Sérgio Charrinho. O trompete, a música, a carreira…
"Portugal não tem a tradição musical que existe no centro da Europa. Para além disso não existem as infraestruturas que existem nos grandes centros como Berlim, Amesterdão, Paris ou Londres. Apesar dos investimentos de muitas autarquias do país na recuperação de salas de espetáculo, depois há um vazio orçamental para manter essas salas com uma atividade regular. Ora, a falta de regularidade faz com que o público não tenha o hábito de ir a concertos. Esse problema é ainda mais evidente na música erudita já que, como sabemos, não é o tipo de música mais popular em Portugal, pois continua a ser associado a um certo elitismo que afasta também algum público". Sérgio Charrinho
Sérgio Charrinho, muito obrigado por ter aceitado este nosso desafio. Quando iniciou os seus estudos musicais com o seu pai, já tinha em mente que o trompete iria ser o seu instrumento?
Quando comecei a aprender música sabia apenas que queria tocar um instrumento. Entrei para a Banda de Nisa, da qual o meu pai é professor e maestro e as coisas foram acontecendo. Por haver algumas lacunas no efetivo da banda fui fazendo um percurso por quase todos os metais: trompa, bombardino, trombone e finalmente o trompete.
Ao ingressar, em 1993, no Conservatório Regional de Portalegre, já estava decidido que iria ser músico profissional?
Não... gostava de ser músico mas não tinha a mínima noção do isso significava. Nessa altura tocava trombone e trompete. Acabei por entrar no conservatório porque demonstrava alguma facilidade com a música e também porque apenas nesse ano passou a haver professor de trompete no conservatório (antes era um professor de saxofone que assegurava as aulas de trompete).
Houve alguma razão especial para ter optado pela Escola Profissional de Artes da Beira Interior para prosseguir os seus estudos?
A razão foi a influência de alguns colegas e, principalmente, de um professor do conservatório que também trabalhava na Covilhã, o professor José Raimundo. De resto, nessa altura não tinha quase nenhum conhecimento sobre trompetistas e professores de trompete.
Como surgiu a oportunidade de ingressar no Conservatório Hector Berlioz em Paris?
A oportunidade surge, mais uma vez, pela influência de um colega que tinha ido estudar para esse mesmo conservatório e também com a ajuda do meu professor da altura, Fernando Jorge Ribeiro, que conhecia o professor desse conservatório, Bruno Nouvion e isso acabou por facilitar todo o processo do ingresso lá.
Quando alcança o 1.º Prémio de Trompete e Música de Câmara no Ciclo Superior em 2002, teve a sensação de que trilhava o caminho certo? O que significou este prémio para o Sérgio Charrinho?Durante o primeiro ano em que estive em Paris cheguei a duvidar se aquele seria o caminho certo. No entanto, ao fim do segundo ano os resultados começaram a aparecer, principalmente a nível técnico. No fim do meu terceiro ano, altura em que fiz o concurso para a obtenção do diploma, aí sim, percebi que tinha feito a escolha certa e que tinha valido a pena todo o esforço. A obtenção do prémio (aquilo a que os franceses chamam o nosso diploma de estudos musicais) foi na altura um mero "papel", já que aquilo que me interessava mesmo eram os resultados práticos e a forma como eu tocava.
Para além de nomes como Bruno Nouvion, José Augusto Carneiro, Clément Garrec, Allan Vizzuti, Matthias Hofs, Phillipe Legris, John Miller, Michael Sachs, Quinteto Barquisimetal e Quinteto Canadian Brass, que outros mestres se tornam incontornáveis quando falamos da formação do Sérgio Charrinho enquanto músico e trompetista?
Ao longo da minha vida tenho aprendido com todos os músicos que se cruzaram comigo, desde o primeiro dia em que me iniciei com o meu pai até ao meu último concerto na semana passada. Como a música é um processo de constante aprendizagem, se estivermos disponíveis há coisas a aprender a cada ensaio e a cada concerto. Posso dizer que aprendi muito com os meus professores de trompete, em aulas particulares e masterclasses, mas também tenho aprendido com a minha experiência como músico e professor.
Pode falar-nos um pouco da sua experiência como 1º Trompete da orquestra da C.I.U. de Paris durante três anos sob a direção de A. MacDonnel? Foram anos de intensa aprendizagem também?
Foram anos maravilhosos que coincidiram com o meu tempo de estudos em Paris. Era uma orquestra que juntava alunos dos conservatórios de Paris e também alunos de música que viviam na cidade universitária, como era o meu caso. A orquestra, apesar de ter uma base de músicos constituída por alunos, tinha à sua volta uma estrutura muito profissional, a começar pelo maestro MacDonnel. O repertório da orquestra era muito aliciante para jovens estudantes e para além disso tínhamos oportunidade de acompanhar solistas de renome. Depois havia ainda a parte social, com músicos de várias nacionalidades, o que era sempre uma experiência muito enriquecedora a nível cultural.
Já estreou algumas obras para trompete... Pode referir-nos quais as peças que já estreou?
Estreei em Paris uma obra para 2 trompetes de P. Klanac, um jovem compositor que conheci na altura em que estudava em Paris. A obra tinha sido originalmente idealizada para duas vozes soprano mas acabou por ser transformada numa obra para dois trompetes. Entretanto ao longo dos últimos anos, tenho estreado algumas obras com orquestra.
A homenagem a G. Enesco na embaixada da Roménia em Paris foi outro momento marcante da sua carreira. Concorda?
Foi mais um momento importante. Era uma grande homenagem que estava a ser feita ao compositor com a participação de alguns músicos consagrados. Para além disso, foi um concerto transmitido para a televisão Romena e coube-me a mim a tarefa de tocar uma das obras mais importantes do compositor e do repertório de trompete, "Legende".
Quais os projetos musicais em que participou até hoje? E atualmente, quais os projetos que integra?
Para além da Orquestra Metropolitana de Lisboa, faço alguns concertos no âmbito de música de câmara com colegas da orquestra. Paralelamente, faço parte de um quinteto de trompetes (almost6) com o qual desenvolvo uma atividade regular e que passa não só pela realização de concertos, mas também pela organização de eventos como o Festival Internacional de trompete Almost6 que terá a sua segunda edição muito em breve, de 13 a 16 de Novembro. Depois, colaboro de uma forma mais ou menos regular com outras orquestras e formações não só de música erudita. Em relação aos projetos dos quais fiz parte, apesar de gostar muito de trabalhar em formações de câmara, nunca participei em muitos. Tive um quinteto de metais (Harmon Brass) que infelizmente não está ativo neste momento, que foi um grupo criado no âmbito de uma disciplina de música de câmara na EPABI. Para além de uma imensa atividade em termos de concertos, vencemos o Prémio Jovens Músicos da RDP em 2001, o que era e continua a ser um concurso muito difícil de vencer com uma formação de metais.
Ao participar no programa da RTP 2 "Sons da Música" dedicado ao trompete sentiu que o seu nome era uma referência incontornável quando se fala deste instrumento em Portugal?
Nunca penso nisso. Esse tipo de questões são muito faladas enquanto somos estudantes, se um músico é melhor que o outro, se toca com o instrumento da marca A ou B(...), mas quando chegamos a profissionais essas questões desaparecem. Há uma série de fatores bem mais importantes a tratar, como apresentarmo-nos na melhor forma possível em público até porque esse público paga para nos ouvir. E para estarmos bem preparados, temos de gerir o nosso tempo da melhor maneira possível, entre os concertos, aulas, tempo de estudo e tempo para a família.
Para além da sua carreira enquanto performer, tem lecionado em diversos contextos. Onde já lecionou até hoje e onde se encontra atualmente a exercer a carreira docente?
A minha primeira experiência como professor foram aulas privadas a um menino de 6 anos em Paris e posso dizer que não foi tão fácil como eu estava à espera. Ao fim de algumas semanas de aulas o aluno tinha perdido os dentes incisivos o que tornava a produção de som praticamente nula (...). Desde que regressei a Portugal em 2002, trabalhei 1 ano na EPABI (Covilhã) e estive vários anos em Espinho (EPME), ambas de ensino profissional. Estou também há vários anos na ANSO (Metropolitana) no ensino superior onde leciono trompete, excertos de orquestra e música de câmara. Pontualmente, oriento também alguns masterclasses em Portugal.
Na sua opinião, Portugal está a tornar-se um país mais atraente para o exercício da profissão de músico?
Honestamente parece-me que não, a profissão de músico é muito pouco valorizada em Portugal. Podemos destacar o músico de orquestra, que tem à partida uma situação mais estável, mas esses lugares são escassos e difíceis de alcançar. Exceptuando esses, há muitos músicos que passam por dificuldades depois de investirem anos e anos de estudo e dedicação a estudar. Muitos, na falta de uma situação financeira estável são forçados a dar aulas, alguns deles sem a preparação e motivação mais adequada; a aceitar trabalhos com condições muito precárias e outros são forçados a emigrar. Felizmente, temos já uma série de casos de sucesso com alguns portugueses espalhados por orquestras de todo o mundo, o que acaba por abrir algumas portas para outros que procuram o mesmo.
O que sente ainda faltar para que Portugal se possa comparar ou aproximar aos grandes centros musicais europeus e do resto do mundo?
Portugal não tem a tradição musical que existe no centro da Europa. Para além disso não existem as infraestruturas que existem nos grandes centros como Berlim, Amesterdão, Paris ou Londres. Apesar dos investimentos de muitas autarquias do país na recuperação de salas de espetáculo, depois há um vazio orçamental para manter essas salas com uma atividade regular. Ora, a falta de regularidade faz com que o público não tenha o hábito de ir a concertos. Esse problema é ainda mais evidente na música erudita já que, como sabemos, não é o tipo de música mais popular em Portugal, pois continua a ser associado a um certo elitismo que afasta também algum público. Apesar destas condicionantes, existe um esforço generalizado por parte de todas as orquestras em aproximar a música erudita das pessoas, recorrendo a uma série de estratégias que passam pela desmistificação desta música. Com publicidade mais direcionada e objetiva, com a presença de orquestras em grandes eventos, com a junção a outros estilos de música como o fado ou pop e que fazem com que as pessoas fiquem mais abertas a frequentar concertos de música erudita.
Mais uma vez, muito obrigado por este tempo que nos dedicou.
Eu é que agradeço o vosso interesse, foi um prazer.
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