vida?
Os projetos têm o seu tempo de vida, os seus ciclos. Dos que integrei e nos quais tive um papel fundador, é difícil apontar preferidos. Porque todos o foram nas alturas em que aconteceram. A sua longevidade depende também muito do investimento que fazemos neles e da teimosia, se for a ocaso, com que os levamos para a frente. E, claro, de estímulos e motivações. Não tenho sentimentos nostálgicos relativamente a projetos passados. Todos tiveram os seus ciclos e levaram-me sempre para novos patamares e a abrir novas portas.
Em 1996 gravou o seu primeiro trabalho a solo, "As Vozes do Passos". O facto de este trabalho surgir somente em 1996 significou que este foi o momento em que sentiu que havia uma maturidade certa para que exprimisse a sua voz?
Foram vários fatores que concorreram para essa gravação. O mais decisivo, que me “obrigou” a desenvolver esse trabalho a solo, foi a agenda ocupadíssima do grupo Madredeus, grupo que eu integrava desde 1993, e que fez com que me tivesse desligado da possibilidade de continuar a participar e a desenvolver outros projetos com os quais estava relacionado, tudo por uma questão física de tempo disponível. E para continuar a materializar as ideias que ia tendo equacionei essa possibilidade de trabalhar a solo mesmo sabendo que iriam ser apenas projetos editoriais porque não teria tempo nem disponibilidade de agenda para lhes dar uma carreira “ao vivo”. E este contexto ajudou-me também a amadurecer certas ideias, a dar-lhes um carácter mais íntimo e a fazer essa navegação em modo solitário. Como uma grande introspeção. A música desse CD reflete isso.
Os tempos passados nos Madredeus marcaram muito daquilo o que veio a ser a sua carreira posteriormente?
A vivência com o ritmo da viajem do Madredeus sim. Porque a agenda ocupadíssima do grupo me direcionou, enquanto criador, para outros caminhos e outras procuras, como disse atrás e que me levaram a editar, em nome próprio (ou como fundador de vários projetos), 8 CD’s entre 1993 e 2006, e também porque me fez ter uma visão de uma dimensão da indústria da música que de outra maneira teria sido difícil conhecê-la.
Por nunca ter sido uma música e uma estética com a qual me sentisse muito identificado, quer antes quer durante a minha colaboração como guitarrista no grupo Madredeus, não sinto que nesse aspeto tenha sobrado alguma influência para os meus passos futuros.
“Tempo-Antologia” foi uma forma que encontrou de resumir a sua carreira até àquela data?
Sim, senti como que a necessidade, naquela altura, de meter uma vírgula nesse percurso linear-temporal. E também de ter a oportunidade de editar música que tinha feito, anos antes, para uma coreografia e que achava que deveria ser registada em CD. Preenche o 2º CD desse CD duplo.
Como surgiu a oportunidade de participar num disco de Angelo Branduardi?
Bom, a minha participação nesse disco foi meteórica. O Angelo Branduardi queria a participação da Teresa Salgueiro. Eu fui como que em representação do grupo (Madredeus). Sem nada de muito relevante para fazer. De facto, apanhei um avião para Milão de manhã, gravei, salvo erro, meia dúzia de compassos em dois refrões de uma canção e à tarde já estava num avião de volta...
A 7 de setembro de 2015 falámos com o Fernando Júdice sobre o projeto Carinhoso. Concorda com o Fernando quando ele diz que «Carinhoso foi um projeto improvável. Surgiu de uma brincadeira de viagem...»?
Concordo plenamente porque foi isso exatamente que aconteceu. Um reportório montado em quartos de hotel somando todo o tempo livre que tínhamos nas inúmeras tours do Madredeus. E foi uma feliz viajem na música do incrível Pixinguinha.
Mas foi uma brincadeira que se tornou séria...
Pois. Aquela música estimulou-nos de tal maneira que começámos a abordá-la com muito detalhe e a investir a sério nos arranjos. A partir de certa altura, e com algum feedback de amigos próximos, percebemos que tínhamos ali matéria-prima suficiente para pensar em edição.
SAL surgiu também de maneira informal?
Foi uma consequência de todo esse processo que levou ao CD Carinhoso. Eu e o Fernando ficámos com vontade de continuar esse caminho de estreita colaboração. O nosso funcionamento é muito fácil, muito intuitivo e dá constantemente resultados que nos agradam muito. E muito naturalmente chegámos a esse quarteto – SAL, com o Vicky na percussão e a Ana Sofia Varela na voz, com o qual gravámos um CD com música original.
Em 2011 conquistou o Prémio Carlos Paredes. Com que sentimento(s) recebeu este reconhecimento?
E em 2015 tive mais uma vez a felicidade de ganhar esse prémio, desta vez com o LST-Lisboa String Trio, grupo do qual sou fundador e que integra o Bernardo Couto (guitarra portuguesa) e o Carlos Barretto (contrabaixo).
É sempre uma enorme alegria sentirmos o nosso trabalho reconhecido. Sentir que as ideias circulam e que chegam ao destino (certo). É uma enorme satisfação.
Devo aqui uma palavra de agradecimento à Câmara de Vila Franca de Xira o facto de manter este prémio, prémio que homenageia um músico ímpar – o Carlos Paredes, e que abre as portas à música instrumental – música pura. Nos dias que correm é muito gratificante para quem pratica essencialmente música instrumental, saber que existe esse canal e ver os seus colegas e os seus pares premiados e reconhecidos. Se nos toca a nós tem um sabor especial, claro. Redobra o meu agradecimento.
Recentemente temos ouvido o seu trabalho no Quinteto de Lisboa. Sente que este projeto está a ter uma boa adesão por parte do público?
Para já, e nesta fase de arranque, está a ser muito bem aceite. Quer pelo público quer pelos media. Os concertos, depois da (boa) estreia na Culturgest, irão começar em breve.
Quais os outros projetos que abraça neste momento para além do Quinteto de Lisboa?
O meu projeto principal, neste momento, é o LST-Lisboa String Trio. É um grupo em que participam o Bernardo Couto (guitarra portuguesa) e o Carlos Barretto. Editámos agora o 2º CD (Lisboa) sendo que o primeiro, Matéria, ganhou o prémio Carlos Paredes de 2015. É um grupo de música instrumental que tem feito uma carreira interessante e que tem uma proposta bastante original. Neste segundo CD visitámos a música de Lisboa, quer numa viagem ao passado (guitarradas tradicionais de meados do século XX com arranjos nossos), quer numa leitura mais contemporânea com música original.
Paralelamente como freelancer vou estando associado a outros projetos.
Muito obrigado por ter acedido brindar os nossos leitores com esta entrevista. O José Peixoto é um exemplo vivo para os nossos jovens músicos, mostrando que viver da música em Portugal é possível?
A questão do “viver da música” tem várias vertentes. Não se pode resumir num “sim” ou num “não”. Pode-se estar associado ao ensino e viver-se da música como docente, pode-se viver acompanhando outros artistas, e aqui só depende da dimensão do artista a quem se está associado o poder-se viver mais ou menos bem, claro. Pode-se ser músico profissional de orquestra ou de banda (forças armadas, por exemplo), etc., etc.... Há muitas e variadas possibilidades. Pode-se abraçar qualquer direção ou projeto em qualquer género musical... e, quando se tem sucesso, tudo se torna viável e fácil sendo que o inverso está sempre ao virar da esquina. Uma coisa que temos que aprender nesta atividade é a lidar com o insucesso comercial e artístico, com a desilusão, com os obstáculos, com dificuldades de toda a ordem, com a crítica (boa e má) e com o caráter efémero de tudo isto. É preciso muita teimosia, insistência e competência. É preciso uma busca incessante de uma voz própria. E é preciso também, para além da iniciativa, de saber conduzi-la e de não baixar os braços, ter sorte. Muita...
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