Jorge Camacho. O clarinete e o ensino de mãos dadas.

O clarinetista Jorge Camacho fala-nos da sua carreira e dos seus vários projetos pedagógicos e performativos. Embora os momentos que se vivem não sejam fáceis para os profissionais que se vão formando, há uma transformação natural que traz novos formatos e novas soluções. É neste sentido que o nosso entrevistado nos diz que «Cada vez menos, os alunos que acabam os cursos superiores nas várias escolas do país, encontram uma situação estável de emprego, quer a tocar, quer a lecionar. Isto, agregado ao cada vez maior número de maestros formados no país, vai fazer com que se agrupem em projetos de orquestra com apoios regionais ou autárquicos, o que já acontece um pouco por todo o país. Com certeza que o aumento destes agrupamentos irá ter como consequência a criação de novas orquestras com nível elevado e com uma programação constante».
Muito obrigado por nos conceder esta entrevista. Ainda se recorda dos motivos que o levaram a inscrever-se nas aulas de música da Sociedade Filarmónica Incrível Almadense? O clarinete já era o instrumento preferido?
Antes de mais, quero agradecer esta entrevista, assim como dar os parabéns à XpressingMusic pela divulgação da música e músicos em Portugal.
Quando tinha 10 anos gostava muito de ir à matiné do cinema da Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, a qual também tinha uma banda filarmónica. Inscrevi-me na escola de música da banda porque ao fazê-lo, teria bilhetes grátis para as matinés. O clarinete era o instrumento que havia disponível na altura, e que mais fazia falta à formação da banda. Penso ter sido um feliz acaso. Tive também a sorte de ser integrado num projeto social que é o movimento associativo almadense, que me deu as ferramentas para desenvolver o amor pela música.
Étienne Lamaison e Nuno Silva foram nomes muito importantes para que abraçasse a música profissionalmente ou essa era uma decisão que já havia tomado há muito tempo?
A decisão de estudar música com vista a uma carreira profissional deu-se aquando do meu ingresso na Escola Profissional de Música de Almada, na classe do Professor Rui Martins que me deu as bases e o nível para continuar os meus estudos a nível superior. Foi aí que estudei com o Professor Nuno Silva durante três anos e o Professor Étienne Lamaison no último ano de licenciatura. Além das excelentes qualidades pedagógicas que lhes são reconhecidas, fizeram-me viver a música e o clarinete de uma forma muito intensa durante os meus estudos. Foram eles que me incentivaram a fazer cursos, concursos e provas de orquestra que lançaram a minha carreira.
A direção é outra área que o fascina? O que o levou a procurar formação nesta área? Foi decisiva a formação em Direção de Orquestra com o maestro Jean-MarcBurfin?
Sempre tive o “bichinho” da direção. Comecei por dirigir ensembles de clarinete, mais tarde orquestras de sopro e orquestras clássicas. Chegou um momento em que senti que teria fazer algo mais em relação à minha formação nessa área. O maestro Jean-Marc Burfin, além de amigo pessoal de longa data, já tinha sido meu professor de orquestra enquanto instrumentista, durante a minha primeira licenciatura. Reconhecendo-lhe todo o mérito do seu percurso enquanto professor de Direção de Orquestra, tornou-se fácil a escolha daquele que ainda hoje é o meu professor. Foi o maestro Jean-Marc Burfin que, com a sua exigência, me fez levar a direção de orquestra para outro patamar na minha carreira. Ainda tenho muito para evoluir com ele, tendo como principal ambição tornar-me um músico melhor.
Neste âmbito também fizeram parte do seu percurso formativo nomes como Emilio Pomarico, António Saiote, Pedro Neves e José Brito. Considera importante absorver conhecimentos das várias “escolas” de direção para que possa construir a sua forma própria de dirigir?
Considero fundamental a inclusão de técnicas ou ideias de diferentes “escolas” para a formação de uma personalidade artística mais forte e fundamentada. Alguns maestros dão mais primazia à técnica do gesto, outros às técnicas de ensaio ou ao conhecimento e análise das obras. Enquanto instrumentista da Orquestra Metropolitana, tenho o privilégio de conhecer alguns dos maestros mais prestigiados a nível internacional, aos quais peço aulas ou apenas conversas sobre a direção e música em geral.
Sente-se um privilegiado por poder trabalhar num contexto como o da Metropolitana de Lisboa?
Tendo sido na Academia Nacional Superior de Orquestra que realizei os meus estudos de instrumentista de orquestra, sinto-me privilegiado por trabalhar na mesma instituição que me formou e na área para a qual estudei, sabendo da dificuldade que é ganhar uma audição para orquestra. É na Orquestra Metropolitana de Lisboa que desenvolvo a minha principal atividade enquanto clarinetista e onde tenho a oportunidade de realizar projetos de música de câmara e recitais a solo, assim como trabalhar com grandes maestros e tocar nas melhores salas do país.
A sua passagem pela Academia de Música de Almada, pelas orquestras de clarinetes da Academia de Música de Alcobaça e pelo Conservatório Regional das Caldas da Rainha mostra que é um homem de projetos?
Paralelamente à minha carreira de instrumentista de orquestra, sempre desenvolvi uma atividade muito intensa na área do ensino. Passei por diversos conservatórios, universidades e academias de música onde tentei sempre desenvolver projetos com o objetivo de motivar os alunos. Falo de estágios de orquestra, digressões, organização de masterclass, concertos, etc. Aprendi muito com o contacto que tive com todas as escolas onde ensinei, assim como me orgulho dos alunos que por mim passaram. Alguns deles já são meus colegas.
Dos vários prémios conquistados, há algum, ou alguns que destaque?
O prémio que me deu mais projeção foi o 1º prémio do 1º escalão do Concurso Nacional de Jovens Clarinetistas em 1999. Depois de já ter ganho alguns concursos regionais, e numa fase em que concluía o ensino superior, foi este prémio que me deu visibilidade no panorama do clarinete em Portugal. Este prémio fez com que fosse convidado a realizar recitais em congressos e encontros internacionais em representação de Portugal.
Chegou a passar pela Orquestra Filarmonia das Beiras...
Além de ter ganho o lugar de Solista “A” na altura da criação da Orquestra Filarmonia das Beiras, acabei por não integrar a orquestra por me encontrar na altura a concluir os meus estudos em Lisboa. Contudo, mais tarde apresentei-me a solo com a orquestra onde toquei o Concerto para Clarinete de Carl Nielsen com a direção do maestro Jean-Marc Burfin.
Como solista, há alguns momentos que recorde com especial carinho?
Enquanto ainda aluno da Academia Nacional Superior de Orquestra, fui convidado pelo Maestro Jean-Marc Burfin para tocar a solo com a Orquestra Académica Metropolitana a “Premiere Rhapsodie” de Claude Debussy. Foi a primeira vez que toquei a solo com orquestra, com colegas e amigos, o que fez com que fosse um momento muito especial. Também recordo com muito carinho os concertos com o Lux Rivus Trio (Clarinete, Jorge Camacho; Violoncelo, Franz Ortner; Piano, Joana Gama), em que nos apresentámos em vários recitais, nomeadamente para a Antena 2 e no IX Encontro Internacional do Clarinete, realizado em Lisboa. Ambas as recordações têm em comum a música feita entre amigos, que penso ser um fator muito importante para o sucesso do grupo.
O convite para integrar a Orquestra Filarmónica das Américas sediada em Nova Iorque foi um momento inesquecível? Como surgiu esta oportunidade?
A digressão com a Orquestra Filarmónica das Américas foi uma experiência única. Trabalhei com a maestrina ALondra de la Parra, conheci um novo repertório escrito quer na América do Norte quer na América do Sul, viajei pelos Estados Unidos, troquei experiências com músicos um pouco de todo o mundo, e com alguns dos quais criei amizade. Esta oportunidade surgiu através do meu grande amigo Nuno Antunes, sediado em Nova Iorque e que já tocava clarinete regularmente com esta orquestra. Com ele tive o prazer de voltar a tocar em naipe passados doze anos.
Portugal é apontado como um país de poucas orquestras, logo, de poucas oportunidades. Considera que a criação de novas orquestras em Portugal é algo concretizável a médio prazo?
Cada vez menos, os alunos que acabam os cursos superiores nas várias escolas do país, encontram uma situação estável de emprego, quer a tocar, quer a lecionar. Isto, agregado ao cada vez maior número de maestros formados no país, vai fazer com que se agrupem em projetos de orquestra com apoios regionais ou autárquicos, o que já acontece um pouco por todo o país. Com certeza que o aumento destes agrupamentos irá ter como consequência a criação de novas orquestras com nível elevado e com uma programação constante.
Enquanto professor tem integrado vários projetos pedagógicos. Onde se encontra a lecionar neste momento?
Neste momento sou professor na Escola de Música do Conservatório Nacional, onde sou maestro das orquestras de sopro e dirijo a Orquestra Geração Municipal de Lisboa. Estou no Projeto Geração pelo terceiro ano consecutivo, pelo qual tenho um carinho enorme talvez pelo facto de me sentir identificado com alguns dos alunos que ali encontram uma porta aberta para o mundo da música.
Mais uma vez muito obrigado por esta partilha que nos proporcionou. Há algum sonho que gostasse de concretizar em breve?
Sem ter nenhum sonho em concreto, peço para nunca parar de aprender e para melhorar a cada dia a minha relação com a música, quer no clarinete quer na direção.
Muito obrigado à XpressingMusic, na pessoa do Bruno Amaral, pela oportunidade de poder dar a conhecer um pouco da minha carreira. Votos de continuação do excelente trabalho que desenvolvem no meio musical português.
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