Maria Ana Bobone e as novas abordagens ao Fado
Maria Ana Bobone em entrevista fala-nos de si, do seu percurso e dos seus projetos. Não teme ser mal interpretada devido às arrojadas abordagens que faz e lembra que no início do século XX o fado já era acompanhado ao piano. «Eu nunca fui uma fadista tradicional. Isso traduziu-se sempre em projetos altamente personalizados. (...) O Fado e Piano, que é o mais personalizado dos meus CD’s, está bastante defendido pelo facto de ser histórico que o fado era acompanhado ao piano no início do século XX e, portanto, não se poder dizer que é sacrilégio... Tenho noção, no entanto, que é uma abordagem completamente diferente da tradicional, apesar de igualmente legítima».
Maria Ana Bobone, muito obrigado por ter aceitado o nosso desafio para esta entrevista. Quando percebeu que o fado iria fazer parte do seu dia-a-dia?
O prazer é meu. Demorei algum tempo a perceber que o Fado viria a ser a minha vida... Em miúda tinha a ideia de que era uma profissão de risco, e então estudei, formei-me em comunicação social, continuei e terminei os meus estudos de piano e canto, e a vida foi-me levando sempre para o fado pelas oportunidades que me foi dando e porque eu me fui apaixonando cada vez mais. A decisão de me dedicar exclusivamente à música e ao fado foi-se dando gradualmente e finalizou quando lancei o meu CD “Nome de Mar” em 2006.
Estudou Canto e Piano no Conservatório Nacional de Música de Lisboa. Pensa que o piano poderá ser um bom aliado das suas interpretações na área do fado? Alguma vez sentiu por parte dos “puristas” do fado algum constrangimento pelas inovações que tem protagonizado neste género musical?
Eu nunca fui uma fadista tradicional. Isso traduziu-se sempre em projetos altamente personalizados. Quanto à questão que me coloca, O Fado e Piano, que é o mais personalizado dos meus CD’s, está bastante defendido pelo facto de ser histórico que o fado era acompanhado ao piano no início do século XX e, portanto, não se poder dizer que é sacrilégio... Tenho noção, no entanto, que é uma abordagem completamente diferente da tradicional, apesar de igualmente legítima. Tenho tido, ao longo da vida, a sorte de ter participado em projetos de grande originalidade e qualidade como foi o “Luz Destino” projeto conjunto com Ricardo Rocha e João Paulo, seguido do “Senhora da Lapa”, um cd de originais destes mesmos dois extraordinários músicos que vieram ao meu encontro escrevendo canções. Estes trabalhos inovadores - fado acompanhado ao cravo, piano e guitarra portuguesa - recolheram sempre excelentes críticas tanto de colegas como da imprensa.
Considera que o trabalho "Alma Nova" é o grande responsável por ter mostrado ao mundo a Ana Maria Bobone?
Foi um começo. Mostrava-se ali apenas uma menina que ainda tinha muito que aprender...!
“Luz Destino” e “Senhora da Lapa” reforçaram o seu ímpeto “reformista” com a introdução do cravo e do saxofone. O facto de manter a Guitarra Portuguesa mostra que tem que haver sempre um fio condutor nesta linguagem musical?
Penso que o fio condutor é fundamental para dar coesão a um projeto. Nestes casos, que foram trabalhos assinados em conjunto, essa coesão surgiu espontaneamente, porque eram, o piano/cravo e a guitarra, os instrumentos dos músicos envolvidos.
“Nome de Mar” foi muito bem recebido pelo público e pela imprensa. Há, em sua opinião, alguma razão que tenha contribuído para esta forte adesão? O que diferencia este trabalho dos anteriores?
Chamei a este CD o meu primeiro trabalho a solo. Tive um envolvimento total na escolha das canções, poemas e arranjos e é diferente dos outros CD’s porque é mais personalizado e talvez mais simples. Canto fado com um trio tradicional de guitarras, não resistindo porém a incluir experiências em algumas faixas. Por outro lado, consegui que fosse editado pela Farol música, uma editora nacional, enquanto que os anteriores (Luz Destino e Senhora da Lapa) foram lançados pela MA.Records, que é uma editora Americana sediada em Tóquio que sempre apostou apenas no mercado internacional.
Pensa que o facto de ser uma fadista com uma sólida formação musical facilita a reunião de tantos e tão prestigiados músicos em torno dos seus projetos?
Não sei. O que eu sinto é uma afinidade musical orgânica, tem pouco a ver com a formação, embora eu ache que a formação potencia o gosto pela música.
Para além de pisar regularmente os principais palcos portugueses, tem sido convidada para atuar lá fora. Como tem sido recebido o seu fado por esse mundo fora? Há alguns momentos que a tenham marcado durante essas digressões?
Tenho sido sempre extraordinariamente bem recebida em todos os países em que atuei. Marca-me sempre quando mergulhamos noutra cultura e misturamos a sonoridade do fado com a música local do país em que estamos... aconteceu em Goa quando cantei o mandó do Adeus com guitarra e viola, no Chile quando afadistámos o Gracias á la Vida da Violetta Parra, e tantas outras vezes.
“Fado & Piano” é produzido em parceria com o produtor Rodrigo Serrão. Este disco, para além da sua voz e do seu piano conta com a Guitarra Portuguesa e com o Contrabaixo. Esta é a formação com a qual se sente mais confortável em palco e em estúdio?
Este trabalho tem duas composições minhas e é totalmente acompanhado por mim ao piano. Esta formação é maravilhosa porque trás aos fados uma cor diferente e, é muito confortável porque me permite exprimir também através do toque e dos arranjos. Para além disso, é uma posição diferente da do cantor tradicional, mais entrosada, mais participante e mais completa. Apesar de tudo não prescindo de cantar também com o trio tradicional.
Em 2015 lançou "Smooth", disco dedicado à luta contra a Leucemia. O disco representa um adeus ao Fado ou um “até já”?
Este CD foi um momento à parte. Surgiu de uma vontade artística que eu sempre tive, de voar para outras linguagens musicais. É uma exceção completa e, como tal, absolutamente livre. Nele pude dar largas à composição de canções (até uma das letras) e, com o Rodrigo Serrão e o Eurico Machado, voltar ao “chip” das bandas de garagem da adolescência. Há coisas que não podemos deixar de fazer, esta foi uma delas. Foi instantaneamente adotado pela rádio Smooth e recolheu também excelentes críticas do público. Para tornar este CD ainda mais especial, fizemo-lo reverter na totalidade para a APCL (Associação Portuguesa contra a Leucemia).
A causa inerente a este disco reveste-se de uma enorme nobreza. Sente-se uma mulher de causas?
Sim.
Ainda em "Smooth" voltou a trabalhar com o Rodrigo Serrão. Considera que encontrou neste músico o parceiro ideal para que as suas ideias musicais cheguem a bom porto?
Sim, sem dúvida. O Rodrigo Serrão foi o produtor que me permitiu encontrar aquilo que queria transmitir. Potenciou-me enquanto cantora, compositora, pianista, quer pelo incentivo, mas também pela generosidade com que me deu espaço e sem influenciar, me ajudou a encontrar o meu caminho musical. Enquanto produtor, trabalha de uma forma que permite que as pessoas se encontrem a elas mesmas, o que é extraordinário.
Muito obrigado por esta partilha que proporcionou aos nossos leitores. Há projetos novos para breve?
Ainda é cedo para contar, mas estão em progresso (risos).
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