Nuno Silva. O percurso e o dia-a-dia do clarinetista português.
«As várias vertentes da minha carreira são valências transversais que se complementam e interagem umas com as outras, ajudando-me a definir como profissional. O desafio é descobrir o nosso papel em cada uma destas vertentes, e tentar encontrar a forma de ser mais eficaz e mais útil em cada uma delas. A orquestra é a vertente mais difícil, não escolhemos a música que tocamos e a maior parte das escolhas interpretativas são feitas pelos diferentes maestros. Apesar de tudo isto, é na orquestra que encontro o maior prazer. Como músico, sinto-me um privilegiado por fazer parte de uma orquestra e poder tocar todo o grande reportório, desde as sinfonias de Beethoven às sinfonias de Brahms e Mahler. Gerir uma agenda com todas estas vertentes não é tarefa fácil, no entanto, faço cada uma delas com enorme prazer e paixão o que torna tudo bastante mais fácil».
Nuno Silva, muito obrigado por nos conceder esta oportunidade de o conhecer melhor. António Saiote, Hans Deinzer, Pascal Moragués e Hakan Rosengren são influências que se refletem muito na sua forma de encarar e de interpretar a música?
Eu é que agradeço a oportunidade. Todos os professores com quem estudei tiveram uma grande importância no meu desenvolvimento e sem dúvida que transporto comigo um pouco de cada um deles. Tive o privilégio e a sorte de ter trabalhado com estes ilustres professores e sinto que me cruzei com cada um deles no momento ideal da minha vida.
Como foi a sua aprendizagem até chegar ao Conservatório Nacional?
A minha aprendizagem até chegar ao Conservatório Nacional foi feita numa banda filarmónica, como acontece com a maioria dos jovens instrumentistas de sopro em Portugal. No meu caso, foi na banda da Sociedade Filarmónica União Arrentelense que é a banda da minha terra que fica na margem sul do Tejo, a cerca de 20 Km de Lisboa.
Rumar até à Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) e, mais tarde até à California State University foram opções muito refletidas?
Eu, juntamente com o Carlos Alves e o Moreira Jorge, formámos a primeira classe de clarinete da ESMAE em setembro de 1991. Nesta altura, o meio musical português era completamente diferente do atual e o número de escolas superiores era muito mais reduzido, resumindo-se à ESML e, salvo erro, Universidade de Aveiro. No meu caso, acabou por ser uma decisão natural pois já estudava com o professor António Saiote desde os meus 12 anos e já tinha consciência que se quisesse continuar a estudar em Portugal, era onde ele estivesse. A decisão de ir estudar e viver para os EUA foi uma decisão algo impulsiva e aventureira. Estudar na California State University foi o realizar de um sonho de adolescente, pois sempre tive o sonho de estudar numa universidade americana e poder fazê-lo com o professor Hakan Rosengren foi juntar o útil ao agradável. Os dois anos inesquecíveis que vivi em Los Angeles foram, a todos os níveis, determinantes para o que sou hoje como músico e como homem.
O que sente um músico português ao receber um convite para integrar a Phi Kappa Phi Honors Society?
O convite para integrar a Phi Kappa Phi Honors Society surgiu por ter obtido classificação máxima a todas as cadeiras durante o meu mestrado na California State University. Quando recebi o convite nem me apercebi da dimensão e importância do mesmo, no entanto, quando fui à cerimónia de iniciação, rapidamente me apercebi do prestígio que está associado a esta organização, bem como, das personalidades a nível mundial e em todas as áreas do conhecimento que dela fazem parte. É um grande orgulho e sinto o reconhecimento por todo o meu esforço e trabalho realizado durante aqueles 2 anos.
O doutoramento na Universidade de Évora é a busca pelo domínio de alguma nova área do conhecimento musical?
No início, comecei o doutoramento por necessidade de habilitações. Em Portugal, a música tem um tratamento semelhante às outras áreas do conhecimento e por isso, como professor do ensino superior devo ter um doutoramento. Apesar de estar a adorar a minha investigação e de muito estar a aprender com ela, sinto alguma revolta com o facto da minha experiência musical com mais de vinte anos a tocar em orquestra, em recital e a solo ser completamente ignorada no que respeita a diplomas. Ao tocar em orquestra presto provas todos os dias perante os meus colegas e perante os diferentes maestros que por lá passam, para além de cerca de 100 concertos por ano. No meu entender, este tipo de atividade deveria ser valorizada e eventualmente reconhecida do ponto de vista académico. Agora que já desabafei, falemos, então, do meu doutoramento. O tema da minha investigação prende-se com um fenómeno chamado Contextual Interference Effect (CIE) que traduzido em português quer dizer “o efeito da interferência no contexto”. Este fenómeno, aplicado à música, aponta para uma maior rapidez na aquisição, retenção e transferência de competências motoras para o momento da performance propondo uma alternativa ao estudo regular, baseado na repetição. Esta investigação tem-me dado um enorme prazer e será, sem dúvida, uma ferramenta de trabalho muito útil para a minha vida profissional enquanto músico e professor.
De todos os prémios e distinções recebidas até ao momento, há alguns que tenham um maior significado para o Nuno Silva?
Os prémios e distinções têm mais importância quando se é jovem, pois podem ajudar a abrir portas e oportunidades de desenvolvimento, tornando-nos mais conhecidos e reputados entre os nossos pares. Os resultados dos concursos são normalmente um reflexo do que os outros (júri) pensam de nós num determinado momento da nossa vida, como tal, não faz muito sentido atribuir-lhe muita importância. Há músicos que conseguem obter um alto rendimento durante os concursos e outros que se revelam melhores noutras situações de performance, por isso não costumo dar muita importância aos prémios (meus ou de outros).
Os registos que tem deixado gravados são marcos importantes para si? Quais os registos que assumem maior relevância?
Os CD’s que tenho gravado têm sido importantes na medida em que eu tenho aprendido muito sobre mim durante o processo de preparação e gravação. Gravar é uma atividade extremamente difícil e complexa que exige o melhor de nós em todas as nossas competências e, por isso, são também uma grande oportunidade de evolução e aprendizagem. Para além disso, os CD’s são uma boa ferramenta de publicidade e promoção e hoje, com as plataformas de venda na internet, a nossa gravação pode correr mundo em alguns segundos apenas. O meu último CD com o Quinteto de Mozart K581 e o Concerto de Copland para clarinete e orquestra foi gravado ao vivo. Sinto-me cada vez mais atraído por este tipo de gravação que se propõe imortalizar um determinado momento que de outra forma se perderia para sempre. Numa gravação deste género, os microfones captam o ambiente emocional da sala e a relação entre os músicos e o público e, na minha opinião, isto nunca se encontrará numa gravação de estúdio.
O reconhecimento de grandes marcas como a Buffet Crampon e D’Addario Woodwinds representam o bom exemplo que o representa para as novas gerações de clarinetistas?
As relações de parceria que mantenho com a Buffet Crampon e com a D’Addario Woodwinds são relações profissionais baseadas na confiança e no respeito recíproco. Ambas têm sido muito importantes no desenvolvimento da minha carreira, facto pelo qual, estou muito grato e espero retribuir com toda a minha dedicação e profissionalismo, dando a minha imagem como exemplo para os jovens clarinetistas.
Quando passa por países como Espanha, França, Bélgica, Holanda, Suíça, Itália, China, Austrália, E.U.A, Brasil, entre outros, sente que Portugal deixa atualmente uma marca no universo do clarinete? Estamos a colher os frutos das sementes lançadas por António Saiote?
É um facto indesmentível que os clarinetistas portugueses gozam neste momento de uma respeitosa reputação a nível mundial. É verdade que hoje viajamos mais e a internet ajuda muita na promoção e globalização dos clarinetistas portugueses mas a qualidade é fundamental e esta, tem vindo a subir muito de ano para ano. Não há presente sem passado, e para chegarmos até aqui, alguém teve que iniciar o processo pondo a máquina a andar. António Saiote é a figura principal desta história e ficará para sempre conhecido como o fundador e o criador da escola portuguesa do clarinete.
Outra área que abraça é a da docência. Encara o ensino como uma missão?
O ensino é acima de tudo uma paixão. É uma das vertentes da minha atividade profissional que mais me realiza. A dialética com os alunos é extremamente interessante e a aprendizagem que dela retiro é extremamente compensadora. O ensino é também uma missão na medida em que o futuro dos jovens que estudam comigo e que confiaram em mim para os ajudar a desenvolver depende muito do meu empenhamento e da minha seriedade enquanto professor. A formação de um músico é muito complexa e demora uma vida. Como professor do ensino superior, trabalho com alunos durante 3 anos, no caso da licenciatura ou 5 anos, no caso do mestrado. Durante este período, que é bastante curto, tenho que dotar o aluno de competências técnicas e musicais, que lhe permitam ter no final do curso um elevado grau de autonomia que lhe possa conferir uma certa independência artística e solidez técnica.
Como é o dia-a-dia de um músico como o Nuno? É fácil conciliar a carreira de performer com a docência e com a investigação? Ser músico da Orquestra Metropolitana é tarefa muito exigente?
O meu dia-a-dia é, de facto, muito preenchido, todas as atividades se encaixam umas nas outras como se fossem peças de lego. Todos os dias de trabalho são muito longos, no entanto, cada dia é diferente do anterior, nunca havendo espaço para a rotina se instalar. As várias vertentes da minha carreira são valências transversais que se complementam e interagem umas com as outras, ajudando-me a definir como profissional. O desafio é descobrir o nosso papel em cada uma destas vertentes, e tentar encontrar a forma de ser mais eficaz e mais útil em cada uma delas. A orquestra é a vertente mais difícil, não escolhemos a música que tocamos e a maior parte das escolhas interpretativas são feitas pelos diferentes maestros. Apesar de tudo isto, é na orquestra que encontro o maior prazer. Como músico, sinto-me um privilegiado por fazer parte de uma orquestra e poder tocar todo o grande reportório, desde as sinfonias de Beethoven às sinfonias de Brahms e Mahler. Gerir uma agenda com todas estas vertentes não é tarefa fácil, no entanto, faço cada uma delas com enorme prazer e paixão o que torna tudo bastante mais fácil.
Muito obrigado por este tempo que dedicou aos leitores do XpressingMusic – Portal do Conhecimento Musical. Quais os projetos que ainda sonha abraçar num futuro próximo?
Eu é que agradeço a oportunidade de dar a conhecer a minha atividade e as minhas ideias. Normalmente não faço muitos planos, quase tudo na minha carreira tem aparecido de forma mais ou menos espontânea e é assim que eu gostava que continuasse. Tenho vários projetos previstos para os próximos 2 anos que me irão ocupar uma grande parte do meu tempo e energia mas que, ao mesmo tempo, representam um enorme desafio e os quais aguardo com grande entusiasmo. Entre estes projetos, encontram-se: a edição do concerto de Mozart em CD com a Orquestra Metropolitana de Lisboa e o maestro Pedro Amaral, concerto de Magnus Lindberg e Domaines de Pierre Boulez, ambos com a Metropolitana. No Verão de 2016 voltarei a tocar o concerto de Mozart e farei uma digressão na China dando recitais e masterclasses.
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