Quarteto Contratempus, Mário João Alves, António Durães e “Os dilemas dietéticos de uma matrioska do meio”
A ópera cómica “Os dilemas dietéticos de uma matrioska do meio” tem texto original de Mário João Alves, composição musical de Nuno Côrte-Real, encenação de António Durães e subirá ao palco pelas mãos do Quarteto Contratempus. Falámos com os envolvidos nesta produção que, segundo o quarteto: «será uma experiência enriquecedora para ambas as partes. Até agora, está a ser um grande prazer trabalhar com o primeiro grupo, os Plebeus Avintenses que amavelmente aceitaram este desafio. A inclusão dos grupos de amadores (os que amam) está de acordo com um dos principais objetivos deste projeto e do próprio Quarteto Contratempus e passa pela sensibilização para o que é um espetáculo de ópera, e pela divulgação da música portuguesa contemporânea. Como já foi dito por nós em diversas ocasiões há um estigma muito grande em relação à Ópera, e à música contemporânea e o quarteto também quer ajudar a resolver esse dilema».
Agradecemos desde já ao Quarteto Contratempus a amabilidade demonstrada desde a primeira hora. Se tivessem que definir a vossa nova produção “Os dilemas dietéticos de uma matrioska do meio” num parágrafo como a descreveriam?
Se fosse numa palavra seria gulosa mas, sucintamente poderemos dizer que se trata de um trabalho em equipa muito especial. Estamos muito agradecidos por poder trabalhar com excelentes profissionais que, além disso, ainda são excelentes seres humanos. Tudo isto faz com que o ambiente de trabalho seja também ele um ponto a nosso favor, tornando o dilema da matrioska muito mais fácil de resolver.
Uma das marcas que se evidencia pela inovação que carrega, passa pela inclusão de grupos de teatro amador das cidades por onde passará a digressão desta Ópera cómica. Isto traz um trabalho acrescido mas também tem implícita uma componente formativa, não é?
Claro que traz trabalho mas, ao mesmo tempo, será uma experiência enriquecedora para ambas as partes. Até agora, está a ser um grande prazer trabalhar com o primeiro grupo, os Plebeus Avintenses que amavelmente aceitaram este desafio. A inclusão dos grupos de amadores (os que amam) está de acordo com um dos principais objetivos deste projeto e do próprio Quarteto Contratempus e que passa pela sensibilização para o que é um espetáculo de ópera, e pela divulgação da música portuguesa contemporânea. Como já foi dito por nós em diversas ocasiões há um estigma muito grande em relação à Ópera, e à música contemporânea e o quarteto também quer ajudar a resolver esse dilema.
Depois do sucesso da vossa produção “A Querela dos Grilos”, as expectativas estarão certamente altas... Concordam?
Talvez, mas o que importa realmente é que nós nos estamos mesmo a divertir com este trabalho e é nossa vontade poder passar esta energia para o público. No final, o que realmente conta, é que as pessoas saiam da sala de concerto cheias de coisas novas, de questões, enigmas talvez, que se ponham em causa e, neste caso, dada a comicidade da obra, saiam com boa disposição.
Foi mais difícil montar este espetáculo do que o anterior?
Isso é relativo. Este espetáculo é muito diferente da “Querela dos Grilos”. A Querela tinha 45 minutos e este tem 80, o que por si só já requer mais tempo. Este envolve muito mais pessoas pois além do quarteto e do barítono contaremos com um grupo de teatro amador de 8 a 10 pessoas. Este espetáculo envolve também vídeo, luz e figurinos muito mais complexos.
Gostaríamos de perguntar agora ao Mário João Alves: Criar um libreto para ser musicado por Nuno Côrte-Real e encenado pelo António Durães foi uma proposta irrecusável?
Irrecusabilíssima! Há muito, muito tempo (cantaria o José Cid!) ia vendo o Durães no Teatro São João a cantar Sondheim e a fazer Beckett. Depois teve a gentileza de colaborar na apresentação da minha Valsa dos Sem-Isqueiro. Depois ainda, encenou um Elixir do Amor em que me pôs a cantar num oceano de feno. Sou fã do António! Quanto ao Nuno, vi-lhe óperas na Gulbenkian e no São Carlos, e depois fui dirigido (e que bem!) por ele numa obra do Carrapatoso e depois no seu Banksters. Isto é gente de quem se gosta no trabalho, que faz as coisas a sério, com jeito, com sabedoria e com paixão. Aprendemos todos os dias a gostar mais desta gente. Quando me lançaram esta rede, fui aquele peixe que se finge de morto e se deixa apanhar com um típico sorriso de peixe.
Foi um processo rápido? As ideias encadeavam-se rapidamente ou, por outro lado, houve necessidade de voltar para trás algumas vezes?
A ideia inicial foi um relâmpago. Não sei de onde caiu. Ouvi só o estrondo do trovão e depois aquela luz e, o título atingiu-me na vertical. A trama foi surgindo pela reflexão, pelo encadeamento das ideias, pela busca e durante o exercício da própria escrita. Foi importante desde o início a sensação de confiança e espírito aberto transmitidos pelo Quarteto.
Agora que tudo está pronto para subir ao(s) palco(s), o Mário sente que houve uma comunhão perfeita entre os envolvidos? Gostaria de repetir a experiência noutros contextos mas com os mesmos intervenientes?
Quando se fala de criação conjunta, há comunhão e divergência. Quando se fala de criação conjunta com F.A.P.O.C. (forte admiração pelos outros criadores) o processo simplifica-se. Todos os criadores são ciosos das suas criações, são resistentes a qualquer interferência nas mesmas. Mas quando estamos a trabalhar com alguém em quem confiamos técnica, artística e esteticamente, é mais fácil ceder, passar um cheque em branco (em cinza claro, vá!). Na verdade foi o que a gente boa do Quarteto fez comigo e, pela minha parte, nunca duvidei de que a música do Nuno fosse soberba, nem que o trabalho do António fosse sábio. Os problemas que o meu texto lhes pôs acrescentaram-lhes algumas voltas na cama, mas... eu sei que eles nem gostam de dormir assim tão direitinhos! E sim, gostava de repetir seguramente. Pode ser-se muito feliz com este tipo de gente.
António Durães, tendo em conta que já não é a primeira vez que trabalha com o Quarteto Contratempus, podemos afirmar que cada vez é mais fácil agilizar processos com esta formação?
Não se trata, tanto, de uma questão de facilidade, mas sim de (re)conhecimento de possibilidades e potencialidades. Trata-se de uma formação curta e ágil que, à medida que vamos trabalhando, vai intuindo a linguagem cénica que estabelecemos para este ou para aquele projeto, ora mais formal ora mais experimental. Esse conhecimento, que é mútuo, permite a construção de linguagem mais rapidamente. Ou, como aconteceu neste caso, deixa que, ainda que conhecendo parcialmente a obra, a possamos ir construindo à medida que vai sendo composta, antes ainda de termos um conhecimento absoluto da sua totalidade. Ora, esta prática é possível, com alguma segurança e tranquilidade, quando estamos todos em sintonia. É isso consegue-se com a prática mais um menos rotinada.
O António considera que o facto de, em cada cidade onde será apresentada esta obra, a produção do Quarteto Contratempus convidar um grupo de teatro amador da comunidade para uma participação especial, torna o resultado final algo novo em cada apresentação? Em que medida este tipo de iniciativa condiciona o trabalho do encenador?
Neste caso, não condiciona. Ou esse condicionamento é muito residual. A participação deste primeiro grupo, no caso os Plebeus Avintenses, permitiu que construíssemos e testássemos possibilidades que podem facilmente ser replicadas nos outros locais. Claro que construímos a partir destas pessoas e das suas diferentes personalidades mas, em qualquer dos locais onde a obra será apresentada e onde se juntará um grupo local, haverá abertura para adaptar as pequenas histórias que, no entretanto, são contadas a partir da história matricial. Regra geral, o espetáculo é uma coisa viva e relativamente aberta. Este é-o um pouco mais à medida que vai viajando. Era muito interessante que, podendo voltar ao grupo original no fim da digressão, os Plebeus pudessem ser desafiados para um outro espetáculo, mesmo que partindo dos alicerces que eles ajudaram a construir. Esta é, também, a vitalidade do espetáculo, espero.
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