António Pinho Vargas. A entrevista.

António Pinho VargasAntónio Pinho Vargas é Compositor, músico e ensaísta. Licenciado em História, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é também detentor do Curso Superior de Piano do Conservatório do Porto e Mestre em Composição pelo Conservatório de Roterdão na Holanda. Em 2012 recebeu o Prémio Universidade de Coimbra, pela sua contribuição para a música contemporânea portuguesa e o Prémio José Afonso pelo disco Solo II. Este ano, com a obra "Magnificat para Coro e Orquestra", alcançou o Prémio SPA Autores. Daqui a alguns dias, no dia 1 de Outubro, será lançado o seu CD, "Requiem & Judas", pelo Coro e Orquestra Gulbenkian, na Naxos. Para António Pinho Vargas, este CD representa a concretização de um destino, o cumprimento de um projeto de vida.

Olhar para António Pinho Vargas é vislumbrar uma pessoa da qual provém música, som, harmonia... Músico, compositor, sociólogo musical... a música é uma paixão que o acompanhou sempre e desde tenra idade? Com que idade começou a ter as primeiras lições de música?
Claro que sempre gostei de música mas, apesar de ter começado a estudar aos 9 anos de idade, só muito mais tarde a música passou a ter a importância maior. Em todo o caso nunca ao ponto de ter pensado no que sucederia depois.

Quando optou por fazer uma licenciatura em História, o que falou mais alto? O gosto por essa área de conhecimento ou o receio de avançar para uma formação mais assumida numa área que naquele tempo ainda não seria encarada como séria e potenciadora de uma profissão segura e estável?
Optei pela História pelo meu interesse na matéria. Não tive de abdicar de nada relacionado com a música. Como disse, só pelos meus 22 anos já o curso de História ia adiantado é que decidi estudar música a sério. Nada foi linear.

António Pinho VargasO António Pinho Vargas de que nos lembramos nos anos 80, é alguém que compõe e toca sonoridades próximas do jazz e da fusão. O que o fez abandonar este trajeto? Apaixonou-se por outras linguagens musicais?
Diz bem, e muita gente me colocou essa pergunta nesses termos. Mas mais uma vez não é completamente verdade. Trata-se da diferença entre "o homem público" e o homem privado" só que, neste caso, não é nada privado porque já o disse muitas vezes. Não é segredo. Se me permite uma pequena deriva é uma questão idêntica à da persona, a máscara que os atores da tragédia grega usavam. Já no século XX Jung usou esse conceito para assinalar que uma vez colada uma persona, uma máscara ao rosto de um homem público não é fácil desmontá-la e substituí-la por outra. O que aconteceu é que as duas coisas evoluíram em paralelo mas a velocidades diferentes. Em 1974 fui com amigos a uma "Fête de l'Humanité" em Paris. Assisti tanto a um concerto do japonês Stoku Yahamasta, como fui ouvir a Sequenza III de Luciano Berio com dança. Aconteceu é que enquanto estudava piano e procurava compreender e estudar aquilo que se chamava então música contemporânea, o meu grupo de jazz, na continuidade do que tinha feito antes, com os meus grupos dos anos 70 no Porto e com Rão Kyao - gravei o seu primeiro disco, Malperthuis em 1976 - começou a gravar discos em 1983 e teve algum sucesso, acima do previsto nos meios. Por isso, na verdade as duas tradições musicais estavam dentro dos meus interesses desde o início. Mas a persona pública era aquela que descreveu. A outra era desconhecida para a maior parte das pessoas. Porquê? Porque não tinha o impacto público e apenas alguns colegas e professores meus a conheciam.

Já tocou ao lado de nomes como Kenny Wheeler, Steve Potts, Paolo Fresu, Arild Andersen e Jon Christensen. Foram tempos de grande absorção cultural e musical? Podemos dizer que foram experiências repletas de aprendizagens que ainda hoje transporta consigo, mesmo que em contextos diferentes?
Claro que sim. Mas também foram experiências que me mostraram que não queria ter uma vida-tipo de músico de jazz. Era duro e alguns dos nomes que referiu nem sequer eram homens felizes. Alguns manifestavam inquietações e angústias, em especial Kenny Wheller com quem tive uma conversa importante em Vigo em 1982. Ele não estava satisfeito com a sua vida. Tive uma surpresa. Mas a aprendizagem, de música e de vida, foi acontecendo, foi-se acumulando.

António Pinho VargasCompor para teatro e para cinema é um desafio que lhe tem agradado? O que mais o fascina neste âmbito?
Agradou de facto durante um certo período. Fiz música para duas peças de teatro e cinco filmes. Mas apenas para três artistas: Carlos Avilez (Hamlet e Ricrado II de Shakespeare), João Botelho (3 filmes) e José Fonseca e Costa (2 filmes). Trata-se de trabalho muito mais bem pago do que por exemplo compor uma ópera, especialmente no cinema... O dobro de modo geral. Os orçamentos são muito superiores. No entanto é necessário que haja identificação com os cineastas e os encenadores. São eles que decidem, que usam a música ao serviço das suas imagens e das suas encenações. Sempre considerei que não eram "obras minhas" mas trabalho para outros artistas. Não devo voltar a fazê-lo.

O universo da música contemporânea tem absorvido o seu tempo enquanto compositor. Sente que é preciso uma grande maturidade para abordar estas linguagens sobre as quais agora se debruça?
É sempre preciso ter alguma maturidade. Mas nas outras práticas musicais igualmente. O que muda são as tradições musicais, os métodos de aprendizagem, até a crítica especializada e os próprios lugares onde se ouve a música. É uma diferença social que existe independentemente da nossa vontade. Cada tradição musical tem as suas regras e, nestes casos, as maturidades que se reclamam são simplesmente diferentes. Não estão acima nem abaixo. O público é que é menor. Se o jazz já era minoritário que dizer da chamada "música contemporânea"? Aliás é um termo criado sobretudo nos anos 50, que é urgente deixar de usar. É nefasto.

O que nos mostra na sua tese, "Música e Poder: para uma sociologia da ausência da música portuguesa no contexto europeu", dá-nos a ideia de que sempre tocámos para dentro e de que nunca nos afirmámos cultural e musicalmente numa Europa dominada por outros grandes nomes... Será a nossa dimensão enquanto país uma justificação aceitável para tão triste constatação?
Há centros de poder, tal como no jazz o centro está localizado nos Estados Unidos. O problema de Portugal nesse aspeto é muito semelhante ao de outros países periféricos da Europa, que estão excluídos dos centros de poder dominantes dos países centrais da Europa. Um dos principais problemas é que nesta área musical, os próprios portugueses que se dedicam a esta prática musical ou que desempenham lugares de decisores culturais assumem como verdadeira a "narrativa central" que não inclui música portuguesa de nenhum século. António Pinho VargasNesse sentido reproduzem a "ausência" no interior do próprio país. Os seus valores são miméticos dos valores dominantes nesses países. É de lá que leem as revistas, as publicações, onde verificam quais são os artistas que agora importa "trazer cá", uma expressão de Eduardo Lourenço - a articulação "cá dentro", lá fora" que faz parte de todos os discursos sobre a atividade cultural e de que podemos ouvir exemplos diários na política, onde a subalternidade é igualmente assumida como "natural".

Temos caminhado para inverter o cenário que nos relata na sua tese?
Não. Há fatores que melhoram, outros que permanecem, outros que pioram. Depende. Quando há dispositivos de poder instalados e em pleno funcionamento não seria certamente um livro que poderia alterar isso. Nalguns aspetos julgo que a tese central do meu livro nem sequer é percebida. É como dizia Bourdieu: quando os subalternos utilizam os mesmos quadros de pensamento, os meus valores que os oprimem não há grande coisa a fazer. A derrota está interiorizada e naturalizada. Não é percecionada como tal.

O que falta a Portugal para que a música erudita e o jazz ocupem um lugar mais visível tornando a democratização do acesso à cultura uma verdade efetiva?
Nada que não falte igualmente noutros países. Há uma diferença de escala na vida cultural no seu todo. Por isso o que falta é o mais elementar bom senso e, em segundo lugar, uma consciência do que é um serviço público. Muitos agentes culturais encaram os lugares que têm para pôr em prática a sua visão do mundo. Que haja outras não os preocupa.

António Pinho Vargas - Requiem JudasSente-se hoje um cidadão mais conformado?
Conformado não diria. Luto até mais não. Mas mais lúcido sobre os diversos poderes e mecanismos de poder que operam no mundo e, por isso, mais revoltado.

Em 2015 vamos assistir a estreias de obras suas? O que nos traz para breve?
Talvez um Concerto para Violino e orquestra e um Quarteto de Cordas, que será o 4º. Mas neste momento estou concentrado na saída dia 1 de Outubro do meu CD, Requiem & Judas, pelo Coro e Orquestra Gulbenkian, na Naxos, que representa para mim a concretização de um destino, o cumprimento de um projeto de vida. Adoro aquelas peças e jamais esquecerei tanto os ensaios como as reações dos públicos que ainda hoje, anos passados, me comovem. Dez anos separam as duas peças, 2002 e 2012 por isso está mais presente em mim o Requiem, para alguns a minha melhor peça. Mas isso não sei.

Muito obrigado por nos ter dedicado um pouco do seu precioso tempo. Para terminar, deixamos aqui um conjunto de perguntas para respostas breves e rápidas.

Qual o seu compositor preferido?
Gosto de vários, como é natural. Dos mais recentes Ligeti, Kurtag, Wolfgang Rhim, Sofia Gubaidulina e alguns outros. Tenho feito um esforço para ouvir Shostakovich porque devia contrariar aquilo que a minha geração se habituou a menosprezar, sem propriamente conhecer. Puros preconceitos modernos. Essa geração fez mal: é um génio absoluto. Mas em todos os que admiro, gosto apenas de obras específicas ou de trajetos de vida. São seres humanos como vocês e eu.

Qual o seu escritor preferido?
Vários, demasiados para colocar só um nome. Não gosto de escolher nem o "melhor", coisa que não existe, nem os favoritos embora os tenha. Saramago e Philip Roth são alguns dos muitos.

Admira algum político?
Neste caso, já só mortos.

Qual a viagem da sua vida?
Gostei de ir a S. Francisco.

Qual o último livro que leu?
A Gente de Smiley de John le Carré

Qual o seu filme preferido?
Citizen Kane de Orson Welles. Gosto de outros mas este filme vi aos 15 anos. Por isso será hoje e sempre.

Qual a sua principal fonte de inspiração quando compõe?
As ideias que surgem. Sem ideias não há inspiração que nos salve.

António Pinho Vargas

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