Ana Barros e Bruno Belthoise apresentam-nos: “Severa, O Fado de um Fado”

Ana Barros e Bruno BelthoiseAna Barros: "Com apoio artístico de João Braga e de Rui Vieira Nery, o projeto pretende retratar a história do Fado, ao mesmo tempo que todos os fados têm poemas que retratam a vida da própria Severa. Para enfrentar o desafio de dar novas cores a uma história já tão explorada, contamos com a colaboração da guitarra portuguesa de Miguel Amaral e dos compositores Sérgio Azevedo, Carlos Marecos e Carlos Azevedo, que criaram arranjos, sobre fados tradicionais, para voz e piano". Bruno Belthoise: "A grande difusão internacional do Fado e, por vezes, mesmo a sua vulgarização, não deve servir para nos esquecermos de que se trata de um género musical essencialmente ligado à alma portuguesa".

Se tivessem que apresentar o projeto "Severa, O Fado de um Fado" em poucas linhas como o descreveriam?
Este é um projeto onde o fado e a música clássica se cruzam, em SEVERA – o fado de um fado, são exploradas novas abordagens de renovação estética, visual e temática. Tendo recebido o apoio e o carimbo de qualidade do Museu do Fado (o logótipo "Fado - Património da Humanidade"), este projeto parte da vida de Severa, cantora que "espalhou" o fado por Lisboa na primeira metade do século XIX e que continua hoje a instigar a nossa curiosidade. Com apoio artístico de João Braga e de Rui Vieira Nery, o projeto pretende retratar a história do Fado, ao mesmo tempo que todos os fados têm poemas que retratam a vida da própria Severa. Para enfrentar o desafio de dar novas cores a uma história já tão explorada, contamos com a colaboração da guitarra portuguesa de Miguel Amaral e dos compositores Sérgio Azevedo, Carlos Marecos e Carlos Azevedo, que criaram arranjos, sobre fados tradicionais, para voz e piano.

SEVERA, O Fado de um FadoEste é um projeto que ocorre entre Paris, Porto, Lisboa... Atendendo às localizações geográficas dos intervenientes pensam que, a música que produzem, reflete esta riqueza de culturas e de vivências?
(Bruno Belthoise): A grande difusão internacional do fado e, por vezes, mesmo a sua vulgarização, não deve servir para nos esquecermos de que se trata de um género musical essencialmente ligado à alma portuguesa. Apesar disso, não é de todo essencial ser-se português para viver interiormente a vibração específica do fado. Essencial é, acima de tudo, deixar-se penetrar pela sua cor, a sua densidade e a sua força. Para além das fronteiras, esta afinidade com o fado pode ligar os intérpretes que não estão, no início, ligados à cultura portuguesa. É a razão pela qual eu, sendo francês, mas que trabalho sobre a música erudita portuguesa há mais de 20 anos, tentei a aventura do fado. O encontro com a voz da Ana Barros e do piano deu à luz essa nova visão, moderna, mas ligada à tradição. (Ana e Bruno): O fado deve ser renovado, deve explorar novos caminhos, sem que isso o leve a perder a sua essência. Com a cumplicidade de Miguel Amaral e do lindíssimo arranjo do Carlos Marecos sobre o "Canto da Suicida" a guitarra portuguesa liga-se ao piano e à voz para fazer renascer um fado antigo do século XIX de uma forma comovente. Este fado é o grande exemplo desse reencontro entre Lisboa, Porto e Paris através de três intérpretes que têm histórias pessoais diferentes.

Após algumas apresentações partiram para a gravação do disco. O disco esteve desde o início nos horizontes deste projeto?
Sim!!! O projeto SEVERA – o fado de um fado, teve sempre diversos objetivos: A redescoberta de um repertório, a apresentação cénica de um concerto encenado pelo Pedro Ribeiro (Encenador em funções no Covent Garden) e a gravação de um disco. Estamos muito orgulhosos e contentes com a extraordinária qualidade sonora deste disco que contou com os técnicos da RDP - Antena 2 através do Eric Harizanos, que assegurou a captação sonora, e a finalização, masterização, etc. esteve a cargo do Rui Sampaio (Pure Sound). Este disco oferece universos extremamente diversificados, ambientes que vão do fado tradicional, das suas origens no século XIX, ao repertório de Amália Rodrigues, passando por alguns "empréstimos" dos fados típicos da revista à portuguesa, ao repertório específico do fado para piano de grandes compositores portugueses, a uma peça bastante moderna, composta pelo Miguel Amaral, para guitarra portuguesa a solo. Toda a escolha dos fados deste disco é inspirada pela época, os bairros populares e a personalidade da Maria Severa.

Falem-nos também um pouco da campanha de Crowdfunding... (como funciona, o que será dado aos financiadores em contrapartida...)
As pessoas que quiserem apoiar o financiamento do CD SEVERA – o fado de um fado, podem fazê-lo através do site PPL (http://ppl.com.pt/pt/prj/severa) que é uma plataforma de financiamento coletivo, aí poderão encontrar diversas opções de investimento: 3€, 5€, 10€, 30€, 50€, 70€ e para os mais afortunados 500€ ou 1000€. Cada um destes degraus de financiamento recebe em contrapartida recompensas que vão do envio do CD, ao concerto privado, passando pelo envio de partituras, material autografado, convites para os concertos de lançamento...

Ana Barros e Bruno BelthoiseQual a razão de terem optado por este meio de financiamento? Estiveram outras soluções em cima da mesa?
A política do editor MPMP é de "escavar" até ao fundo o repertório da música portuguesa, promover novos projetos inéditos atendidos pelos artistas que se dedicam ao serviço da música portuguesa. Conceber, gravar e fabricar um disco tem um custo. O investimento deve ser equilibrado. A solução de recorrer a um crowdfunding é também uma forma de equilibrar os orçamentos. Ao mesmo tempo, é uma forma de envolver em torno do projeto o máximo de pessoas sensíveis à música e que podem assim mostrar o seu interesse por um determinado projeto. Na verdade, basta comprometer-se com 10 € para adquirir o disco e assim ajudar a avançar no seu financiamento. Não esqueçamos que nos séculos XVIII e XIX esta prática já existia, não para discos, mas para a subscrição de concertos. Mozart dava concertos desta forma, vendendo com antecedência o seu conceito, Berlioz fez as suas tournées na Alemanha desta forma e, nos dias que correm, encontramos muitos exemplos deste tipo de financiamentos em Inglaterra e nos EUA. É cada vez mais difícil obter financiamentos públicos ou institucionais para apoiar a produção discográfica. Por exemplo a GDA nunca optou por apoiar o nosso projeto. Nós temos pena pois o projeto vai fazer digressão por vários pontos do globo e será exportado para os Estados Unidos, Canadá, México, França. Esta teria sido uma boa maneira de GDA fazer conhecer o Novo Fado, servido por intérpretes da música erudita. Já o Museu do Fado compreendeu bem a missão e a importância de avançar com as nossas escolhas estéticas!

Já tiveram alguns feedbacks sobre este projeto vindos de pessoas ligadas ao fado tradicional?
O nosso primeiro apoio foi o do Professor Dr. Rui Vieira Nery que, desde o início, sublinhou o interesse do nosso projeto, a sua temática e a qualidade dos compositores associados. Ele foi o nosso conselheiro para a escolha dos fados antigos, que constam do cancioneiro de César das Neves (1894), sobre o tema da Severa. Temos também uma relação privilegiada com o fadista João Braga. A sua presença foi uma constante em ensaios, daí obtivemos conselhos sob o ponto de vista do texto, fraseado, mas também a sua grande curiosidade pela nova formação piano/voz foram um grande encorajamento para nós. Não nos podemos esquecer de citar mais uma vez o Museu do Fado que, após a audição do Master do disco, nos atribuiu a maior chancela de qualidade possível, ao permitir-nos a utilização do logótipo "Fado-Património da Humanidade" no nosso projeto SEVERA – o fado de um fado. O conjunto destas pessoas ligadas ao fado tradicional permitiu-nos chegar à conclusão de que o caminho escolhido foi o correto: renovar o espirito do fado, dar-lhe novas cores através das harmonizações de compositores atuais, sem nunca nos desviarmos da herança tradicional e as melodias são inteiramente respeitadas, assim como todos os poemas.

Ana Barros e Bruno BelthoiseE como é encarado o mesmo no meio dos músicos mais ligados à música erudita, visto que tanto a Ana Barros como o Bruno Belthoise se movimentam assumidamente neste campo?
A carreira de um pianista, assim como a de um soprano, estão efetivamente ligadas à música erudita e ao concerto clássico. No entanto, no que me diz respeito – (Ana Barros) – a minha história familiar está intrinsecamente ligada ao fado através da minha mãe. O fado existe na minha vida desde que me lembro de existir, a minha mãe (também ela cantora) sempre o cantou muito lá por casa e como tal, era tão banal que por vezes pensava que não o conseguia apreciar na sua grandeza... Por tudo isto, sempre estive muito ligada a projetos de fado, em participações nos discos de outros grupos ou fadistas, sempre quis fazer algo diferente, não sou fadista mas acho que, como diz o João Braga, o « duende » já cá está, neste projeto tentei encontrar um compromisso entre a minha voz de fadista e a minha voz lírica de modo a que a técnica esteja salvaguardada, mas as raízes do fado também. Para mim – (Bruno Belthoise) – que desde há anos exploro a música portuguesa clássica, romântica, moderna e contemporânea, o universo do fado era um domínio no qual eu pensava aventurar-me, mas com os conhecimentos do músico clássico. Para este disco SEVERA – o fado de um fado, realizei o arranjo de «Estranha forma de vida » dando-lhe uma dimensão de Lieder, carregado de emoção. Os músicos que ouviram estes fados, quer em ensaio, quer em concerto, ficaram surpresos pela nova forma que propomos e o seu entusiasmo encorajou o nosso trabalho musical.

Consideram que este projeto abarcará um variado leque de públicos?
Bem, na realidade esta é uma pergunta muito difícil de responder. Infelizmente vivemos num país onde este tipo de projetos, que têm as suas bases nos músicos eruditos, não chegam às grandes massas porque não são convidados para os programas televisivos de maior audiência, não passam nas rádios, etc. Mas se falarmos apenas da diversidade musical que consta deste disco, sim! Abarcará seguramente variadíssimos públicos distintos. É fado, sem o ser... É música erudita, sem a ser... Tem um cariz tradicional, sem ser tradicional... É moderno, para quem quer algo novo, mas acima de tudo e como foi feito no "fio da navalha" da emoção é para quem gosta de ser tocado pela música.

O facto de o Fado ser património cultural imaterial da humanidade coloca-o como fenómeno de massas? O Fado está na moda?
(Risos) Pois... a mim – (Ana Barros) - parece-me que sim, cada vez aparecem mais grupos a fazer fado!! Infelizmente, há muitos anos atrás, quando iniciei os meus estudos na ESMAE, o facto de eu cantar fado não era muito bem visto, lembro-me que alguns colegas chegavam a gozar comigo, ainda vivíamos o período negro do fado, que depois do 25 de abril e até ao início do século XXI, esteve latente no espirito dos portugueses. Aliás a única professora que gostava e me incentivava era a Ana Mafalda Castro. Acho até que foi graças a ela, à minha mãe e ao Artur Caldeira que arranjava sempre maneira de me incluir nos seus projetos de fado, que não pus de lado esta paixão. Em Setembro de 2013 fui convidada pela ESMAE para cantar no Harmos Plural (vertente mais popular deste festival criado pela ESMAE). Neste concerto cantei ao lado de professores da escola que me acompanharam e de outros alunos que tocaram fado com grande orgulho. Espero que o país e os músicos eruditos em particular tenham de facto feito as pazes com as suas raízes e que não estejam só a tentar agradar o turista!

Quais os próximos locais onde os nossos leitores poderão ouvir e ver o vosso espetáculo?
(Bruno Belthoise): O nosso CD SEVERA – o fado de um fado, será lançado no dia 8 de maio no Museu do Fado em Lisboa, aí faremos o primeiro concerto de lançamento, mas outros concertos estão já previstos para Lisboa, Porto, Algarve, etc. A seu tempo enviaremos as datas... algumas ainda estão por confirmar. Cada vez mais se confirmam os concertos em cima do acontecimento já que os orçamentos nunca estão disponíveis na altura devida e isso faz com que muitas vezes os concertos tenham que ser adiados ou até mesmo cancelados. (Ana): A maioria dos teatros faz programação a 3 meses, como estamos em fevereiro e o disco só sai em finais de abril, só a partir do final de março é que temos as confirmações. Parece que é da crise!! (risos).

Ana Barros e Bruno Belthoise

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