Horácio Ferreira, o clarinete e um mundo para conquistar.

Horácio FerreiraOrquestra Sinfónica Portuguesa, Sinfonieta da ESMRS, Orquestra Gulbenkian, Orquestra Clássica de Espinho, Orquestra Filarmonia das Beiras e a Orquestra Sinfónica da Póvoa de Varzim são algumas daquelas em que já atuou. Horácio Ferreira, apesar de muito jovem, tem um currículo rico em participações e já foi dirigido por vários maestros de prestígio internacional. Nesta entrevista quisemos conhecer melhor a sua carreira e todo o percurso realizado até chegar aos reconhecimentos que enchem de orgulho aqueles que fizeram, de uma forma ou de outra, parte da(s) sua(s) caminhada(s). “Trabalhar com diferentes maestros faz-nos experienciar pontos de vista, ideias e formas de trabalhar distintas. Cada músico tem a sua essência e os maestros exploram de forma muito particular as suas ideias. Sinto-me feliz por poder tocar regularmente com as várias orquestras pois considero que são sempre experiências enriquecedoras que me ajudam a crescer enquanto músico”.

Falar do clarinetista Horácio Ferreira é falar de alguém que teve que se esforçar muito e que teve que abdicar de muitas coisas para chegar ao ponto performativo que hoje apresenta?
Falar do clarinetista Horácio Ferreira, posso dizer que é falar de alguém que faz o que gosta e que procura a cada dia ser melhor músico e clarinetista desfrutando sempre de cada momento que a música e a profissão “músico” lhe proporcionam. Naturalmente que há um percurso que nem sempre foi o que desejei, um caminho que trouxe e trará algumas adversidades, mas que revendo cada momento que tenho passado me deixa satisfeito e com vontade de continuar a lutar pelos meus sonhos enquanto artista.

Sente que o facto de ter nascido em Santa Comba Dão, cidade do distrito de Viseu, fez com que tivesse que fazer um esforço redobrado para estudar e para chegar às cidades que na altura tinham o ensino oficial de música?
Naturalmente quando iniciei os meus estudos musicais, no ano de 2002, não havia a oferta de escolas de ensino oficial que há hoje. Na altura a única possibilidade que estava ao meu alcance era ir para o Conservatório de Música de Coimbra por ser público, ao qual concorri e, mediante as vagas que havia, entrei no topo da lista. Foi um grande passo uma vez que as pessoas que me rodeavam me incentivavam imenso para estudar música. Aqui penso que o papel da Sociedade Filarmónica Lealdade Pinheirense, banda onde iniciei o meu percurso na música, foi determinante pelo incentivo e carinho que recebia de toda gente. Hoje em dia existe em Santa Comba Dão um conservatório que apesar da sua precoce idade já deu muitos frutos e foi sem dúvida uma mais-valia para a região.

Horácio FerreiraHenrique Pereira, Luís Carvalho e António Saiote foram nomes decisivos para ter enveredado por uma carreira musical? O que significaram estes nomes para o Horácio? O que absorveu de cada um deles?
Cada um deles tem um significado diferente. Henrique Pereira foi o meu primeiro professor de Clarinete, foi com ele que tive as primeiras noções técnicas relativas ao clarinete. Luís Carvalho foi e ainda hoje é uma pessoa importante na minha carreira, uma vez que me fez ver a música de uma forma mais profissional e soube motivar-me para ser cada vez melhor, juntando a isto o facto de se ter aliado como um amigo que me apoia desde que me conhece. Tenho muito respeito por tudo o que faz pois considero-o um excelente músico.
António Saiote por si só é um nome incontornável do clarinete em Portugal, era um objetivo que tinha em mente e que acabei por concretizar. Com ele aprendi a ver o clarinete de uma maneira muito própria. Os anos que passei na ESMAE na classe do prof. António Saiote foram de grandes vivências e momentos sobejamente distintos por estar inserido numa classe de clarinete de grande nível e extremamente competitiva.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar com os professores Enrique Pérez Piquer e Michel Arrignon?
Quando terminei a Licenciatura na ESMAE pretendia prosseguir os meus estudos na Europa, sempre respeitando o estilo francês. Então quis procurar alguém que me ajudasse com aquilo que eu sentia ser o melhor para mim, que me ajudasse a evoluir. Tinha as melhores indicações do Professor Michel Arrignon por ser uma referência mundial do clarinete e um artista admirável, mas também por ter alunos do mais alto nível. Juntei o útil ao agradável uma vez que já conhecia a forma de trabalhar do Professor Enrique Pérez Piquer. Tal sucedeu-se em 2011 quando entrei na Escuela Superior de Musica Reina Sofia em Madrid.

Phillipe Berrod, Larry Combs, Henrique Pérez Piquer, Michel Lethiec, Charles Neidich, Steve Cohen, Pascual Martínez, Jérôme Verhæghe, Rodovan Cavalin e Eduard Brunner foram outros nomes com os quais já teve oportunidade de privar em ambiente de aprendizagem. Sente que cada um deles lhe trouxe sempre algo de novo?
Privei com estes nomes estrangeiros e outros portugueses em masterclasses e encontros de clarinete. Foram opiniões diferentes, abordagens distintas que me ajudaram a encontrar a minha maneira de estudar clarinete, de entender a música e de evoluir em determinado momento. No fundo as masterclasses são importantes na medida em que ouvimos opiniões de pessoas com imensa experiência e também temos a oportunidade de escutar outros colegas, por vezes a tocar o mesmo repertório e encontramos novas ideias e diferentes conceitos.

Quando procurou Florent Heau para ter aulas particulares? O que procurava desta vez?
Quando terminei a ESMAE precisei de continuar a tocar para alguém, de alguém que me ouvisse sem me conhecer. Florent Héau foi a pessoa que encontrei porque um amigo meu deu-me as melhores referências e incentivou-me a procurá-lo. Ter ido estudar com Florent Héau foi um grande passo enquanto clarinetista pela maneira incisiva como me abordava as mais diferentes questões, tal como referi anteriormente porque sempre quis ter princípios do estilo francês a tocar clarinete.

Horácio Ferreira, o clarinete e um mundo para conquistar.

Já colaborou com formações tais como a Banda Sinfónica Minho-Galaica, Banda Sinfónica de Santa Maria da Feira, Banda Sinfónica do Centro, Orquestra Juvenil de Fajões, Orquestra de Jovens de Águeda. Com que idade começou a ser “requisitado” para reforçar as fileiras destas formações?
Estas formações foram encontros de jovens que iam surgindo na altura. Desde que ingressei na Escola Profissional de Música de Espinho, participei em vários encontros e projetos. Considero estes encontros extremamente positivos pois foi lá que fiz imensas amizades e que conhecia outros clarinetistas, ajudando-me a ser melhor, pois em todas essas formações encontrava alguém que tocava extremamente bem clarinete e fazia-me estudar e tentar ser cada vez melhor de uma maneira diferente. No fundo a música é isto mesmo, partilha de emoções, ideias, conhecimentos, vivências, amizades, etc.
A nível profissional ingressei pela primeira vez em orquestra em 2007 na Orquestra Clássica de Espinho, seguindo-se a Orquestra Filarmonia das Beiras, Orquestra da Póvoa de Varzim Orquestra Sinfónica Portuguesa e Orquestra Gulbenkian.

O facto de já ter atuado sob a batuta de Douglas Bostock, Martin André, Cesário Costa, Jean-Marc Burfin, Ernst Schelle, Jan Cober, Rodolfo Saglimbeni, Alex Schilling, José Vilaplana, Luís Carvalho, Pablo González, Peter Rundel, Pascal Rophé, Pedro Neves, Joana Carneiro e Paul McCreesh ajudou-o a consciencializar-se das várias interpretações que uma mesma obra pode ter?
Trabalhar com diferentes maestros faz-nos experienciar pontos de vista, ideias e formas de trabalhar distintas. Cada músico tem a sua essência e os maestros exploram de forma muito particular as suas ideias. Sinto-me feliz por poder tocar regularmente com as várias orquestras pois considero que são sempre experiências enriquecedoras que me ajudam a crescer enquanto músico. Quando toco uma obra repetida tenho uma ideia e uma maneira de a abordar, no entanto há momentos em que acabo por perceber que até gosto mais da ideia de outro maestro. No fundo vamos moldando a nossa maneira de ver as coisas e os maestros na orquestra têm um papel fundamental nesse sentido.

Horácio FerreiraTem alcançado bastantes prémios e reconhecimentos. Pode partilhar com os nossos leitores aqueles que mais significado tiveram para si?
Os prémios são as compensações do nosso trabalho. Todos eles são importantes porque quando se ganha um prémio existe uma motivação extra e o sentimento do esforço recompensado. Na altura de cada concurso existe uma preparação e um foco muito detalhado, pois excetuando casos muito pontuais toda gente vai para ganhar e isso faz-nos evoluir enquanto instrumentistas. Obviamente que depois disso há a repercussão artística e aí posso destacar o Prémio Jovens Músicos (PJM) por ser o grande concurso nacional que tive o privilégio e a felicidade de alcançar por duas vezes, no nível médio e, recentemente, no nível superior. Foi através do PJM que fiquei mais conhecido nacionalmente através dos meios de comunicação e devo ao PJM a oportunidade de ter mais concertos, alguns referentes ao prémio outros referentes ao facto de ser mais conhecido e ver o meu trabalho reconhecido.
Numa escala diferente o Concours Debussy em Paris foi extremamente importante por ter sido reconhecido internacionalmente com o Prémio de melhor interpretação da Prèmiere Rhapsodie, uma obra chave no repertório do clarinete; bem como o Concurso do Festival de Praga, onde fui o primeiro clarinetista português a ser finalista de um dos mais históricos concursos do clarinete, onde ganhei uma menção honrosa e consequentemente uma projeção internacional maior.

Quais os projetos que abraça atualmente? Fale-nos um pouco de cada um deles.
Atualmente dedico-me quase em exclusivo à minha carreira enquanto solista, muito por causa da nomeação para “ECHO - Rising Star” que tive por parte da Fundação Gulbenkian e Casa da Música. No entanto abraço projetos como a Orquestra XXI ou a Banda Sinfónica Portuguesa (BSP), aos quais estou ligado desde os seus primórdios. A orquestra XXI acontece pontualmente durante o ano e reúne imensos músicos que têm atividade no estrangeiro. É um projeto cheio de boas energias onde se fazem grandes concertos e as reações do público não podiam ser mais satisfatórias. A BSP, que este ano comemora o seu décimo aniversário, tem uma enorme potencialidade por fazer repertório para a formação de orquestra de sopros. É um estilo de música muito próprio e aliciante junto de grandes músicos que vão fazendo com que este projeto já tenha alcançado imensas distinções. A meu ver, o futuro de grande parte dos músicos de sopros e percussão em Portugal deverá passar pelo ingresso em formações como a BSP.

Tem algum conselho que gostasse de deixar àqueles que agora dão os primeiros passos na aprendizagem do clarinete?
O melhor conselho que posso dar é que todos gostem daquilo que fazem diariamente. É importante cada um ter em mente aquilo que realmente quer ser e lutar por esses objetivos.
Acredito que quando se quer algo as coisas acabarão por aparecer, só é necessário paciência persuasão e trabalho com esse foco.

Obrigado por este tempo que dedicou aos nossos leitores. Para terminar pode partilhar quais os próximos projetos que gostaria de empreender?
Agradeço o convite para esta entrevista e felicito a XpressingMusic pela iniciativa. É meu desejo que continuem, com os maiores sucessos, o vosso trabalho. Aproveito desta forma para convidar todos os leitores músicos ou não músicos e demais interessados para assistirem à estreia em Portugal da Sonata op. 120 nº1 para clarinete e piano de Brahms com a Orquestra XXI. O arranjo é de L. Berio e haverá concertos de Norte a Sul do País na próxima digressão da Orquestra que decorrerá a partir do dia 30 de agosto e termina a 4 de setembro. Podem consultar todos os detalhes na página da Orquestra XXI.

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