Quarteto Contratempus, Fátima Fonte e Tiago Schwäbl em entrevista sobre “A Querela dos Grilos”

Quarteto ContratempusFomos aos bastidores de um espetáculo com duas faces. O Quarteto Contratempus, tendo o barítono Job Tomé como convidado, irá apresentar uma primeira parte dedicada à "Semana Profana", de Regina Guimarães e Fernando Lapa e, na segunda parte, apresentará a ópera buffa "A Querela dos Grilos" de Tiago Schwäbl e Fátima Fonte. O encenador António Durães assina um espetáculo onde se pretende levar a ópera ao grande público de forma leve, descontraída e, ao mesmo tempo, envolvente visto que, quem assiste, é convidado a participar. Esta será outra inovação. O público também entra neste espetáculo. A equipa do XpressingMusic foi ao ensaio geral no Teatro Municipal do Campo Alegre no Porto e apresenta aqui um conjunto de conversas com os principais intervenientes.

Começamos esta conversa tentando saber um pouco mais sobre o Quarteto Contratempus. Como começou este projeto?
(Teresa Nunes): O Quarteto foi formado na classe de música de câmara do Prof. Jaime Mota na ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo) e realmente foi um grupo de amigos que se juntou originando uma formação com soprano, clarinete, violoncelo e piano. Quando fomos procurar reportório, reparámos que nos tínhamos metido em algo complicado porque não existiam muitas obras para esta formação. Foi por isso que nos envolvemos em alguns projetos de criação nos quais outros compositores compõem para nós para que consigamos ter mais reportório.

Então o vosso reportório é constituído essencialmente por obras compostas especificamente para vocês ou também existem adaptações e arranjos de obras originalmente escritas para outra formação?
Nós também temos algumas transcrições que fizemos sobretudo de violino para clarinete mas, na sua grande maioria, o nosso reportório é constituído por obras que foram compostas especificamente para nós como "A Querela dos Grilos" que estivemos agora a tocar. Neste caso específico juntámos também a voz de um barítono.

Quarteto ContratempusAgora que falamos do barítono, gostaríamos de saber se o Job Tomé já tem colaborado com o Quarteto Contratempus noutras situações...
(Job Tomé): Não. Esta foi a primeira vez.

A Querela dos Grilos teve a sua estreia em Esposende. Como foi a reação do público?
(Crispim Luz): Considero que foi uma estreia feliz. Esta ópera foge um bocado aos cânones da ópera contemporânea, ou pelo menos à ideia que o público em geral tem das óperas contemporâneas. Isso foi bom porque acabou por aproximar o público geral da ópera contemporânea.

Essa é uma preocupação do Quarteto Contratempus? Pretendem aproximar o grande público de obras como esta?
(Teresa Nunes) Sim. Sem dúvida.

Apostaram numa linguagem mais fácil?
Essa resposta deixo para a compositora, pois é ela a criadora da obra. Mas, sem dúvida que essa é uma das nossas preocupações, ou seja, levar a ópera a mais público e que esta seja mais acessível e mais próxima. Penso que foi também essa a ideia da Fátima Fonte nesta obra e que faz com que esta resulte tão bem.

A obra do Fernando Lapa já não é estreia... Portanto o que estrearam foi somente "A Querela dos Grilos"...
Curiosamente a obra do Fernando Lapa, "Semana Profana", foi a primeira obra que interpretámos quando nos juntámos. Estreámos essa obra em Espanha em 2009. Agora fomos resgatá-la para que o espetáculo tivesse a nossa primeira obra e a última (risos).

Qual é então a duração total do espetáculo?
A "Semana Profana" tem cerca de 30 minutos e a ópera "A querela dos Grilos" tem 45. O espetáculo terá uma duração total de 1 hora e 30 minutos com intervalo.

Quarteto ContratempusPodem partilhar com os nossos leitores quais as próximas datas em que apresentarão este espetáculo?
Já neste sábado, 21 de fevereiro estaremos no Teatro Municipal do Campo Alegre, aqui no Porto pelas 21:30. Depois, já na próxima semana, a 28 de fevereiro estaremos no Teatro Ribeiro Conceição em Lamego, no dia 23 de abril no Teatro Sá de Miranda em Viana do Castelo, no dia 19 de março estaremos no Conservatório Superior de Vigo, no dia 30 de abril no Auditório do Conservatório de Coimbra e no dia 30 de maio no Teatro Vilarinha aqui no Porto.

O facto de fazerem estas incursões por Espanha está relacionado com o facto de a Brenda Hermida estar convosco? Como tem sido recebidos os vossos espetáculos em Espanha?
Sim. Tem a ver com a Brenda estar connosco. (Brenda Hermida): Esta peça ainda não foi estreada em Espanha. Estaremos lá, em Vigo a 19 de março. No entanto tenho a certeza de que a reação será boa. Teremos o calor do público. Temos sido bem recebidos em Espanha.

Todos vocês têm outras ocupações artísticas para além do Quarteto. É difícil conjugar as vossas agendas?
(Teresa Nunes): Sem dúvida. Se tivermos em conta que a pianista é espanhola... (Brenda Hermida): Sim. Hoje, por exemplo, terei que sair mais cedo do ensaio para ir dar aulas a Espanha.

A Brenda faz carreira artística e docente em Espanha? Foi lá que fez a sua formação?
Sim. A minha carreira artística e docente passa por Espanha. Relativamente à minha formação foi feita aqui no Porto, na ESMAE, e também em Espanha, nomeadamente no Conservatório Superior de Vigo onde iremos atuar no próximo dia 19 de março.

Então a formação de todos os elementos passou pela ESMAE...
Sim. Mesmo todos. O convidado Job Tomé, a compositora Fátima Fonte e o Libretista Tiago Schwäbl, todos estudámos na ESMAE. (risos) (Job Tomé): Há aqui um aspeto interessante e que se prende com o facto de a Fátima Fonte, compositora da obra "A Querela dos Grilos" ter sido aluna do Prof. Fernando Lapa que compôs a "Semana Profana".

Quarteto Contratempus, A Querela dos GrilosTemos então aqui um conjunto de confluências que faz da ESMAE um ninho de criatividade (risos).
Temos que lhe dar o mérito de ter uma forma ímpar de funcionamento. Não é todos os dias que encontramos uma escola aberta 365 dias por ano, 24 horas por dia.

Isso faz com que seja quase "obrigatório" que as pessoas se encontrem, que as pessoas produzam...
(Teresa Nunes) Sim. A ESMAE também colaborou connosco para este espetáculo cedendo-nos salas para ensaios, por exemplo.

Quais os principais palcos por onde já passaram?
Agora Portugal acaba por ser onde estamos a fazer mais espetáculos mas antes andávamos mais por Espanha. (Brenda Hermida): A nossa formação adequa-se melhor a espaços não convencionais como Museus. Já estivemos no Museu de Arte Contemporânea de Vigo, na Universidade de Santiago de Compostela... Se falarmos de palco, obviamente que temos de referir o Teatro Helena Sá e Costa. (Crispim Luz): Já estivemos também no Salão Leopoldo Miguez, da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro quando foram as comemorações do ano de Portugal no Brasil em 2013.

Próximos projetos...
Embora já tenhamos ida marcada para Vigo, gostávamos de internacionalizar ainda mais este projeto.

Mas, tendo em conta de que o libreto é em português, estamos a falar de levar o projeto a países de língua portuguesa?
Sim, já pensámos nisso. Prioritariamente queremos visitar países lusófonos. (Teresa Nunes): Também poderemos levar este projeto a comunidades portuguesas de outros países que não lusófonos... Há um outro projeto que gostávamos de estrear cá em Portugal e que é uma ópera de câmara que se chama Domitila do compositor brasileiro João Ripper. Esta obra está quase pronta para ser estreada cá em Portugal visto que no Brasil já foi. (Crispim Luz): O curioso é que foi escrita para esta formação. A obra foi escrita em 2000 e até foi premiada. Nunca tínhamos tido contacto com o compositor e tivemos conhecimento da obra quando andávamos à procura na internet de reportório para este tipo de formação.

Quarteto Contratempus, A Querela dos Grilos

Vamos agora virar-nos aqui para a Fátima Fonte, compositora desta obra "A Querela dos Grilos" e para o Tiago Schwäbl que foi o autor do libreto. À semelhança do que fizemos com o Quarteto Contratempus, vamos começar por contextualizar os nosso leitores com a vossa formação e com aquilo que têm vindo a fazer para além da obra que agora está a ser apresentada. Começamos pela Fátima Fonte perguntando-lhe qual era a sua formação antes de ir para a ESMAE. Tocava algum instrumento?
Sim. Eu tocava piano. Fiz o conservatório em piano e depois é que fiz composição na ESMAE. Despois da ESMAE ainda passei uma temporada na Índia a estudar música vocal indiana. Foi uma altura em que manifestei um grande interesse pelo canto. Esse interesse tem-se mantido e é por isso que agora me encontro a escrever mais para voz. Depois de ter estado na Índia fiz um mestrado em composição no Conservatório de Amsterdão.

Para além da composição, dedica-se a mais alguma atividade? Dá aulas?
Surpreendentemente, no último ano e meio estive a trabalhar somente como compositora. Estive durante um ano a trabalhar com a companhia Teatro de Ferro cá do Porto. Estive a compor e a tocar para produções desta companhia. Entretanto estive a fazer esta ópera mas em breve irei dar aulas.

Fátima FonteComo tem acompanhado a evolução da música em Portugal?
Não sei se estou tão bem informada relativamente ao que me pergunta mas, daquilo que observo, fico com a ideia de que em Portugal é mesmo difícil ter-se a ambição de fazer uma carreira artística. Embora sigamos pela via artística quando tiramos uma licenciatura, na verdade penso que durante o curso todos se vão conformando com o facto de ter que vir a dar aulas e fazer um ou outro trabalho artístico. Considero que este género de formato é muito perigoso porque, embora tenhamos músicos com muita qualidade, quando não há tempo torna-se difícil fazer-se coisas boas e duradouras. Não falo tanto na perspetiva da falta de qualidade mas na questão da construção de uma carreira, que é algo muito difícil de termos por cá.

Enquanto compositora, trabalha essencialmente nas encomendas que lhe fazem ou vai compondo um reportório que vai guardando à espera de quem venha a interessar-se por ele?
Até agora tenho trabalhado mais no sentido de responder às encomendas, aos projetos que já têm músicos e a concretização dos mesmos em vista. Mas gostava de me dedicar mais a projetos meus sem as pressões dos prazos e sem tantas preocupações com a realização.

Considera que o facto de haver um prazo ou a imposição de um tema condiciona a sua liberdade na criação?
A questão da liberdade é um pouco complexa porque, às vezes, sentimo-nos menos livres quanto maiores forem as opções. Tenho composto numa perspetiva interdisciplinar, pelo menos é o que tem acontecido neste último ano e meio. São trabalhos que envolvem muitas outras pessoas, ou seja, não são coisas que eu possa decidir sozinha. Às vezes as limitações trazem liberdade noutras, por causa de prazos e outras situações podem estreitar bastante o campo da criatividade.

A música que compõe é uma mescla das referências que foi obtendo ao longo da sua vida ou tem efetivamente um compositor que seja "a referência"?
De certeza que o meu trabalho se deve a um conjunto de influências que eu nem andarei a localizar. Ao nível da ópera, a minha referência maior é um professor que tive em Amsterdão e que é o Richard Ayres. Gosto muito da forma como ele escreve, especialmente porque o que faz nunca é aborrecido.

Tiago SchwäblPerguntamos agora ao Tiago Schwäbl se a sua vida passa em grande parte pela escrita...
Não (risos). Cheguei à escrita a reboque da Fátima Fonte pois foi ela que me "puxou" para escrever o libreto. Não sou libretista nem nada que se pareça. É claro que tenho um interesse muito grande pelas coisas da escrita. Já fiz algumas experiências mas esta foi a primeira versão oficial.

E a sua formação na ESMAE?
Fiz o percurso de flauta transversal.

O que tem feito ultimamente? Continua o seu percurso enquanto performer?
Cada vez menos, até porque foram surgindo outras coisas e eu sempre tive interesse por fazer imensas coisas diferentes. Mas a flauta foi estando sempre presente, essencialmente em projetos de música contemporânea. Atualmente estou a fazer uma pós-graduação na Faculdade de Letras de Coimbra num curso que se chama "Materialidades da Literatura". É uma investigação que não aborda diretamente a música mas trata as pontes entre o som e a palavra e vice-versa. Essencialmente a poesia sonora que é uma coisa que me interessa.

O Tiago Schwäbl e a Fátima Fonte compuseram a obra "A Querela dos Grilos" em conjunto ou houve uma primeira abordagem musical e depois surgiram as palavras?
(Fátima Fonte): Não. Primeiro o Tiago apresentou os primeiros textos e depois fomos trabalhando sempre em conjunto.

Quarteto Contratempus, A Querela dos GrilosNão se pode nem dizer que houve primeiro palavra e depois melodia nem vice-versa?
(Tiago Schwäbl): Primeiro houve um pedido que, atendendo ao contexto da ópera, se pretendia não muito sério. Baseava-se portanto na Commedia dell'arte em que havia as personagens-tipo, ou sejam, um velho resmungão, o militar, a serva mandona, depois como referência, La serva padrona do Pergolesi, ou seja tudo isto funcionou como inspiração. A ideia era portanto abordar, não só o lado leve, mas também o lado crítico e atrevido, divertido... como contraste à ópera séria. A partir dessa ideia fomos desbravando em conjunto, sendo a Fátima muito exigente, o que foi bom porque elevou o nível.

Compor para este tipo de formação é algo a que os compositores não estão muito habituados, visto ser uma formação muito original... Houve algum momento em que sentisse alguma dificuldade? Nunca pensou que lhe faltava ali outro instrumento qualquer?
Eu até considero que esta formação é bastante equilibrada no sentido em que temos um instrumento harmónico, ou seja, o piano, utilizei bastante o clarinete no seu papel de instrumento melódico, o violoncelo mais na parte grave... Considerei mesmo a formação muito equilibrada e adapta-se perfeitamente para ter dois cantores porque tem muita presença mas nunca os abafa e apresenta muito equilíbrio a nível sonoro.

A forma como compôs a obra "impôs" mais um elemento ao Quarteto...
Sim. Nós falámos disto logo no início porque nos pareceu que era precisa uma dialética, um diálogo, o que conseguimos com os dois cantores ao longo de toda a obra. Quero no entanto dizer mais uma coisa em relação à instrumentação. Só senti falta de percussão e isso justifica aqueles pequenos instrumentos de percussão que vão surgindo ao longo da peça. Isso foi facilmente resolvido. Apesar de ser uma formação pequena, considero que tem muitas possibilidades tímbricas. Gostei muito de trabalhar com esta formação.

Quarteto Contratempus

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