Gonçalo Tavares. Uma conversa sobre o mundo imaginado nas canções e os seus reais projetos para o futuro…
Gonçalo Tavares recebeu-nos no seu "Tempestúdio" em Anadia para uma conversa onde, sem filtros, ficámos a conhecer melhor o seu trabalho e o seu pensamento relativamente ao momento que a música portuguesa atravessa. Gonçalo Tavares sabe do que fala quando se exprime sobre o mundo musical português pois desde muito cedo pisou os palcos de norte a sul do país. Com José Cid, Banda Tribo e muitos outros projetos, tocou e cantou por esse mundo fora. Por cá, participou em três Festivais da Canção da RTP assistindo à sua decadência por não se conseguir impor ao aparecimento de outros formatos que surgiram com o nascimento da televisão privada. Canta o que sente e nunca se deixou levar pelo mediatismo fácil que poderia advir de cedências relativamente à composição da sua música. No meio da sua coleção de "Teclados Vintage" falámos de tudo um pouco com este músico que participou recentemente no espetáculo do reencontro dos 1111 em Vilar de Mouros.
XpressingMusic (XM) – Gonçalo, muito obrigado por nos teres recebido aqui no teu estúdio. Sabemos que aos 10 anos conquistaste o 1º prémio da melhor canção infantil na Gala Internacional dos Pequenos Cantores da Figueira da Foz. Com que idade começaste a cantar? Sempre sonhaste ter uma carreira na área da música?
Gonçalo Tavares (GT) – Comecei a cantar muito antes de ir a esse festival. Não te esqueças de que sou filho de ribatejana e lá em casa cantava-se muito. Cantava-se o fado, portanto também eu comecei a cantar fado. Comecei a cantar com o Raúl do "Duo Ouro Negro" que vinha lá a casa e acompanhava-me... E foi assim que tudo começou. As pessoas achavam-me piada (risos)... Quanto à segunda parte da questão... Se eu sempre sonhei com uma carreira na área da música... Sim. Sonhar, eu sonhava... Eu tocava naquele piano vertical que havia lá em casa e imaginava mil pessoas à minha frente... (risos)
XM – Depois começas a aparecer com alguma regularidade em festivais da canção. Em quantos participaste no total? Quais os temas interpretados?
GT – Participei em 1984 com a Banda Tribo. Interpretámos "A Padeirinha de Aljubarrota" que ficou em 3º lugar e ganhou o prémio do público. Participei depois em 1986. Fui cantar o "Cai Neve em Nova York". Por fim, fui em 2010 com o tema "Rios".
XM – Como olhas para o Festival da Canção nos dias de hoje? Concordas com o atual formato? Os concursos que apareceram em simultâneo com o nascimento das televisões privadas vieram esvaziar o Festival?
GT – O formato do Festival da Canção tem que ser repensado por várias razões. Algumas delas, tu mencionaste mas há outras. Quando se fala dos novos programas ou concursos de televisão, penso que não os podemos comparar ao Festival da Canção até porque alguns deles são autênticos programas de "Karaoke". Nesses programas as pessoas vão cantar canções que já existem com grandes vozes, mas se analisarmos a "coisa", não tem saído grande genialidade dos programas. A genialidade que saiu foi a Sara Tavares que é fenomenal, o João Pedro Pais que é muito bom e pouco mais. Estas pessoas emanaram destes programas e compõem as suas próprias músicas. Portanto, comparar o Festival da Canção a estes programas é algo que se pode fazer mas com algumas reservas. O Festival da Canção tem que ser repensado de cima a baixo. Desde o esquema de votação, de seleção, de escolha... tudo tem que ser repensado para que o Festival recupere a mística que tinha antes.
XM – O projeto Banda Tribo chegou a ter vida própria, ou o facto de ser a banda que acompanhava o artista José Cid, sempre fez relegar para segundo plano as reais ambições do projeto?
GT – É verdade que a Banda Tribo passou ao lado de uma carreira muito interessante. Isto aconteceu porque nós acompanhávamos o Zé (José Cid). O Zé era já na altura um "Monstro" que tinha muito trabalho. Nós não conseguíamos respirar, a não ser que tivéssemos tomado uma decisão que, devido ao facto de sermos todos miúdos, (e eu ainda mais miúdo), nunca tomámos... Era a decisão de descolarmos a Banda Tribo do Zé.
XM – Por outro lado, o facto de acompanharem o José Cid também vos permitiu uma maior projeção... Concordas?
GT – Sim, mas repara, a projeção que tínhamos era enquanto banda do José Cid porque nunca tomámos a decisão de nos assumirmos como projeto independente desse contexto. Compúnhamos bem, tocávamos bem, podíamos ter assumido uma carreira mas tomar essa decisão teria sido muito complicado.
XM – Estudaste música na Escola de Jazz do Porto. O Jazz é uma paixão? Tentas incorporá-lo nas tuas músicas?
GT – Não. O jazz não é algo que me influencie na composição das minhas músicas. Quando me inscrevi na Escola de Jazz do Porto foi para aprender mais harmonia, mais leitura musical, ou seja, para aprender coisas que até então só aprendia como autodidata. Não fui para lá para a prender jazz, aliás lá não se ensinava só jazz. Lá desenvolvíamos a nossa musicalidade, a nossa audição musical, a nossa interpretação... Era isto que eu procurava. Procurava um ar novo e gente que me ensinasse coisas que eu não conseguia aprender aqui.
XM – Houve alguma razão especial para o fim da Banda Tribo?
GT – Houve todas as razões de que falávamos há pouco. Nós éramos a banda de suporte... Independentemente de tudo isto, nós éramos conhecidos. Recordo-me de irmos a Lisboa na altura do Festival e das pessoas na rua nos pedirem autógrafos... Isto era giríssimo e significava que as pessoas simpatizavam muito connosco. Nós tínhamos uma imagem gira e jovem. Já cantávamos rap... repara que "A Padeirinha de Aljubarrota" tem rap... isto em 1984 era algo novo... "Era a linda padeirinha de Aljubarrota / Que brincava divertida numa cambalhota /..." era uma coisa assim deste género... algo que não existia. Rematando a questão: a Banda Tribo era a Banda do José Cid. Foi assim que nasceu e foi assim que morreu... A banda separa-se porque há uma saturação. Os primeiros a sair, fui eu e o baterista e, passados três meses, tínhamos uma banda muito interessante que se chamava Copyvários. Tocávamos desde Led Zeppelin a Supertramp. Era uma banda de bares...
XM – "Amigos do Presidente", "Copyvarios" e os "Tempo" foram projetos de covers que surgiram para que te mantivesses no ativo enquanto músico? As abordagens que faziam a temas de outros artistas e de outras bandas contribuiu para que crescesses enquanto compositor?
GT – Cresci muitíssimo enquanto músico. Interpretar tantos e tão diferentes músicos, embora dando-lhe sempre o meu cunho pessoal, dá-nos um enorme traquejo.
XM – O "Tempestúdio" é a concretização de um sonho? Este estúdio não se destina somente aos teus trabalhos e às tuas produções... Que outros artistas e projetos têm passado por aqui?
GT – Já cá estiveram os "Corvos", já gravei aqui alguns instrumentos para o Luís Represas, já cá tivemos uma cantora lírica... Ultimamente tive cá um trabalho na área do fado com o Custódio Castelo. Foi um trabalho que nos deu imenso prazer fazer pois o Custódio Castelo é um músico incrível. Já gravei aqui Heavy Metal... O estúdio ficou concluído em 2009, ano em que comecei a gravar o meu álbum de onde saiu o tema "Rios" que foi selecionado para o Festival da Canção.
XM – Dedicas-te a tempo inteiro ao estúdio?
GT – Eu sou um bocadinho de muita coisa. Sou um bocadinho agricultor, um bocadinho músico... Faço várias coisas... Mas, acima de tudo, este estúdio, que foi feito com um projeto da Visound Acústica, foi construído e pensado desde a sua construção até à conclusão do mesmo com o objetivo de ter uma boa acústica e faço questão de deixar isto bem claro no meu site ( goncalotavares.com ) como é que isto funciona. O que se grava aqui soa bem e reflete bem aquilo que se ouve num carro ou numa aparelhagem. Isso, para mim, é muito importante.
XM – Em 2010, gravas o teu primeiro álbum a solo, "O Segredo que nos fez sonhar". Como caracterizas este álbum? Foi um momento de te colocares à prova enquanto artista?GT – Sim. Sem dúvida. Eu sempre compus. Alguns desses temas que gravei no álbum "O Segredo que nos fez sonhar", já os tinha composto há muitos anos. Às vezes posso estar 2 ou 3 meses sem compor música nenhuma e, de repente, em 3 dias faço quatro músicas. Quanto ao colocar-me à prova... Penso que o meu dia-a-dia é uma luta constante. Claro que me coloco à prova ao gravar um álbum com 12 temas originais. Tive a ajuda do Alfredo Moura, que foi produtor de um álbum da Daniela Mercury, do Francisco Martins e de um conjunto de músicos que tornaram todo o processo mais fácil.
XM – A primeira faixa do álbum, o tema "Rios" é finalista do Festival RTP da Canção também em 2010. Esta ideia corrobora um pouco a nossa pergunta anterior... Colocaste-te à prova mais uma vez?
GT – Foi quase um acaso. Na altura mostrei o álbum ao Tozé Brito e ele considerou-o muito interessante. Assim, acabei por enviar o "Rios" para a pré-seleção e este foi selecionado. Se me perguntasses se eu teria feito tudo igual... Sim. Teria. Provavelmente teria limado algumas coisas em termos de interpretação e de palco porque há sempre o que melhorar. Mas o Festival é sempre aquele hit nacional que, embora tal como eu disse, deveria ser reformulado... mas acabou por ser uma experiência interessante.
XM – Em março, em conversa com o Tozé Brito, numa entrevista para o XpressingMusic, este revelava-nos algumas preocupações com a falta de filtros hoje existente, resultado da facilidade com que os conteúdos podem ser publicados nas novas plataformas online. Também partilhas da mesma opinião?
GT – Totalmente. Aliás não há falta de filtros, o que há é a ausência total de filtros. Hoje em dia, a internet, nomeadamente o YouTube, têm tanta informação que é impossível que haja filtros. O que fazer?... Penso que tens que ter alguma coisa que seja poeticamente válida, e quero salientar que hoje se ouvem muitas músicas que são poeticamente pobres e que acabam por ser êxitos. Talvez sejam musicalmente fortes... Por exemplo o Anselmo Ralph é musicalmente interessante, pois tem ritmo e tal, mas é poeticamente fraco, baixo, limitado... Deixa-me dizer-te uma coisa: Hoje não há A&R's. Creio que, os últimos A&R que houve em Portugal, terão sido o Tozé Brito e o Carlos Maria Trindade. Estes foram os últimos. Hoje não existe a figura do A&R em Portugal e a figura deste é muito importante. Hoje, qualquer um pode fazer um estúdio e colocar as suas coisas no YouTube mas, não havendo filtros, alguma coisa vai falhar. Penso que o que poderá marcar a diferença será a avaliação do público vendo quem é que toca bem ao vivo, quem é que canta bem... A única fonte de verdade poderá ser o artista ao vivo.
XM – Em 2012 gravaste o segundo álbum a solo, "SE". Como foi a receção do público a este trabalho que apresentaste no Campo Pequeno e no Multiusos de Guimarães?
GT – O "Se" é um trabalho mais maduro e tem uma conceção mais simples do que "O Segredo que nos fez sonhar". Foi gravado sem loops, sem samples, com uma bateria, um baixo, um piano de cauda e uma guitarra. Eu quis muito que assim fosse porque senti que seria também uma prova para mim próprio fazer um álbum acústico. Quando fazes um álbum acústico revelas-te. Ou a música é boa por si só porque não tem ajudas, ou então não é boa... O álbum tem temas verdadeiramente inspirados. O "Só me lembro de ti", o "Se", o "Moras no meu Coração" são temas maravilhosos.
XM – As tuas canções são autobiográficas?
GT – Algumas são. As mais inspiradas são. As menos inspiradas não tanto mas também são boas. Conto histórias de coisas que me acontecem a mim ou aos outros. Eu sou um bocadinho impressionável e quando vejo ou ouço histórias que me emocionam, isso pode despoletar uma música. Preciso sempre de um motivo para compor. Se tudo correr bem ou normal, não componho (risos).
XM – Estás a trabalhar num novo álbum?
GT – Estou a gravar um terceiro álbum que está a ficar francamente bom mas para já não queria adiantar muito... As músicas estão todas compostas e estão já em pistas... em projetos no estúdio e, sinceramente, considero que tem músicas muito interessantes. Eu tenho sempre a preocupação de fazer músicas que as pessoas cantem. Se ouvires a maioria das minhas músicas, constatarás que os refrões são facilmente cantáveis. Isso é muito importante. Não consigo ir tocar ao vivo e ter o público passivo mesmo que esteja a gostar. Considero que isso é uma forma egoísta de ver a música. A música tem que ser partilhada e se os outros sentem alguma coisa a ouvi-la, ótimo, caso contrário a música fica só tua e isso não é o meu conceito.
XM – Muito obrigado, mais uma vez, pela excelente receção que nos proporcionaste aqui no Tempestúdio. Há algum sonho que ainda não tenhas concretizado e que gostasses de levar a cabo em breve?
GT – Há. Embora eu não me possa queixar pois estou na música e faço o que gosto, creio que o meu momento ainda não chegou mas também sei que uma carreira não se faz num ano, nem em dois, nem em três, nem em quatro, nem em cinco... e às vezes há aqui um estalar de dedos ou um golpe de sorte... portanto o meu sonho, embora se tenha vindo a cumprir, ainda está por concretizar plenamente. Era muito importante para mim saber que as minhas músicas são apreciadas pelas pessoas. Isso, para mim, é a coisa mais importante. Sei que se vivesse em Lisboa ou no Porto teria algumas vantagens pois é nesses grandes centros que tudo acontece. Em Lisboa há teatro como no Porto, há concertos como no Porto, há exposições de arte. Não tens essas vivências regulares, por exemplo em Coimbra, muito menos em Anadia, portanto é lá que as coisas se passam. Viver lá teria sido mais positivo para mim? Não sei. Eu vou continuar a compor e vou continuar a enviar coisas para Lisboa (risos) para me ouvirem e para dizer que estou aqui e que aquilo que componho é aquilo que sinto e que acredito que é bom. A Farol tem-me dado um enorme apoio editando-me digitalmente. É claro que uma edição física teria outro peso mas também é verdade que hoje não se vendem discos. Acredito muito no apoio que a Farol me tem dado e que o álbum "Se" ainda vai "furar" mais por aí.
XM – Muito obrigado, mais uma vez.
GT – Obrigado. (Abraço).
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