Nuno Dario. Luzes, câmara, música!
Nuno Dario recebeu recentemente dois prémios nos Global Music Awards e já não é a primeira vez que vê o seu trabalho ser reconhecido internacionalmente. Não sobrevaloriza uns trabalhos em detrimento de outros. A este respeito destacou: «Para mim os principais trabalhos têm sido aqueles em que, numa excelente colaboração com os realizadores pude desenvolver novas ideias, abordagens e explorar novas possibilidades de ajudar a contar histórias com a minha música. Houve trabalhos e experiências muito gratificantes, como a série web “Out of Order" ou a curta “Rose”. Mas penso que o filme-documentário “Earth is Home” e, no campo da multimédia, o trabalho para a cerimónia de abertura do festival “Fenacult II” em Luanda, num grande estádio, foram bastante importantes pela inteligência criativa das equipas de produção».
Não podemos iniciar esta entrevista sem o felicitar por mais duas preciosas conquistas. Os dois recentes prémios que recebeu nos Global Music Awards são a cereja no topo do bolo que tem vindo a “confecionar”? Quais as categorias em que foi premiado?
Obrigado, é um prazer conversar convosco. Os dois recentes prémios que recebi são nas categorias “Originality / Creativity” e “Classical-Avantgarde/Cross Genre”. Fico feliz pelo reconhecimento do trabalho realizado, mas encaro-os simultaneamente como um estímulo a continuar e como um ponto de passagem importante na minha vida profissional.
Mas, em 2012 já tinha sido distinguido...
Sim, em 2012 fui distinguido também nos Global Music Awards com o Award of Merit para a banda sonora do filme-documentário “Earth is Home”, e também ganhei a prestigiosa BMI/Jerry Goldsmith Film Scoring Scholarship na UCLA (em Los Angeles).
No seu percurso pela Escola Superior de Música de Lisboa houve alguém que o tenha influenciado no sentido de seguir esta via mais ligada ao cinema e à publicidade?
Não. A meu ver, o ensino estava na altura vocacionado para a composição clássica-contemporânea. Não me lembro de a relação com os outros visual media - sobretudo comerciais - ser abordada.
Como surgiu a possibilidade de se ir especializar em composição para cinema em Los Angeles (UCLA)? Portugal não tem oferta formativa nesta área?
A possibilidade, de facto, nasceu de mim próprio. O que me levou a Los Angeles (e à UCLA) foi o meu interesse por querer aprender e absorver aquele tipo de música para cinema que desde criança me fascina. Existe em Los Angeles uma indústria fortíssima, altamente especializada, com um nível de criação e produção sem paralelo e onde se pretende sempre que todos os departamentos técnicos da produção e pós-produção sejam levados muito a sério e ao mais alto nível. Outro aspeto que me cativou foi a tradição musical de Hollywood. É uma tradição riquíssima: desde Korngold, Franz Waxman, Bernard Herrmann a John Williams, à família Newman ou Hans Zimmer. Portanto, a “escola” é imensa, diversificada e muito especializada. Portugal, segundo julgo saber, continua a não oferecer formação nesta área, ou melhor, a formação em composição de música para a imagem não segue - na minha opinião - o caminho do cinema mais comercial, por uma opção estética e cultural.
O doutoramento que realizou na Royal Holloway em Londres também aprofundou essas áreas da composição?
Na verdade, o doutoramento que completei em Londres em 2013 veio primeiro e fundiu-se depois com Los Angeles. No meu trabalho de doutoramento investiguei, experimentei e compus um portfólio de 90 minutos de música (para além da tese escrita) onde pude - de forma completamente livre e sem preconceitos - partir da base da composição clássica-contemporânea, abordar a composição de música para cinema comercial, para a moving image (no sentido mais experimental) e para muitos outros géneros e estilos de música diferentes. A ida para Los Angeles e para a UCLA foi para mim juntar dois mundos: a tradição europeia com a norte-americana.
Quais os principais trabalhos que já realizou no âmbito do cinema?
Olhando para o que fiz até agora constato que o conceito de “principal” coloca-se em categorias diferentes. Para mim os principais trabalhos têm sido aqueles em que, numa excelente colaboração com os realizadores pude desenvolver novas ideias, abordagens e explorar novas possibilidades de ajudar a contar histórias com a minha música. Houve trabalhos e experiências muito gratificantes, como a série web “Out of Order" ou a curta “Rose”. Mas penso que o filme-documentário “Earth is Home” e, no campo da multimédia, o trabalho para a cerimónia de abertura do festival “Fenacult II” em Luanda, num grande estádio, foram bastante importantes pela inteligência criativa das equipas de produção.
E na área da publicidade, há alguns trabalhos que recorde com especial carinho?
Sim, as soundtracks que fiz para os anúncios Blue Polpa – Refriango produzidos em Portugal. Pelo grande talento do realizador Richard de Almeida e pela produção que envolveu: quantas vezes temos oportunidade de compor para anúncios de ficção científica, com naves, astronautas e cidades do futuro?
Sente-se influenciado por outros músicos que se movimentam nestes contextos?
Sim, claro. Desde os clássicos pesos-pesados de Hollywood que já mencionei antes, mas também por Alberto Iglesias, Carter Burwell ou Alexandre Desplat.
Tem trabalhado em vários países, tais como Reino Unido, EUA, Irão, Lituânia, e Angola? Sente que o seu trabalho é mais reconhecido lá fora do que cá, “dentro de portas”?
Nunca trabalhei no Irão, na Lituânia ou Angola, mas sim com realizadores e produtores dessas nacionalidades. Na grande generalidade sinto que o meu trabalho é mais reconhecido lá fora, sim. Sinto que que a minha música tem maior recetividade no panorama internacional. Podem ser várias as causas para isso, incluindo o facto de trabalhar mais fora do que dentro de Portugal. Da minha parte tento sempre seguir o caminho que traço para mim. Estou tão aberto a poder trabalhar com realizadores(as) e produtoras “dentro de portas” como “fora”, e a criar ou desenvolver projetos em Portugal. Portugal é um país com muito talento, ao mais alto nível, e noto que o desejo de internacionalização e valorização dos projetos tem vindo a crescer muito.
Como nasceu a sua empresa internacional Ad Music Fuel especializada na criação de música e sound design para publicidade? Tem uma grande equipa a trabalhar consigo na criação de música para diferentes contextos?
Nasceu do meu desejo trazer e sediar em Portugal um projeto que tem um nível de especialização na área da música para publicidade de acordo com o melhor que se faz internacionalmente. O núcleo da equipa de compositores e sound designers não é grande, mas é diversificado estilisticamente e multicultural. Sabe o que é trabalhar nesta área e é muito talentoso. A equipa está nos Estados Unidos, em Portugal e no Reino Unido e temos trabalhado sobretudo para o mercado internacional. Em Lisboa temos a sede, com estúdios dedicados à produção e criação musical.
Em que altura da sua vida percebeu que a música iria ser a sua principal ocupação? Quando começou a tocar os primeiros covers?
É difícil precisar. Eu não comecei cedo na música nem tenho família na área. A relação com a música (que na verdade me domina por completo) foi sempre muito forte, um pouco inexplicável. Lá para o fim da adolescência tomei uma decisão consciente e firme de que era isto, e apenas isto que queria fazer na minha vida. Tive a sorte de me cruzar com algumas pessoas extraordinárias que me deram muito e que me ensinaram muito para além da música: o que ler, que cinema ver, o teatro e a arte em geral. Os covers, esses começaram por volta dos 15 anos, em bandas muito engraçadas e diferentes! Tocava guitarra elétrica solo em bandas de hard rock com covers de Extreme ou Metalica, mas também cantava e tocava noutra temas de Beatles, Platters ou Beach Boys. Até que decisivamente a música clássica veio preencher tudo.
O facto de ter estudado guitarra clássica, piano e composição fez de si um músico polivalente e com mais respostas para as solicitações que hoje lhe fazem?
Sim, sem dúvida. Não só respostas do ponto vista técnico mas também estético. Especialmente porque o trabalho que desenvolvo engloba as áreas do cinema, concerto e multimédia. Nestas áreas, quanto mais e melhor se dominarem os recursos, as técnicas e as linguagens melhor. Mas continuo a estudar, a aprender diariamente. Não tem fim.
Muito obrigado por este tempo que dedicou aos leitores da nossa publicação. Pode revelar-nos quais os projetos que tem atualmente em andamento?
O prazer de poder partilhar as minhas experiências foi todo meu. De momento, para além dos projetos da Ad Music Fuel, estou a trabalhar para uma série de animação para televisão que é produzida na Argentina, mas vai para o mercado internacional. Estou finalmente a dar forma à minha “banda” e a preparar um álbum com música e sound design que promete ser uma listening experience interessante, e que deve sair lá para junho ou julho.
Sistema de comentários desenvolvido por CComment