António Pelarigo, o fado e os anos de maturação que antecederam o primeiro disco.
António Pelarigo fala ao XpressingMusic sobre o seu primeiro disco dizendo que este foi bem conseguido na sua construção. "Letras de grandes autores como Rosa lobato Faria, Paulo de Carvalho, Maria Luísa Batista, João Ferreira Rosa ou até o próprio José Cid e um poema da minha autoria – Senhora da Paz. As músicas são de José Cid e alguns fados tradicionais. Os temas musicados com acordeão e bateria vêm ao encontro das exigências do fado atual, mas nunca perdendo a verdadeira essência do fado, pois qualquer tema ou música poderão ser cantados apenas à guitarra e viola e até serem considerados tradicionais. Isto só se consegue com o tempo".
António Pelarigo, muito obrigado por nos conceder esta entrevista. Pode falar-nos um pouco do seu percurso enquanto cantor, enquanto fadista, até ter sido "finalmente" recrutado pelo José Cid para a gravação deste disco? O fado é uma paixão antiga?
Claro que sim. Desde muito novo que ouvia fado nas telefonias até tarde. Ia fixando as letras e cantando sozinho na varanda de casa dos meus pais. Até que, com 19 anos comecei a cantar com guitarra e viola. Depois fui cantando em várias casas de fado. Como era caixeiro-viajante, na altura, percorria o país todo e como tal cheguei a cantar em algumas casas de fado no Porto. Cantava na minha terra em Santarém e sempre que podia ia para as casas de fado em Lisboa. Mas nunca abdiquei do meu trabalho para seguir uma carreira no fado. Tive sempre o fado como uma segunda opção. Até que o meu amigo José Cid, depois de vários anos a incentivar-me a gravar, me propôs esta oportunidade e como já estou reformado desta vez não pude recusar.
Considera que cantar bem não basta? Porque estivemos tanto tempo à espera deste trabalho?
Cantar bem não basta. Por vezes é preciso ter sorte com as pessoas que queiram apostar em nós. Também é preciso ter sorte com as pessoas que escrevem para nós. Os tempos de hoje são diferentes e mais exigentes em tudo o que envolve uma carreira artística. Mas penso que na minha altura, como hoje, a música é uma área inconstante. Hoje temos trabalho, amanhã já não! Aparecem novos valores ou novas formas de se trabalhar. Ou acompanhamos ou ficamos p'ra trás. Mas realmente sempre fui bafejado por essa sorte, apenas sempre me desencontrei dela em prol da minha segurança financeira, pois com 23 anos já tinha mulher e três filhos p'ra criar.
Para além do José Cid e da sua etiqueta ACid Records, houve propostas de outras editoras para produzirem e editarem o seu trabalho?
Sim. Para além de ter reuniões marcadas com a MVM através do meu querido amigo e saudoso Carlos Zel, cheguei a ter contrato assinado com a Valentim de Carvalho durante 4 anos, mas também nunca me comprometi. Na altura era o Jorge Fernando o produtor mas saiu ao fim do primeiro ano do meu contrato e como eu não tinha reportório e também nunca fiz muita força para gravar, recebi no final do contrato uma carta de Mário Martins que dizia, "... como é possível um artista ter um contrato assinado 4 anos com uma editora e nunca aparecer para gravar...?"
O seu fado vem ao encontro do fado que agora se vem produzindo? Como caracteriza este disco?
Como o José Cid diz e muito bem, "este disco faz a ponte entre o fado tradicional e o fado musicado...". Penso que está muito bem conseguido na sua construção. Letras de grandes autores como Rosa lobato Faria, Paulo de Carvalho, Maria Luísa Batista, João Ferreira Rosa ou até o próprio José Cid e um poema da minha autoria – "Senhora da Paz". As músicas são de José Cid e alguns fados tradicionais. Os temas musicados com acordeão e bateria vêm ao encontro das exigências do fado atual, mas nunca perdendo a verdadeira essência do fado, pois qualquer tema ou música poderão ser cantados apenas à guitarra e viola e até serem considerados tradicionais. Isto só se consegue com o tempo.
O mundo do fado e dos fadistas é acessível ou, por outro lado, se torna por vezes quase impenetrável?
Claro que é acessível. É um mundo como o de outra área qualquer! Somos pessoas iguais a todas as outras! Penso que é fácil aceder ao mundo do fado, mas ser fadista é que não é p'ra todos. O fado é um estado de alma, uma maneira de estar, maneira de ser ou de sentir. É muito próprio. Daí se dizer na "gíria" fadista, "P'ra se ser fadista não tem que saber cantar, basta saber ouvir". Por isso digo que, por muito que se goste ou que se cante o fado, pode-se nunca ser fadista. Isso não se aprende, nasce com a pessoa.
Sabemos da insistência de Jorge Fernando e João Ferreira Rosa para que mostrasse ao mundo o seu trabalho e a sua voz. Porque não avançou nessa altura?
Como já referi, sempre dei prioridade ao meu trabalho porque me garantia o ordenado ao fim do mês. Sentia-me mais seguro. Fui marido e pai muito cedo. E o fado não me dava essa garantia. Como ainda hoje, quem quer fazer carreira no fado tem que ir para Lisboa, estar nas casas de fado, aparecer nos sítios do fado. Eu na altura, como ainda hoje, vivia em Santarém, onde tenho a minha família, casa, amigos e por isso nunca se proporcionou.
Quais as suas principais influências? Tem algum fadista, ou cantor de outro género musical, que eleja como preferido?
As minhas referências são a Amália Rodrigues, João Ferreira Rosa, Alfredo Marceneiro ou Lucília Do Carmo. Todos diferentes mas muito próprios. Na minha opinião são, de facto, os mestres da nossa música. Ainda hoje ouço discos e encontro sempre qualquer coisa de novo que me arrepia e que ainda não me tinha apercebido. Cada vez que os ouço aprendo qualquer coisa de novo. Não me posso esquecer de maneira nenhuma do grande António Mourão. Ele é de facto o "culpado" de eu hoje cantar o fado. Era quem eu ouvia nas telefonias em miúdo e lá ia cantarolando as músicas deste cantor que tanto gostava e que ainda hoje gosto.
Costuma dizer-se que o mais difícil é "abrir a embalagem"... Tem já em mente um novo disco ou novos projetos musicais?
Sim. O reportório já está quase pronto. Penso que vai ser mais uma surpresa, mas primeiro irá sair o DVD do concerto de apresentação deste meu disco.
Este disco tem-lhe dado a oportunidade de cantar ao vivo? Onde poderão, os nossos leitores, ouvir o António Pelarigo em breve?
Tenho alguns espetáculos agendados e agenda será revelada brevemente, com algumas surpresas pelo caminho.
A sua atividade artística é atualmente sustentável? Tem mais alguma atividade para além do fado?
Neste momento já estou aposentado. Para além da reforma, o fado é a minha única fonte de rendimento. Mas "se é sustentável?", ainda é cedo para poder responder.
José Cid foi realmente muito importante para o António Pelarigo. Podemos esperar que a ACid Records continue a editar os seus trabalhos?
Espero que sim. Estou muito satisfeito com o desafio e será uma grande honra poder contar com o apoio do José Cid.
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