Luís Miguel Clemente. O maestro e professor em entrevista.
O maestro Luís Miguel Clemente aceitou o nosso desafio e respondeu às nossas questões. Disse-nos que "na área da direção de orquestra, quando maior for a experiência e a atividade, melhor! A direção de orquestra é uma área que requer preparação, conhecimento e experiência, muito para além da música per si sendo que tudo aporta e contribui para o desenvolvimento das ferramentas necessárias para desempenhar esta profissão". Adiantou ainda que "Finalmente estamos a conseguir acompanhar o excelente nível artístico desta geração de instrumentistas. Existem projetos muito interessantes, músicos e professores excelentes e, nesse aspeto, Portugal não fica atrás de nenhum país. Onde ainda temos um grande caminho a percorrer é relativamente aos apoios, nomeadamente sponsors e mecenas para a área cultural. Refiro-me a um nível empresarial e não apenas a apoios estatais".
Agradecemos a sua prontidão em aceitar este nosso desafio para uma entrevista. O Luís Miguel Clemente move-se em diferentes atividades. Como concilia a sua carreira enquanto maestro com a carreira docente e com a atividade científica? Considera que todas estas atividades se complementam?
Em primeiro lugar obrigado pelo convite e muitos parabéns pelo vosso projeto e pela relevante atividade na divulgação das atividades musicais. Relativamente à questão que me coloca creio que a música, ainda que num sentido lato, é uma área onde toda a atividade e experiência são importantes. Mais ainda, diria que na área da direção de orquestra, quando maior for a experiência e a atividade, melhor! A direção de orquestra é uma área que requer preparação, conhecimento e experiência, muito para além da música per si sendo que tudo aporta e contribui para o desenvolvimento das ferramentas necessárias para desempenhar esta profissão.
Como maestro tem trabalhado em países como Portugal, Canadá, Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, França, Suíça, Croácia, Itália, Roménia, entre outros. Sente muitas diferenças entre o trabalho que está a ser desenvolvido em Portugal e o que se faz noutros países?
Existem obviamente diferenças. Cada país tem tradições e idiossincrasias muito próprias e particulares sendo que – acredito – não podemos efetuar uma mera comparação qualitativa ou quantitativa. Em todos os países, incluindo obviamente Portugal, encontramos uma grande variedade de projetos e cada um com particularidades muito específicas. De um modo geral, e para responder concretamente à sua pergunta, creio que o que diferencia Portugal de alguns países (não todos!) é essencialmente a representatividade e escala dos projetos orquestrais. Países como Itália, França, Croácia, Inglaterra ou Canadá têm uma cultura musical (leia-se clássica) bastante enraizada na sociedade. Este aspeto faz com que seja natural a proliferação de orquestras profissionais em grande número, suportadas por um público muito sensível a esta atividade. Em Portugal estamos a assistir agora, não obstante a denominada crise económica, ao desenvolvimento de excelentes projetos artísticos e musicais e isso é extremamente positivo. Finalmente estamos a conseguir acompanhar o excelente nível artístico desta geração de instrumentistas. Existem projetos muito interessantes, músicos e professores excelentes e, nesse aspeto, Portugal não fica atrás de nenhum país. Onde ainda temos um grande caminho a percorrer é relativamente aos apoios, nomeadamente sponsors e mecenas para a área cultural. Refiro-me a um nível empresarial e não apenas a apoios estatais. Na maioria dos Países que conheço é muito raro um projeto artístico não ter apoios empresariais que ajudem na sustentabilidade e na envolvência cultural/social entre uma empresa e a sua contextualização geográfica.
Sente-se um privilegiado por ter trabalhado com nomes como Jan Cober, Ernest Schelle e Arthur Arnold? O que absorveu destas experiências?
Claro que sim! Os 4 anos em que estudei em Itália e Alemanha com o maestro Jan Cober, um dos grandes maestros de referência Mundial, proporcionaram-me uma oportunidade de aprendizagem muito grande – a todos os níveis! Nesta fase tive também um professor ao qual devo um reconhecimento muito grande, o compositor italiano Carlo Pirola, que me abriu muitas portas na compreensão e análise orquestral. O trabalho com o maestro Jan Cober levou-me a uma colaboração muito próxima, quer de aprendizagem como maestro assistente quer pela oportunidade de dirigir em concertos públicos como maestro convidado, nomeadamente em Leipzig com a Rundfunk Orchester e Blasorchester e também com a EUYWO European Youth Wind Orchestra em 2011. Antes desse trabalho em Itália devo ainda muito reconhecimento ao maestro português José Manuel Ferreira Brito (maestro da banda da PSP) por ter sido a pessoa que despertou o meu interesse na direção musical e por me ter acompanhado e ensinado em diferentes cursos e workshops ao longo de alguns anos. A colaboração com o maestro Schelle e Arnold aconteceram já num contexto diferente. Nomeadamente a colaboração em 2014 com o maestro Arnold (maestro titular da orquestra Sinfónica de Moscovo) proporcionou-se após ter ganho concurso público para o lugar de maestro assistente no importante Festival de Música do Pacífico, no Canadá. Foi uma experiência e aprendizagem extraordinária que me permitiu trabalhar proximamente, não apenas de um grande maestro, mas também de grandes artistas como o prof. Robert Greenberg (violino) ou a solista Soyoung Yoon. Artisticamente foi também uma experiência desafiadora preparar, ensaiar e dirigir em concerto obras como a 1ª Sinfonia de Mahler, o Concerto para Orquestra de Bartok e, principalmente, ganhar o concurso internacional com a performance do Concerto nº 1 para violino de Shostakovich juntamente com o grande jovem violinista Nicholas Bentz (EUA).
Colin Metters é outra figura que admira? Como tem sido a experiência de trabalhar de perto com este grande nome da direção?
O trabalho com Colin Metters transformou imenso a minha perceção sobre o trabalho do maestro. Desde que passei a integrar o seu círculo privado de alunos, em 2014, que sinto uma grande mudança não apenas profissional mas também a um nível mais interior. Ter o privilégio de aprender e também ter a honra de colaborar proximamente com uma personalidade da craveira do maestro Metters - um dos grandes pedagogos da direção de orquestra de referência Mundial - é para mim um motivo muito grande de orgulho mas também de maior responsabilidade. Trabalhar com o maestro Metters é diferente de tudo aquilo que aprendi nos últimos 20 anos... é uma experiência profunda que muda constantemente a minha visão, e prioridades (risos), e a procura do saber enquanto maestro. Poder trabalhar ao lado dele, nomeadamente na Atlantic Coast International Conducting Academy e poder partilhar a sua experiência também com os meus alunos é algo fantástico.
O reconhecimento do seu mérito tem sido materializado em vários prémios. Há alguns que destaque em particular?
Os méritos ou reconhecimentos são muito efémeros. Não fico a pensar, sinceramente, nesses momentos cristalizados. Obviamente fico contente quando consigo alcançar alguma relevância e reconhecimento, como foram o caso dos concursos em França, Hungria ou Roménia ou ainda do convite para ir a Nova Iorque dirigir uma importante orquestra como a Chen-Yun Symphony Orchestra. Essa satisfação, para mim, processa-se a um nível de objetivo pessoal e interior, pelo desafio que representa e pelas dificuldades de superar esses mesmos obstáculos. Talvez a minha visão esteja bastante fora do mainstream atual mas acredito que esses momentos devem ajudar-nos essencialmente a refletir sobre o nosso envolvimento e compromisso para connosco próprios em prol de um objetivo que, acredito, é essencialmente pessoal.
Enquanto maestro, quais têm sido os seus últimos projetos?
Os meus últimos anos têm sido passados um pouco em articulação com projetos em Portugal e a necessidade de me ausentar para o estrangeiro várias vezes. Nesse sentido tenho de reconhecer que a Associação Musical Covilhanense, a Banda da Covilhã – local onde trabalho há quase 4 anos – me proporcionou uma grande oportunidade de desenvolver vários projetos musicais, nomeadamente a Banda sinfónica mas também a Orquestra 1º Sons e a orquestra juvenil. Creio ser privilegiado por poder aprender e desenvolver a minha atividade como maestro com crianças e jovens. A experiência que adquiro com eles não a teria em nenhuma orquestra! Por outro lado tenho desenvolvido, ao lado da Ana Carolina Capitão, o maravilhoso projeto da Atlantic Coast Orchestra. Fundámos oficialmente este projeto em 2015 mas, claro, estava na forja há bastante tempo. A Atlantic Coast Orchestra é um projeto limpo de quaisquer dependências ou "sugerências" (risos). Estamos totalmente focados no desenvolvimento sustentável da orquestra sinfónica e também no desenvolvimento da Academia Internacional de Direção de Orquestra, que funciona desde 2010 anteriormente designada como CEDOS – Centro de Estudos de Direção de Orquestra de Sopros.
A Orquestra Nacional de Sopros é uma das "meninas dos seus olhos"? Fale-nos um pouco deste projeto.
A ONS é o mais recente projeto que pretendo desenvolver com a ajuda e colaboração de um lote extraordinário de artistas portugueses e estrangeiros. A ONS procura estabelecer-se como uma orquestra de sopros com o objetivo de contribuir eficazmente para o desenvolvimento artístico de jovens músicos. A ONS irá consolidar a sua programação anual e será constituída por um corpo musical selecionado. A ONS surge do extinto EnOS – Estágio Nacional de Orquestra de Sopros em Portel. Após cerca de 10 anos de estágio resolvemos relançar o projeto e alterar substancialmente a sua morfologia, âmbito e objetivos no sentido de, também, acompanhar a evolução e necessidades dos jovens músicos portugueses.
Em sua opinião, Portugal tem mercado para tantos e tão bons músicos?
Como já tive a oportunidade de referir creio que sim, sem dúvida. Portugal, e todos nós enquanto agentes culturais responsáveis, temos de saber criar condições e projetos desafiadores e sustentáveis para albergar esta geração de ouro que se está a criar em Portugal. Tal como noutras áreas, é importante sabermos construir e solidificar uma estratégia educativa através da música. Esta estratégia deve ser de dentro para fora... deve ser realizada por nós (escolas, universidades, academias, professores, maestros, etc..) mas tem de estar articulada com as forças vivas da sociedade, com o público, com as autarquias, com as regiões de turismo, com todos os estratos da nossa sociedade. Só desta forma podemos assegurar o futuro, não apenas dos músicos mas da nossa própria identidade enquanto povo.
Muito obrigado por este tempo com que brindou os nossos leitores. Tem algum sonho ainda por concretizar?
Espero nunca deixar de ter sonhos por concretizar (risos) e, essencialmente, espero ter saúde suficiente para lutar por esses sonhos.
Muito obrigado, uma vez mais, pelo convite. Felicidades para o vosso projeto.
www.atlanticoastorchestra.com
www.orquestranacionaldesopros.com
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