João Barroso. Um oboé em português na Itália.
João Barroso é mais um músico que enche de orgulho Portugal e os portugueses. Recentemente foi vencedor da audição para oboísta solista da Orquestra do Teatro Regio di Torino, em Itália. É nessa grande conquista que está focado embora tenha outros projetos para concretizar. «Neste momento não tenho muitos projetos externos à orquestra. Tenho no final deste mês um concerto como solista com o Rudolf Koelman, ex-Concertino da Orquestra Concertgebouw. Fazemos o Concerto para Oboé e Violino de J.S. Bach. No próximo ano farei uma pequena digressão pela Suíça, com gravação de CD, com o Concerto de B. Martinu para Oboé e pequena orquestra, com a Orquestra Nacional de Jovens da Suíça. Mas estou acima de tudo muito entusiasmado por começar esta nova etapa em Turim. Esse é o meu maior projeto de momento».
João, muito obrigado por nos conceder este espaço para que conheçamos ainda melhor o seu trabalho. Recentemente venceu a audição para oboísta solista da Orquestra do Teatro Regio di Torino, em Itália. O que significa para o João Barroso esta conquista?
Agradeço eu pelo reconhecimento. Claramente, esta conquista faz-me sentir concretizado depois de tudo o que aprendi, todo o esforço que, como qualquer outro músico, fiz para um dia poder fazer o que amo profissionalmente. Já tinha trabalhado com a Orquestra do Teatro Regio de Turim antes e foi sempre uma experiência fantástica, portanto, para além do significado mais evidente desta conquista, posso também dizer que estou muito feliz por ter sido admitido para um posto de trabalho que almejava.
Ter ocupado o lugar de 1º Oboé na Orchestra del Teatro alla Scala em Milão deu-lhe o privilégio de trabalhar com prestigiados músicos e maestros. Recorda-se de algumas experiências marcantes neste âmbito?
Sim, inúmeras lembranças que nunca esquecerei. Até mesmo antes do meu primeiro ensaio com a orquestra, naquela semana o manager da orquestra pediu-me para o encontrar no teatro para que me pudesse mostrar a sala e explicar-me tudo o que havia de importante para saber. Por fim levou-me à sala principal e diz-me: “e é aqui que decorrem as récitas”. Nada me podia ter preparado para aquela emoção. Não só é uma sala lindíssima e inacreditavelmente grande e alta, como tem uma história e consequentemente uma energia tão forte que é impossível para qualquer pessoa ser indiferente a tal. E claro, desde a minha primeira produção lá tenho vindo a trabalhar com maestros fantásticos, Barenboim, Chailly, Luisi, Noseda, Blomstedt... Ainda na semana passada fizemos concertos fantásticos com o maestro Gatti, que é, na minha opinião, um dos melhores maestros da atualidade. Seria necessária uma entrevista só a esse respeito para poder descrever cada experiência marcante que tenha passado naquele Teatro.
Sente-se bem trabalhando em Itália? Há mais-valias em trabalhar nesse país?
Sinto-me muito bem em Itália, sim. A diferença de culturas e histórias pode, efetivamente, fazer com que sintamos e pensemos de forma um pouco diferente, o que pode fazer a música resultar também de modo diferente. Mas acho que música tem o seu próprio valor, independentemente de onde vem, de por onde passa e de onde chega. Aquilo que posso interpretar como uma mais-valia em trabalhar em Itália é o facto de que a Ópera não só seja forte na cultura italiana no âmbito artístico, como também no âmbito popular. Lembro-me de um colega no Scala falar-me de memórias que tem da mãe dele em casa a cozinhar ou a limpar a casa enquanto cantarolava temas da ópera Aida. O povo italiano tem a música deles no sangue e nas histórias das suas vidas. Uma vez que a Ópera se apoderou de parte da minha vida, fazer o meu trabalho em contacto direto com esta cultura não tem preço.
Agora trabalhará com o maestro Gianandrea Noseda. Já conhecia o trabalho deste maestro?
Sim. A minha primeira produção marcante como 1º Oboé no Teatro alla Scala foi com o maestro Noseda com a ópera Aida. Um excelente maestro!
Irá continuar a colaborar com o Ensemble Palhetas Duplas?
Não sei. Eu já há muito tempo que não tenho colaborado com o grupo, mas não por falta de vontade. Há 6 anos que não só não vivo em Portugal como é muito raro ter tempo para voltar, e portanto o contacto foi-se perdendo. Eu conheço bem o ensemble desde a sua formação e acompanhei sempre o percurso do grupo, pois eu estudava com o Professor Francisco Luís Vieira, fundador e diretor artístico do grupo. Terei sempre todo o gosto em colaborar com o grupo, desde que tenha a disponibilidade necessária.
Olhando agora para trás, recorda quais foram, em sua opinião, os momentos mais marcantes da sua formação? O oboé foi uma primeira escolha?
Torna-se cada vez mais difícil para mim distinguir apenas determinados momentos como marcantes ou, principalmente, importantes. Cada vez tenho mais consciência da importância de cada passo e de cada momento de um percurso. Desde o cheiro das salas de música na sede da Banda Filarmónica onde entrei pela primeira vez em contacto com a música, os 5 anos que passei na EPABI, na Covilhã, vivendo ali sem a minha família, mesmo na ANSO apesar de ter lá estado apenas 1 ano, depois os 5 anos que estive em Zurique e todos os grandes músicos que, de uma forma ou de outra, deixaram uma grande marca na minha vida. Mesmo agora que já terminei os meus estudos, toda a experiência de trabalhar em grandes orquestras com grandes maestros é parte de uma formação infinita. E foi tudo tão importante e tão marcante.
Relativamente à segunda pergunta está inerente um dos momentos que posso descrever como marcantes. O oboé não foi o meu primeiro instrumento. Eu comecei na Banda com o Clarinete. Houve um pequeno período no meio no qual toquei saxofone, mas voltei ao Clarinete. Paralelamente, estive um ano no Conservatório de Palmela a estudar violino. Foi neste período que ouvi um Oboé pela primeira vez, e nasceu naquele instante uma grande paixão. Foi só quando já estava para começar a estudar na Covilhã (Clarinete) que o Professor Luís Vieira me convida para ir a sua casa experimentar o Oboé. E esse foi um momento especial, porque foi nesse dia que decidi que iria ser Oboísta. Foi o meu primeiro encontro com o meu sonho.
Houve mestres que o tenham marcado de forma evidente ao longo desse percurso? Em que medida o influenciaram nomes como Francisco Luís Vieira, Hristo Kasmetski, Simon Fuchs, Maurice Bourgue, Hansjorg Schellenberger, Omar Zoboli, Cristian Cocchiararo, Jesús Fuster Palmer, Kevin Vigneau, François Leleux e David Walter?
De forma evidente foram, sem dúvida, os meus professores aqueles que mais me marcaram. Os meus primeiros 5 anos com o Oboé foram acompanhados pelo Professor Francisco Luís Vieira da forma mais impecável possível. É muito importante, nos primeiros anos, termos um mestre que esteja atento a todas as pequenas e grandes dificuldades que se possam revelar e saber remediar cada uma delas com toda a sabedoria, sensibilidade e pedagogia possível. Não poderia ter sido melhor acompanhado. Com o Professor Hristo Kasmetski, apesar de ter estado apenas 1 ano com ele, aprendi bastante. E finalmente o Professor Simon Fuchs, com quem passei os meus últimos 6 anos de formação, foi um grande mestre, a todos os níveis. Todos os outros nomes, e mais outros tantos que não estão mencionados, são de mestres com quem tive um contacto muito breve, apesar de em muitos dos casos ter sido muito positivo. Seria muito difícil uma aula num Masterclass ter um impacto equivalente àquele que teve um mestre presente durante anos.
Quais foram os músicos que mais o influenciaram? Elege algum deles como o seu músico predileto?
Uma pergunta difícil. Acho que não houve um músico que me tenha influenciado especialmente. Com a minha idade a trabalhar com tantos maestros importantes, estou ainda a aprender muito e a absorver todos os dias coisas muito especiais. É neste momento para mim impossível dar uma resposta objetiva a esse respeito. Mas no que toca a um músico predileto, acho que a Maria João Pires é aquela que mais vai ao encontro daquilo que acredito na música.
Há algum compositor que goste mais de interpretar?
Acho que a minha resposta mais honesta seria “não”. Mas Mozart poderá ser a resposta mais válida.
Portugal já se torna pequeno para acolher tantos músicos e tanta qualidade?
Nenhum espaço deve ser considerado demasiado pequeno quando se fala de qualidade. E em Portugal há muito talento, e muitos músicos com talento! Infelizmente não há apoio suficiente para abrir portas aos músicos e ao talento. O “espaço” não é o problema.
Antevêem-se para Portugal grandes mudanças políticas e sociais. O país poderá até entrar numa nova crise económica e financeira. Receia que isso venha a afetar mais uma vez a arte, a cultura e a música em particular?
O país ainda não saiu de uma crise económica e financeira, e não só... assim como a arte e a cultura, e a educação, ainda não deixaram de ser afetadas pelas crises. Honestamente, não sei até que ponto é que esta penalização possa ainda piorar. É lastimável o ponto ao qual chegou a situação. Portanto, se efetivamente houver alguma mudança, tal seria (espero) para melhor.
Desejava ver a música ser acarinhada e reconhecida de outra forma no seu país?
É claro que sim. Especialmente porque sei que existe todo o talento para que se possa fazer música ao mais alto nível, mas sem a atenção e apoio necessários não é fácil mudar seja o que for.
Muito obrigado por este tempo que dedicou aos nossos leitores e seguidores. Tem outros projetos que deseje concretizar em breve?
Neste momento não tenho muitos projetos externos à orquestra. Tenho no final deste mês um concerto como solista com o Rudolf Koelman, ex-Concertino da Orquestra Concertgebouw. Fazemos o Concerto para Oboé e Violino de J.S. Bach. No próximo ano farei uma pequena digressão pela Suíça, com gravação de CD, com o Concerto de B. Martinu para Oboé e pequena orquestra, com a Orquestra Nacional de Jovens da Suíça. Mas estou acima de tudo muito entusiasmado por começar esta nova etapa em Turim. Esse é o meu maior projeto de momento.
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