Wim Mertens. Uma entrevista na semana em que protagoniza dois concertos em Portugal.
A Casa da Música, no Porto, recebe-o hoje (1 de junho) e amanhã (2 de junho) será a vez do CCB. Wim Mertens tem uma carreira repleta de prémios e distinções, tendo sido nomeado para Embaixador Cultural da Flandres. Em Portugal, apresentará um novo espetáculo que tem merecido os mais entusiásticos aplausos nas melhores salas da Europa. Estes concertos surgem no âmbito do Classic Waves, um conceito que a Uguru agora apresenta e que resulta da experiência na produção de espetáculos mais eruditos. Wim Mertens aceitou o desafio da nossa publicação e respondeu a algumas questões que hoje partilhamos com os nossos leitores. A música no contexto europeu, as novidades que traz para os espetáculos do Porto e de Lisboa e a relação que mantém com Portugal foram alguns dos temas abordados.
O Wim Mertens já compôs para cinema, teatro e passagens de moda. Não sabemos se há algum contexto para o qual ainda não tenha feito música... Como encara todo o processo de composição?
Considero que cada nova composição deve criar uma, igualmente nova, situação e um cenário próprio podendo crescer e desenvolver-se, ganhando assim vida própria. Durante cada performance, a música é tocada novamente como uma segunda criação. É em cada nova situação que a performance, em concerto, pode ter uma segunda ou terceira vida.
Wim Mertens está de volta para apresentar o seu disco acabado de editar - "Charactersketch". Como descreve este seu último disco?
"Charactersketch" é um esboço ("sketch") do caráter ("character") da Europa. A Europa mudou muito desde 2007/2008. Algumas pessoas dizem que a Europa está numa situação crítica. Talvez a Europa necessite de uma segunda energia. A Europa precisa de desenvolver novos métodos de produção e apresentação da música. A Europa de hoje é um pouco considerada como o velho continente e os jovens questionam-nos, não só a nós, compositores e artistas, mas também as pessoas com cargos de responsabilidade e que estão nos centros decisores. Pedem uma nova abordagem. Considero que a situação mudou muito desde 2004. São necessárias coisas completamente novas, devido à emergente necessidade de expressão.
O que preparou para estes dois concertos que vai apresentar em Portugal? Há alguma novidade?
Sim, de facto há. Na verdade, já desde 1985 que eu não realizo uma grande parte do concerto em piano digital embora no período compreendido entre 1980 e 1984/85 uma grande parte de minha música fosse criada em piano digital. É para mim uma grande experiência trazer de volta o piano digital para estes concertos e também alguns temas que nunca foram tocados ao vivo. Na segunda parte do concerto que apresento em Portugal serão tocados temas como "Gentleman of Leisure", "At Home" e outras peças. O piano digital cria uma experiência diferente para o músico, para o grupo de músicos e também para o público.
Portugal é um país que o inspira?
Portugal é, sem dúvida, um país que me inspira muito. Temos uma longa relação. Desde o início dos anos 90 que eu tenho tido a oportunidade de, muitas vezes, apresentar novas produções, novas gravações, e por isso considero que há uma forte tradição de apresentar a música de uma forma natural em Portugal. Eu fico muito feliz por ter esta ligação.
O que significou para si ser nomeado Embaixador Cultural da Flandres?
Ser um Embaixador Cultural da Flandres é, de facto, uma "ligação" que eu fiz há muitos anos atrás. É sempre importante manter uma ligação às nossas raízes para que possamos encontrar a nossa própria música, a nossa própria voz, e usar esta vantagem para ter esta identidade e para representar, no meu caso, a região de Flandres. Claro que, ao mesmo tempo também é importante ir mais além destas fronteiras e descobrir novos desafios noutros países com outras fronteiras e, especialmente na nova música, procuramos desenvolver novos métodos e novas formas de criação, composição e performance.
Para além de ter estudado música, também estudou Ciências Políticas e Sociais. Estas áreas tão distintas misturam-se na música que compõe? Os aspetos sociais e políticos influenciam o seu trabalho como músico e compositor?
Claro que todos estes fatores têm direta ou indiretamente uma influência na maneira como trabalhamos e eu acho que as ciências sociais e políticas assim como, mais tarde, a musicologia tiveram uma grande influência na história da música... No tipo de música criada, quando, onde e porquê, e por que há mudanças... Portanto, este é provavelmente um dos fatores que me influenciaram até hoje no meu trabalho como compositor.
Dos inúmeros discos que já gravou, houve algum que lhe tenha deixado mais marcas? Tem um disco preferido?
Dos muitos álbuns que gravei, eu acho que, para mim, o álbum "Sin Embargo" é muito especial, porque só foi escrito para guitarra clássica. Essa guitarra foi muito especial na minha vida. Foi o meu primeiro instrumento, aos 8 anos de idade e, quando comecei a estudar música, entre os 8 e os 12 anos. Dos 12 até aos 18 anos a guitarra era muito especial. Este instrumento é importante porque conjuga em simultâneo a problemática do ritmo, da melodia, da harmonia e dos acordes. Todos estes elementos são conjugados a partir de apenas um, um elemento que se mantém como se fosse um todo. É a voz que provavelmente está lá como um elemento constante, e nós desenvolvemo-lo a partir da guitarra, como uma criança. Pelo que, enquanto criança, a guitarra foi muito interessante como o primeiro contato com instrumentos. Talvez não seja tão evidente com o piano, porque com o piano há uma maior distância, enquanto músico, entre a criança e o instrumento.
Muito obrigado por este tempo que nos dedicou. De toda a sua experiência de vida e de músico resultam certamente lições que deixará aos seus seguidores. Há algum conselho que gostasse de deixar aos jovens músicos que hoje sonham construir uma carreira em torno do universo musical?
Eu acho importante que o músico encontre o seu próprio lugar, que vem sempre a partir de uma determinada família, num certo contexto, numa determinada situação. Eu chamei a isto, em 91 penso eu, "noção de lugar". É preciso estar focado, para assim assimilar informação suficiente para encontrar a sua própria voz. Nessa altura, terá informação suficiente para procurar e descobrir o que poderá fazer com estes elementos específicos relacionados consigo próprio. Não deverá ter em conta uma ideologia ou uma tendência. Deve ser muito sensível aos detalhes da sua própria época. Eu olho para as novas gerações e para as pessoas mais jovens, com 15, 20, 25 anos, e vejo que têm inúmeras oportunidades para desenvolver a sua própria música, os seus próprios ritmos e estarem em sintonia com o seu próprio tempo, com a sua própria época.
Muito obrigado pelas questões, espero ver-vos no concerto. Obrigado.
Sistema de comentários desenvolvido por CComment