Marco Rodrigues fala-nos dos Fados do Fado

Marco RodriguesFados do Fado é o novo trabalho que nos é trazido por Marco Rodrigues e serviu de mote para uma entrevista que aqui partilhamos com os nossos leitores. “(...) achei que estava na altura de gravar um disco que reunisse grandes êxitos do fado, e que, num meio onde a mulher sempre teve tanto protagonismo, homenageasse o papel que os homens tiveram ao longo da sua história. Por essa razão, optei por escolher - em conjunto com o João Pedro Ruela e com o Diogo Clemente - uma seleção de temas muito conhecidos no meio, tanto pelas suas letras e melodias fantásticas, como por terem sido cantados por vozes que foram referências. Fizemos questão de incluir também nesta homenagem alguns dos grandes intérpretes de outras gerações, como o Max, o Tony de Matos ou o Tristão da Silva, cujo trabalho infelizmente por vezes começa a ser pouco divulgado junto das novas gerações, o que gera algum desconhecimento”.

Marco Rodrigues, muito obrigado por nos conceder esta entrevista. “Fados do Fado” é o seu quarto álbum. Sente que há uma maior maturidade neste trabalho que agora nos apresenta?
Claro que sim, e é natural que assim seja. Já lá vão quase 10 anos desde o lançamento do primeiro disco e o anterior, “EntreTanto”, foi editado há mais de dois anos. Estou mais maduro, não só como homem, mas também como artista. E julgo que isso se manifesta de forma muito evidente neste novo álbum. Nos três discos anteriores fiz questão de incluir alguns originais meus, de compor e de mostrar assim a minha forma de estar na música e de (re)criar o Fado. Neste álbum senti que, depois de cantar tantas noites em Casas de Fado (e de acompanhar outros fadistas, com quem aprendi tanto), depois das digressões de promoção dos discos e dos duetos que tive a felicidade de fazer com intérpretes não só do meio do Fado como de outros géneros, estava preparado para este desafio, que era o de recriar grandes clássicos, que foram já cantados (e tão bem!) por aqueles que são algumas das minhas referências. E isso, naturalmente, exige uma maturidade que certamente há uns anos eu não tinha.

A produção está a cargo de Diogo Clemente. Foi uma opção do Marco?
Eu e o Diogo pertencemos à mesma geração e chegámos a este meio do fado mais ou menos na mesma altura. Acompanhámos o percurso um do outro, e acredito que sempre existiu uma admiração mútua pelo percurso que cada um de nós desenvolveu. No caso concreto do Diogo, é sem dúvida um dos melhores produtores e músicos da nossa geração, e o trabalho notável que desenvolveu até aqui, com tantos artistas, fala por si. Por estas razões, quando me foi sugerido pelo meu manager (João Pedro Ruela) que este disco fosse produzido pelo Diogo Clemente, fiquei muito entusiasmado com a ideia e aceitei sem hesitar.

Marco RodriguesPorque optou por não gravar originais?
Como já tive oportunidade de referir há pouco, achei que estava na altura de gravar um disco que reunisse grandes êxitos do fado, e que, num meio onde a mulher sempre teve tanto protagonismo, homenageasse o papel que os homens tiveram ao longo da sua história. Por essa razão, optei por escolher - em conjunto com o João Pedro Ruela e com o Diogo Clemente - uma seleção de temas muito conhecidos no meio, tanto pelas suas letras e melodias fantásticas, como por terem sido cantados por vozes que foram referências. Fizemos questão de incluir também nesta homenagem alguns dos grandes intérpretes de outras gerações, como o Max, o Tony de Matos ou o Tristão da Silva, cujo trabalho infelizmente por vezes começa a ser pouco divulgado junto das novas gerações, o que gera algum desconhecimento. Acho que, se conseguir cativar público mais jovem pela forma como abordo estes temas, talvez lhes deixe curiosidade para irem explorar o trabalho que esses artistas incríveis desenvolveram.

Houve algum, ou alguns temas que o tenham emocionado de uma forma mais marcante durante os ensaios ou no decorrer das gravações?
Ponho sempre muito de mim em todas as interpretações que faço, seja em ensaios, em estúdio ou em concerto. Canto sempre com as emoções à flor da pele. De outra forma não faria sentido. Este disco não foi exceção, e a cumplicidade musical que se criou entre mim e o Diogo Clemente acabou por acentuar isso ainda mais. De entre os vários temas do disco, há alguns que me dizem muito, seja porque sempre gostei particularmente deles (por exemplo o "Guitarra, Guitarra") ou pela intemporalidade que têm: numa época em que tudo parece ser tão efémero, é emocionante saber que estamos a cantar um tema que atravessou várias gerações e que continua, tantos anos depois, a ser atual. São exemplos disso "Arraial" e "Noite".

Quem são os músicos que o acompanham neste disco?
Tenho a sorte de poder contar sempre com músicos de muito talento e que são também eles responsáveis pela qualidade do produto final. Neste disco, o Diogo Clemente assumiu a gravação da viola e do baixo. No caso da guitarra portuguesa, tivemos a participação do Ângelo Freire, do Luís Guerreiro e do Guilherme Banza. E já que falamos de músicos, é importante também referir o Ivo Costa, que fez um excelente trabalho de masterização.

São eles que o acompanham ao vivo?
Feliz ou infelizmente, o Fado é cada vez mais solicitado em grandes palcos, tanto em Portugal como lá fora. Isto faz com que seja difícil ter sempre os mesmos músicos a acompanharem-nos, o que também acaba por ter um lado interessante, porque nos permite enriquecer mais o espetáculo, uma vez que cada músico acaba por trazer novas abordagens. Pela minha parte, como disse, tenho a sorte de estar sempre muito "bem acompanhado" e de contar, para além dos que me acompanharam no disco, com a presença assídua do Pedro Viana (guitarra portuguesa), do Nelson Aleixo (viola) e do Frederico Gato (baixo).

O Marco Rodrigues é detentor de uma assinalável carreira. Ainda se recorda daquela noite de 1999, quando foi vencedor da Grande Noite do Fado?
Claro! Até porque foi o meu primeiro contacto com um grande palco: até lá, cantava regularmente com o meu pai, em festas e arraiais de aldeia. Tinha também participado numa edição anterior da Grande Noite do Fado, mas no Porto, em que fiquei em segundo lugar. Foi efetivamente quando vim para Lisboa e com essa vitória que despertou o meu fascínio pelo Fado. Foi a partir daí que surgiu a oportunidade de começar a cantar no Café Luso, que acabou por ser onde cresci como fadista e como músico. E o mais engraçado é que, uns anos mais tarde, me apercebi que o Prémio foi entregue por aquele que viria a ser uma das minhas maiores referências: o grande Fernando Maurício.

Há outros momentos marcantes da sua carreira que traga sempre na sua mala das conquistas e das recordações?
Felizmente há imensos. Todos gostamos de ver o nosso trabalho reconhecido e por isso a atribuição do Prémio Revelação Amália foi sem dúvida muito especial. E depois, naturalmente, há salas que nos marcam, pela sua dimensão e pela sua mística: as duas vezes que fiz a primeira parte dos concertos da Maria Gadú nos Coliseus foram incríveis, não só pelas salas em questão, mas porque foi um trabalho interessante de conquista de um público que, na sua maioria, estava ali para ver uma artista com um estilo tão diferente do meu. Mais recentemente, o primeiro concerto em nome próprio no grande auditório do CCB foi um marco muito importante. E depois, claro, os concertos lá fora são também muito gratificantes, pela forma como nos recebem a nós e à nossa música.

Marco Rodrigues, Fados do FadoTem tocado muito lá fora. Exemplos dessa internacionalização são os concertos realizados em em Londres, no Royal Festival Hall, com Mariza, ou no HSBC, em São Paulo, com Maria Gadu. Como tem sido recebido?
Muito bem. Nos casos particulares que referiu há um desafio adicional que me agrada muito, que é o da conquista do público: muitas das pessoas que lá estão conhecem pouco o meu trabalho, mas felizmente a reação é muito positiva. Para além desses concertos, tenho feito alguns em nome próprio, e sou sempre muito bem recebido. Atualmente, com a internet, a nossa música chega a todo o lado. E é muito bom saber que tenho já grupos de pessoas espalhadas pelo mundo (Brasil, França, Bélgica, Luxemburgo, etc.) que conhecem e acompanham regularmente o meu trabalho.

Sente que o trabalho dos músicos portugueses é respeitado no estrangeiro?
Muito. O nosso "portuguesismo" confere-nos uma carga genética "pesada" e um tanto ou quanto saudosista, e isso nota-se na forma como nos expressamos e como fazemos música. A nossa sensibilidade é muito respeitada lá fora e é cada vez mais comum assistirmos a provas dessa admiração e do reconhecimento do trabalho de muitos músicos portugueses. No caso do Fado isso é notório (e não é à toa que há cada vez mais participações de artistas nossos em discos e espetáculos de grandes nomes internacionais - a Carminho em concertos do Chico Buarque ou a Ana Moura com o Mick Jagger), mas noutros géneros há cada vez mais portugueses a serem reconhecidos, muitos deles que, curiosamente, começam por ser reconhecidos primeiro lá fora. Exemplos disso são a maestrina Joana Carneiro ou a cantora Sofia Escobar, que só agora apareceu junto do grande público por cá, mas que assumiu durante bastante tempo a personagem principal de um dos musicais mais míticos de West End, em Londres. E, claro, não podemos esquecer o (justíssimo) Grammy que foi entregue ao Carlos do Carmo recentemente, e que vem provar que lá fora somos, efetivamente, reconhecidos.

Em 2006 lançou “Fados da Tristeza Alegre”. Como caracteriza esta primeira experiência em estúdio?
Foi, como indicou, uma primeira experiência, com tudo aquilo que caracteriza todas as primeiras experiências: uma alegria enorme (porque é um acontecimento importantíssimo na carreira de um artista), e no meu caso com a sorte de ter sido desde logo muito bem acompanhado, tanto em termos de músicos como de produção. Naturalmente, tinha outra maturidade e hoje olho para esse disco como o início de um percurso, que quero que seja sempre em constante melhoria e aprendizagem.

“Tantas Lisboas” e “EntreTanto” foram recebidos pela crítica de acordo com as suas expectativas?
Sim, felizmente foram dois discos muito bem aceites, tanto pela crítica, como pelo público e pelos media em geral. No caso do "Tantas Lisboas" representou um ponto de viragem muito importante, que permitiu dar a conhecer a muita gente o meu trabalho e a forma como criava e como interpretava. Tive a oportunidade de incluir dois duetos com dois fadistas que eram já referências para mim na altura (Mafalda Arnaugh e Carlos do Carmo) e de trabalhar com grandes músicos e grandes letristas. Aliás, como já tive a oportunidade de dizer, foi muito importante para mim ter tido a oportunidade de trabalhar sempre com profissionais muito talentosos e competentes, com quem aprendi muito e a quem devo grande parte daquilo que sou hoje enquanto artista.

O momento que o Fado atravessa é próspero tanto no número de artistas que o interpretam como nos eventos que a ele se abrem... Concorda?
Claramente. O reconhecimento como Património Imaterial da Unesco foi o culminar de um trabalho conjunto de várias entidades que, mais do que abrir as portas do mundo para o fado (porque a realidade é que, lá fora, sempre fomos muito bem recebidos) veio aumentar o interesse dos portugueses por este género tão nosso. Há cada vez mais gente a cantar e cada vez mais gente a ouvir e, acima de tudo, um público cada vez mais exigente, mas que se envolve, que comunica connosco, que nos diz o que pensa acerca do nosso trabalho e que exige qualidade. Isso é muito bom, é muito gratificante.

Mais uma vez muito obrigado por este tempo que dedicou aos nossos leitores. Pode partilhar com eles as próximas datas dos seus espetáculos?
Estamos neste momento a preparar a tournée deste "Fados do Fado" e estão já a ser agendados vários concertos, tanto em Portugal como no estrangeiro. Mas para já posso adiantar que a apresentação deste disco será feita no palco principal do festival Caixa Alfama, no dia 18 de setembro e que conto com a vossa presença.

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