Helena Marinho. O piano, o pianoforte e a pedagogia.

«Sou pianista e adoro pianos, seja qual for a sua época. Aliás, costumo dizer que o piano moderno não existe: basicamente estamos a tocar em cópias de pianos de finais do século XIX, que foi o período em que, em certos aspetos, se cristalizou o conceito básico do instrumento. Todos os pianos têm especificidades interessantíssimas, que podem potenciar a interpretação de determinados repertórios e fazer-nos descobrir timbres e sonoridades únicos. Só lamento a uniformidade presente dos instrumentos atuais. É muito mais fascinante a diversidade que marcou os séculos XVIII e XIX».
Helena Marinho, queremos agradecer, em primeiro lugar, a prontidão com que aceitou o nosso convite para esta entrevista. Tem-se apresentado em recitais e concertos de música de câmara um pouco por todo o mundo. Como são hoje vistos os músicos portugueses por esse mundo fora?
Acho que os músicos portugueses são bem recebidos de forma geral, e tenho notado um interesse particular por repertório de compositores portugueses; essa é, aliás, uma forma interessante de nos distinguirmos em contextos internacionais. Permite também construir projetos com uma identidade própria, que podem marcar a diferença em relação a propostas baseadas em repertório canónico de compositores de países da Europa Central.
Tem gravado vários CDs com repertório contemporâneo e clássico. Neles tem tido o privilégio de incluir estreias absolutas de compositores portugueses. Há alguns, destes trabalhos, que recorde com maior carinho?
Não consigo destacar nenhum em especial, porque me ‘apaixono’ inevitavelmente por aquilo que estou a tocar em cada ocasião. Tocar repertório contemporâneo pode ser um desafio particular, por envolver técnicas e linguagens mais experimentais, mas há sempre um prazer quase físico que acompanha o processo de estudar, compreender e comunicar uma obra nova.
Gravar compositores portugueses é um ponto de honra para a Helena Marinho?
Sempre foi e será. E não é apenas a questão de tocar, em muitos casos, obras de criadores/as que conheço bem ou de quem sou amiga; é também uma questão ética, face ao apagamento da criação musical portuguesa contemporânea no presente contexto.
Está agora a ser lançado o CD “Música nova para instrumentos antigos (I)”. Pode falar-nos um pouco deste trabalho?
Este CD nasceu de uma questão: será que o repertório a tocar em instrumentos históricos se deverá limitar às obras que foram criadas na respectiva época, e aos compositores que viveram na altura em que esses instrumentos existiram? Para mim, que toco pianoforte, e para o António Carrilho, que tem uma carreira dedicada à performance de música contemporânea em flautas de bisel, a resposta é obviamente ‘não’. O nosso interesse pelas potencialidades destes instrumentos, independentemente do repertório e época que lhes estão associados, levou-nos a focar a criação contemporânea para estes instrumentos, a solo em duo. Foi um desafio enquanto intérpretes que, graças ao apoio da Direcção-Geral das Artes e da Universidade de Aveiro, permitiu efectuar uma digressão de concertos e gravar dois CDs (o segundo CD será apresentado em junho), assim como realizar encomendas a alguns compositores portugueses.
Mas não esquecemos as raízes dos nossos instrumentos e o seu peso histórico: os CDs apresentam um diálogo entre repertório histórico canónico (Bach pai e filhos, Czerny, Giustini) e obras de compositores contemporâneos como António Chagas Rosa, Cândido Lima, Daniel Schvetz, Jônatas Manzolli, Pedro Junqueira Maia, Rui Penha, Sara Carvalho e Vasco Negreiros.
O piano moderno e o pianoforte são encarados pela Helena da mesma forma? Tem preferência por algum deles?
Sou pianista e adoro pianos, seja qual for a sua época. Aliás, costumo dizer que o piano moderno não existe: basicamente estamos a tocar em cópias de pianos de finais do séc. XIX, que foi o período em que, em certos aspetos, se cristalizou o conceito básico do instrumento. Todos os pianos têm especificidades interessantíssimas, que podem potenciar a interpretação de determinados repertórios e fazer-nos descobrir timbres e sonoridades únicos. Só lamento a uniformidade presente dos instrumentos atuais. É muito mais fascinante a diversidade que marcou os séculos XVIII e XIX.
Os períodos clássico e contemporâneo são igualmente duas paixões com a mesma intensidade?
Sem dúvida, porque são períodos fascinantes na história do instrumento e do seu repertório. O período clássico porque estabeleceu alguns dos padrões interpretativos de base do instrumento, enquanto se operavam alguns das alterações organológicas mais dramáticas da sua história; o período contemporâneo pelo experimentalismo.
Ao longo da sua carreira tem colaborado com vários cantores, contrabaixistas, violoncelistas, violinistas, flautistas... Pode partilhar com os nossos leitores alguns desses nomes?
Não seria justo destacar ninguém em particular, porque tenho tido o privilégio de trabalhar com músicos excelentes. Mas, no presente, poderia referir os grupos com quem tenho trabalhado mais de momento: o Performa Ensemble, de formação variável, mas onde eu e o flautista Jorge Salgado Correia somos os ‘pilares’ principais, e o Borealis Ensemble, com o António Carrilho. No passado, destacaria um grande amigo e artista que já não está entre nós, o barítono José de Oliveira Lopes.
O Performa Ensemble e o Borealis Ensemble são então projetos que abraça com grande afinco? Há projetos novos para breve no âmbito destas duas formações?
São os Ensembles com quem tenho trabalhado com mais frequência recentemente, de facto. Tenho projetos e apresentações para breve com os dois. O Performa Ensemble, depois de concertos em Lisboa e Aveiro a 28 de abril e 3 de maio, vai gravar um CD em julho totalmente dedicado a repertório de compositoras portuguesas do século XX/XXI; será pois um projecto que pretende dar voz à música erudita no feminino. Quanto ao Borealis Ensemble, temos um novo projecto em génese com o soprano Carla Caramujo, do qual vamos dar algumas pistas num concerto na Casa da Música a 28 de junho.
O facto de estar presente em vários espetáculos que contam com o apoio da Direcção-Geral das Artes mostra que tem vivido no seio de projetos providos de grande qualidade. Concorda?
Creio que o apoio da DGArtes tem sido importantíssimo, e demonstra que há um caminho possível para projetos alternativos no campo da música erudita. É pena que as instituições que programam música erudita nem sempre tenham essa visão.
A carreira docente é outra vertente do seu trabalho. Há tempo para tudo? Qual o trabalho que está a desenvolver no DeCA da Universidade de Aveiro?
O tempo tem sido um problema, de facto, mas aprendo tanto com os meus alunos e com as atividades de investigação que faço na Universidade de Aveiro que não concebo outra forma de vida. Estou particularmente entusiasmada com um projeto de investigação musicológica e artística que vou liderar, a iniciar em julho deste ano, precisamente sobre música no feminino (criação e interpretação) em Portugal nos séculos XX/XXI. A minha candidatura à Fundação para a Ciência e Tecnologia foi seleccionada para financiamento e vamos contar com um orçamento particularmente generoso (186.000 euros) para desenvolver este projecto nos próximos 3 anos.
Tem também colaborado regularmente com a Casa da Música. Qual o trabalho que tem vindo a desenvolver neste âmbito?
Para além do concerto a 28 de junho que mencionei anteriormente, posso destacar a colaboração regular que tenho mantido na elaboração de notas de programa, palestras, e sobretudo os concertos comentados com Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, que constituem uma oportunidade fantástica de divulgar a música erudita a públicos mais alargados.
Considera que a música e os músicos portugueses mereciam um apoio mais evidente por parte das autoridades e governantes? Se fosse ministra da cultura por um dia, qual seria a primeira medida a implementar?
É um cargo político, por isso não me vejo nesse papel, embora tenha respeito por quem assume essas funções. Não temos uma tradição em Portugal de ver a cultura como algo de prioritário, não obstante a sua óbvia contribuição para a sociedade. Há também problemas na divulgação da criação portuguesa a nível da música erudita, já que a maioria das instituições subsidiadas pelo Estado não lhe presta particular atenção; um contra-senso, tendo em conta a fonte desses subsídios.
Mais uma vez, muito obrigado por esta partilha que proporcionou aos nossos leitores. Há espetáculos agendados para breve? Onde poderão os nossos leitores escutar a sua música nos próximos tempos?
Já mencionei projetos futuros anteriormente, mas realçaria naturalmente o CD do Borealis Ensemble, editado pelo mpmp (Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa).
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