María Berasarte. Uma voz espanhola, um coração que Portugal conquistou
María Berasarte é espanhola mas já se tornou uma voz indissociável da música portuguesa. Arriscou cantar o fado em espanhol e foi muito bem-sucedida, chegando mesmo a ser convidada por Carlos do Carmo para o concerto do seu 45º aniversário pelos palcos de todo o mundo. Deixamos aqui esta entrevista onde fica claro que Portugal está no mapa das suas vivências e das suas influências musicais. «As minhas influências são as que eu vivencio no meu dia-a-dia. Nos últimos tempos parto da minha terra, País Basco, e daí vou navegando por diferentes pontos geográficos sem fazê-lo intencionalmente. É inevitável que me encontre perto de Lisboa e dos sons mediterrânicos. Afinal canto aquilo que sou».
María Berasarte, muito obrigado por ter aceitado a nossa proposta para esta entrevista. Recentemente temos ouvido a sua voz no Quinteto Lisboa. Como tem sido a receção do público ao vosso trabalho e como foi a sua integração neste projeto?
Em primeiro lugar quero agradecer-vos pelo vosso interesse no meu trabalho. A reação do público tem sido muito boa desde o início. É uma honra fazer parte de um projeto tão especial e tão pessoal rodeada por grandes músicos que sempre admirei. Quando se segue a carreira dos nossos companheiros desenvolve-se uma grande cumplicidade musical e pessoal. É sempre difícil lidar com a pressão e com a responsabilidade mas todo o esforço e dedicação valeram a pena tendo em conta a resposta do público.
A música esteve sempre presente na sua vida? Quando se apercebeu de que a sua carreira profissional iria passar por esta área?
Desde que me lembro, sempre me dediquei à música. Numa primeira fase como forma de evasão, pois pelos quatro ou cinco anos já me fechava no meu quarto bailando, fazendo coreografias e cantando. Era algo obsessivo. Depois fui crescendo e estudando música e dança e já não havia como voltar atrás. Suponho que a vida me colocou perante uma opção fácil e num único sentido. Em relação à minha carreira, as minhas decisões foram tomadas principalmente com base no conteúdo musical, crescimento e cumplicidade pessoal. Por exemplo, o Quinteto Lisboa é um dom da vida.
Certamente esta pergunta é-lhe colocada muitas vezes mas, o que é que a trouxe até Portugal? Quais as razões que a levaram a empreender uma carreira musical num país com uma dimensão reconhecidamente inferior à daquele de que é natural?
Portugal cruzou-se no meu caminho quando descobri um altíssimo nível musical e porque me senti muito identificada com a maneira portuguesa de expressar as emoções. O que é mais importante, a qualidade ou a quantidade? Eu dou sempre prioridade à qualidade. Eu dedico-me à música porque sempre admirei os grandes e sempre tentei aprender com eles. Muitos deles são portugueses.
Passando agora ao seu trabalho a solo gostaríamos de saber quando é que surgiu em si a ideia de cantar fado em espanhol.
“Todas las horas son viejas” é um trabalho que torna oficial a minha relação com Portugal e com a influência que este país tem na minha forma de cantar. Fiz o disco em espanhol porque nunca quis fazer um disco fadista. Queria cantar aquilo que sou. Por essa razão os arranjos foram altamente personalizados e as palavras têm o meu som, a minha língua materna.
Teve receio das reações dos artistas que se movimentam neste meio tão particular e, por vezes, tão conservador?
No princípio sim, por respeito. Era muito arriscado. Mas depois percebes que fizeste aquilo que realmente sentias e que lá colocaste todo o teu amor e pensas: Se não arriscar, quem o fará? Estamos acostumados a viver com esses medos...
Lançou recentemente o disco Súbita. O que pretendeu transmitir ao público com este disco? Como caracteriza este álbum?
“Súbita” é essencialmente um trabalho com linhas limpas. É um álbum de canções muito importante na minha vida. Tentei transmitir o que eu sinto sem adornos e levar a voz para um ponto onde as pessoas podem quase tocar. Um canto de sussurro. A cumplicidade levada para a intimidade. Ao mesmo tempo a canção que mostra a María sonhadora e que não conhece limites mas que, ao mesmo tempo, é frágil, tímida e ousada. É um canto ao “inevitável” sem procurar a perfeição.
José Luis Montón, José Peixoto e Fernando Júdice são três nomes fundamentais para que se sinta confortável em palco e em estúdio?
São muito importantes. Somos uma equipa, um único som. São verdadeiramente três joias que muito quero e que muito admiro.
O que significou para a María o convite de Carlos do Carmo para o concerto do seu 45º aniversário pelos palcos de todo o mundo?
Foi um momento inesquecível e vou mantê-lo sempre num lugar seguro do meu coração. O Carlos do Carmo foi o primeiro a entender o disco de fados. Isso ajudou-me a recuperar o sonho e a fazer aquilo em que acredito. Deu-me muita confiança e força.
O facto de ter surgido este convite do Carlos do Carmo e o reconhecimento da qualidade do seu trabalho pelo mesmo, foi a “bênção” de que precisava para que, até os mais puristas deste género musical, aceitassem a sua proposta musical como válida e consistente?
Não sei. Creio que, se esse disco fosse editado agora pela primeira vez, todo o mundo o entenderia. Naquele tempo, em 2008 era muito difícil. O Carlos deu-me oxigénio, musicalmente falando, e isso jamais esquecerei. Estou-lhe eternamente agradecida.
A sua voz tem brilhado pelos palcos de países como Portugal, França, Bélgica, Macau, Moçambique, Grécia, Suíça e Itália. Como tem sido recebida a sua música pelas diferentes culturas por onde tem passado?
Curiosamente, nos outros países tudo é mais fácil. No estrangeiro escutam sem intelectualizar em demasia. Só te exigem que sejas verdadeiro nas emoções e nos detalhes.
Ter partilhado o palco com Paco de Lucía é um momento que guardará para o resto da sua vida no seu “álbum das recordações”?
Absolutamente. Esse momento e o do Carlos do Carmo são alguns dos momentos chave da minha carreira.
Na música que faz, sente que há um fio condutor chamado Península Ibérica? Quais as principais influências presentes nas suas interpretações?
As minhas influências são as que eu vivencio no meu dia-a-dia. Nos últimos tempos parto da minha terra, País Basco, e daí vou navegando por diferentes pontos geográficos sem fazê-lo intencionalmente. É inevitável que me encontre perto de Lisboa e dos sons mediterrânicos. Afinal canto aquilo que sou.
Tendo passado já por tantos e tão distintos palcos, há alguns momentos que a tenham marcado de forma evidente?
Todos os momentos acabam por nos marcar. Cada dia representa uma experiência nova, onde aprendes algo novo e em que acrescentas algo. O público é que faz com que me mantenha alerta ao máximo.
Muito obrigado por ter partilhado com os nossos leitores o seu pensamento e as suas memórias. Nos próximos tempos onde a poderemos ver e ouvir ao vivo?
Nos próximos meses estarei a trabalhar fora. Há ainda algumas coisas por concretizar e oxalá apareçam muitos concertos em Portugal para que perdure esta relação tão bonita.
Fotos: Luis de Barros
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