Peter Erskine. A bateria no centro de uma entrevista.
O baterista Peter Erskine resume nesta entrevista algumas das condições necessárias para que um baterista desenvolva um trabalho sério. «O meu trabalho é manter o “tempo” no lugar certo e proporcionar uma sensação rítmica ativa para fazer a música "dançar" e para fazer os outros músicos tocar no seu melhor. Penso muito em termos de contraponto (tonal, rítmico, densidade, etc.). A confiança é também importante. Quando os músicos tocam comigo, devem sentir que eu tenho musicalidade e que podem confiar em mim». Quanto ao ensino do instrumento diz-nos que «Nem sempre é necessário para um bom professor continuar a ser um bom performer, mas eu acho que é a condição ideal».
Tem tocado em projetos de géneros musicais tão diferentes... Isto ajuda-o a ser um baterista mais completo e mais versátil?
Sinto-me com muita sorte por ser capaz de fazer música em tantas formas tão distintas e com tantas pessoas diferentes. É uma bênção ter a possibilidade de o fazer. Para ser capaz de fazer isto há que ter uma mente aberta e um coração aberto... e treino! Mais do que qualquer outra coisa, é preciso ouvir e confiar. Cada estilo de música pode informar o seguinte e é por isso que eu toco músicas diferentes. Gosto do trabalho, do desafio e gosto do som. Todos estes estilos ajudam-me a confiar em mim, na música e noutros músicos, cada vez mais.
A sua carreira de músico e a sua carreira docente caminharam sempre lado a lado. Considera importante para o professor de música estar sempre em contacto como o mundo da performance?
Nem sempre é necessário para um bom professor continuar a ser um bom performer, mas eu acho que é a condição ideal. Eu gosto quando os meus alunos podem ver e ouvir-me tocar as coisas sobre as quais falamos e trabalhamos. A vida é aprendizagem... e há tanto que aprender. Ainda continuo a aprender com as lições que os meus professores me ensinaram há tantos anos atrás.
Quais as principais características que, em sua opinião, devem ser inerentes a um bom baterista?
Bom ouvido e bom senso para tocar em grupo. O meu trabalho é manter o “tempo” no lugar certo e proporcionar uma sensação rítmica ativa para fazer a música "dançar" e para fazer os outros músicos tocar no seu melhor. Penso muito em termos de contraponto (tonal, rítmico, densidade, etc.). A confiança é também importante. Quando os músicos tocam comigo, devem sentir que eu tenho musicalidade e que podem confiar em mim.
Quais os ingredientes necessários para que um baterista se sinta seguro em palco?
Preparação. E um bom equilíbrio do som... No meu caso, não gosto de ter que puxar demasiado pelo volume. Eu não gosto de estar a “gritar” através do meu instrumento grande parte do tempo.
Tocar em Orquestra é um desafio onde a criatividade é mais condicionada?
Bem, uma orquestra é um navio muito grande para dirigir... é preciso alguma inteligência, confiança e subtileza. Muita da música em grande ensemble – quer se trate de uma grande banda de jazz ou orquestra – exige que o baterista pense no cenário global em termos de forma da música, e que navegue e siga o seu caminho através desta com os melhores resultados. A musicalidade deve ser sempre o fator determinante. Tocar bateria resume-se a fazer escolhas. Mesmo quando a parte da bateria está escrita, o baterista tem um número infinito de escolhas a fazer. Em última análise, este processo de seleção pode ser muito simples, como eu explico aos meus alunos: "Toquem o que vocês gostariam de ouvir".
Obras como “No Beethoven (Autobiography & Chronicle of Weather Report)”, “Time Awareness for All Musicians”, “Essential Drum Fills”, and “Everything I Know, A Work in Progress”(DVD) foram elaboradas para que ficasse registado o seu pensamento pedagógico relativamente a diversas temáticas?
Se há um tema, espero que seja musicalidade e fortalecimento. Eu também escrevo em “No Beethoven” sobre os comentários duros e o clima de críticas. Se há uma lição a tirar desse livro é: não personalizar a direção musical.
Pensa lançar em breve mais algum livro didático?
Talvez. Eu tenho mais dois livros em mente. Uma coleção de conselhos de percussão adquiridos a partir da minha vida a tocar, ouvir, ensinar e observar. O outro poderá ser de natureza mais filosófica... Entretanto, encontro-me ocupado a preparar uma nova aplicação de play-along, para dispositivos iOS, com um mixer integrado, imagens em PDF, componentes educacionais e de informação, funcionalidade de gravação,... e não apenas para bateristas! Esta aplicação de play-along, apresentando a “big band music” de Bob Mintzer, tem bateria, baixo, piano, percussão, guitarra, primeiro trompete, segundo trompete, primeiro trombone, trombone baixo, primeiro sax alto, primeiro sax tenor, sax barítono,... Nunca houve nada assim! O meu programador, Lucas Ives em São Francisco, deve ter a aplicação preparada para lançamento no outono... Eu também acabo de gravar o meu primeiro álbum de funk/fusion a solo. O título é “Doctor Um”, soletrado “Dr. Um”.
O ensino da bateria é hoje muito diferente daquele que existia na altura em que começou a aprender?
Muitos dos princípios e verdades básicas ainda se aplicam! Mas é ótimo ter acesso à internet e à tecnologia de gravação digital (gravadores “Zoom hand-held” ou “ProTools” no meu estúdio de casa... é incrível).
Dito isto, a(s) nova(s) geração de bateristas parece melhor do que nunca. O leque da capacidade de tocar e das possibilidades parece continuar a expandir-se. É incrível.
Das viagens que tem feito pelo mundo, tem observado uma evolução grande neste universo da bateria e da percussão?
Há uma maior consciência das possibilidades musicais, técnicas, estilos. É muito mau ver que já não há tantos grupos em tournée, assim como grandes grupos de jazz a viajar constantemente como costumava haver. Falo sobre os mestres do be-bop e pós-bop e big bands. Mas, para cada ponto negativo, parece haver sempre algo positivo, ou vice-versa. Para ser honesto, estou mais preocupado com os crescentes níveis de ignorância, ódio e violência que se manifestam em todo o mundo. Eu sempre imaginei que o mundo seria um lugar melhor, mais inteligente e mais seguro nos dias que correm. Quanto ao nosso trabalho como músicos...: não fazer mal, e fazer a melhor música que conseguirmos. Temos que fazer com que as pessoas sintam isto, e ajudá-las a pensar. Esse é o nosso dever sagrado.
Já gravou imensos trabalhos. O trabalho em estúdio é algo que gosta muito de fazer? Vê o estúdio como um laboratório?
O meu álbum a solo mais recente foi uma experiência de laboratório maravilhosa. “Dr. Um”. Com o grande John Beasley no teclado e Janek Gwizdala no baixo elétrico, além dos convidados especiais... E a minha nova bateria Tama Star e percussão Meinl. Estou a tocar de forma diferente e melhor do que nunca. De outro modo, vejo frequentemente o estúdio como um bom lugar, calmo, para se fazer música. Eu não sou obcecado. Sinto-me feliz o suficiente por passar o meu tempo a tocar em estúdio. É como tirar uma fotografia... é como capturar um momento. Gosto do compromisso de gravar diretamente para a faixa. Mas também adoro o que os “Pro Tools” podem fazer!
Muito obrigado por nos ter dado esta oportunidade de o entrevistar. Quais as datas e os locais dos próximos espetáculos onde poderá ser visto e ouvido pelos seus admiradores?
De momento estou na Europa, a tocar na Alemanha, Paris e Itália:
– 4 a 16 de julho – Opéra Bastille, Paris, “L'anatomie de la Sensation” (Turnage: Blood on the Floor);
– 9 de julho – Paris, Petit Journal Montparnasse com Nguyen Le & Michel Benita;
– 18 a 30 de julho – Tour em Itália com o Trio M/E/D (Rita Marcotulli, Peter Erskine, Palle Danielsson);
– 12 de agosto – Hollywood Bowl, tributo a Jaco Pastorius com Vince Mendoza e All-Star band...
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