Hugo Danin. O baterista em entrevista ao XpressingMusic
Hugo Danin recebeu-nos no seu Atelier de Percussão no Porto para uma conversa que registámos e aqui partilhamos com os nossos leitores. Neste espaço, respira-se música. O mesmo foi pensado para que todos os que nele permaneçam estejam em sintonia. Da receção às salas de aula, o foco são as percussões e a bateria. Hugo Danin falou-nos da sua vida enquanto estudante de música, da paixão que sempre teve pela bateria, pela percussão e da sua carreira enquanto músico. Hugo Danin já tocou com músicos e projetos como GNR, Pedro Abrunhosa e André Indiana. Atualmente toca com Mónica Ferraz e Marta Ren, acumulando ainda os seus projetos pessoais e gravações com diversos artistas. Não deixou de partilhar as suas inquietações relativamente à educação musical que considera ter sofrido uma grande evolução nos últimos anos.
XpressingMusic (XM) – Hugo, após esta visita ao teu espaço, gostávamos de saber um pouco mais sobre ti, as tuas origens...
Hugo Danin (HD) – Eu estou no Porto há 14 anos mas venho de Moledo. Estudei sempre fora... O meu interesse pela música teve início aos 13 anos e a bateria foi sempre o instrumento que quis tocar. Estive uns dois anos em casa a estudar, pois o meu pai também tinha sido baterista e depois fui para Espanha estudar.
XM – Houve alguma razão especial para teres escolhido Vigo (Espanha) para estudar música?
HD – Houve várias razões mas a proximidade foi uma delas, pois estando eu em Moledo, em 30 ou 40 minutos estava lá. Desde muito novo que via muito mais televisão espanhola do que portuguesa. Logo, a língua, para mim, era uma coisa perfeitamente normal. Eu escrevo e falo espanhol como escrevo e falo português. O meu pai também tinha alguns negócios em Espanha, portanto era sempre muito mais fácil ir para lá do que estar a vir para o Porto.
XM – Fizeste parte dos 1º e 2º cursos de bateria da classe de Salvador Niebla em Vigo e Pontevedra...
HD – Na altura em que eu estava a estudar no Conservatório, o Salvador Niebla veio fazer esses cursos e eu participei. É engraçado que é ele que gere o sistema de aulas de música online no qual eu sou o único professor português a participar. Falo da plataforma profesoresdemusicaonline.com, a primeira que funciona em tempo real. É uma plataforma onde podes escolher o teu professor de música, o teu horário, apreciar e participar em salas de aula com outros colegas ou privado. Foi também através do Salvador Niebla que descobri a Drummers Collective (The Collective School) em Nova Iorque. Nunca deixo de referir no meu currículo estes factos pois mudaram a minha vida completamente. O Salvador Niebla é um excelente pedagogo que me marcou muito. Ele inventou este sistema da escola virtual há muitos anos. Em 96 ou 97 ele já tinha tudo isto concebido na sua cabeça. Diga-se que este sistema tem muito mais aceitação lá fora do que aqui em Portugal. Lá fora, é muito usual as pessoas fazerem formação online. No campo do e-learning ainda estamos muito aquém... As pessoas cá não entendem como é que alguém consegue tirar um curso ou fazer uma formação neste sistema. Isto deve-se ao facto de as nossas universidades não fomentarem muito isto. Lá fora é assim que funciona. Uma pessoa pode estar a fazer um doutoramento em Londres falando com o orientador online e não é por isso que deixa de ser bem acompanhado.
XM – Fala-nos agora um pouco da tua experiência em Nova York. O que mais te marcou por lá?
HD – Não sei se foi por causa da viagem numa altura em que eu tinha 20 anos, mas Nova York, para mim, está para a bateria e para a música como o Vaticano está para uma pessoa que esteja a estudar teologia. Aquilo foi esgotante. Eu tinha aulas das nove da manhã até às nove da noite e depois ainda tinha períodos de estudo privado. E depois? Ia para casa ou para o hotel deitar-me? Claro que não! Nova York tinha uma diversidade de espetáculos, e o que eu queria era vê-los todos e deitar-me às quatro ou cinco da manhã e às nove voltar para as aulas. Foi assim durante muito tempo. Quando vim de Nova York estive quase um mês e meio sem tocar bateria. Até me assustei! (risos) A carga psicológica e informativa foi tão grande, mas tão grande que acabei por ter uma espécie de esgotamento.
XM – Houve nomes que te marcaram nessa altura?
HD – Muitos! Kim Planfield, Michael Lauren, Bobby Sanabria, Mark Walker, Ian Froman, Frank Katz, Lincoln Goines, Jim Paine, Cliff Korman, Mike Clark... Já naquela altura aquela era a maior escola mundial dentro daquele âmbito. Portanto, todos os craques que apareciam na televisão e que víamos nas revistas passavam por lá. Não era muito difícil, aliás aconteceu-me diversas vezes, entrar num elevador e cruzar-me com o Dennis Chambers, ou com o John Patitucci, ou com o Victor Wooten... isto para dizer só alguns... Eles estavam lá! Aquilo era o circuito deles. Eles davam lá aulas ou faziam lá formações, e nós lidávamos com eles da forma mais natural possível, o que era uma coisa incrível.
XM – Para além do Hugo músico, há o Hugo professor. O ensino é algo que te dá oportunidade de experimentar novas soluções...?
HD – Claro. Só me dá isso! Eu venho de uma família de professores. O meu pai e a minha mãe eram os dois professores. Aliás, a minha mãe ainda está no ativo. Eu gosto realmente de dar aulas. Gosto de comunicar, gosto de fazer palestras, workshops... Para mim é uma vantagem enorme porque tenho imensos alunos, o que faz com que eu nunca deixe de estudar. Num processo de evolução, por vezes, tudo aquilo que são bases "vão à vida". Não é que não as saibamos fazer mas... Eu tenho alunos de vários níveis diferentes, o que faz com que eu esteja sempre a trabalhar coisas para a frente e para trás. Depois vem a paixão de transmitir as melhores informações possíveis, de ensinar... Esta escola só aparece porque eu gosto realmente disto. Ainda não é o meu projeto de vida mas já é um início. Eu sou professor no âmbito do ensino da música, não só aqui como também em conservatórios, escolas públicas (até ao terceiro ciclo do ensino básico)... Depois há a componente ligada às marcas que me patrocinam, que também envolve muitos momentos dedicados à formação.
XM – Tens tocado com muita gente e em muitos projetos. Podes falar-nos das tuas experiências com o GNR, Pedro Abrunhosa e André Indiana?
HD – Todas essas experiências se constituíram como momentos de aprendizagem pois eu sempre fui muito mais académico do que músico de rua. Estudei sempre muito e formei-me sempre muito. Eu até comecei a tocar ao vivo muito tarde. Nos primeiros concertos que dei ao vivo, já devia ter uns 17 ou 18 anos. Sempre privilegiei muito a parte académica. Também sempre fui um pouco pressionado pelo meu pai nesse sentido. Quando vim para o Porto, o André Indiana é um dos primeiros músicos com quem começo a tocar. Fui baterista dele durante 13 anos. Nessa altura, o André Indiana estava com uma aceitação muito grande. Depois começaram a surgir outros projetos. O GNR foi talvez um dos mais importantes tendo em conta que sempre tinham tido baterista. Eu fui o primeiro baterista a entrar numa formação de tipos clássicos. Eu costumo comparar a minha entrada com uma hipotética saída do Kalú dos Xutos & Pontapés. Era a mesma coisa que agora o Kalú ir tocar outro instrumento e eu ir tocar bateria para o seu lugar. Senti-me um jogador de futebol que jogava nos juniores a entrar numa equipa sénior. Para mim aquilo foi uma grande escola. Aprendi muitas coisas, nomeadamente o que é o balanço, o que é a simplicidade... Porque quando tu estudas, o que é que te acontece? Ficas tecnicamente mais evoluído, ouves música mais elaborada como jazz, fusão... No GNR eu não precisava disso para nada! Esquece! É mais "meia bola e força" e estar lá no sítio certo. Para mim, acabou por ser um ponto de viragem também. Percebi que, se queria ser um músico freelancer, teria que me concentrar neste tipo de situações. Com o Pedro Abrunhosa entro no álbum "Longe". Fui convidado por ele para gravar algumas músicas numa perspetiva mais ligada à percussão, uma área que eu adoro e que não está minimamente desenvolvida em Portugal justificada muitas vezes com a falta de orçamento.
XM – Atualmente tocas a Mónica Ferraz e com a Marta Ren mas para além disso ainda tens os teus projetos em nome próprio. Como concilias as diferentes agendas?
HD – Não é fácil. Quando caiem espetáculos coincidentes com as mesmas datas é um "suplício"! Mas com a boa vontade de todos, tudo se faz. Já cheguei a fazer três concertos num dia. Um aqui no "Marés Vivas" com uma banda que tocou por volta das sete da tarde, saio em seguida para fazer um concerto com a Mónica Ferraz noutra localidade nada perto daqui do Porto, e depois ainda venho para o Porto fazer um concerto por volta das três da manhã no Plano B. As pessoas, na maior parte das vezes, não têm consciência do que é a vida de músico. Pensam que ser músico é andar a viajar de um lado para o outro e que isto é fantástico... Eu posso dizer que perdi muitas coisas por causa da música, nomeadamente alguma estabilidade familiar como é evidente... Perdi muitas coisas...
XM – Vês muitas diferenças relativamente ao panorama musical do país, comparando com o tempo em que iniciaste a tua carreira?
HD – Houve uma evolução enorme no que à música, em si, diz respeito. A internet veio mudar um pouco as mentalidades daqueles que querem saber e fazer música. Mas a internet também veio tornar difícil a gestão das fronteiras entre aquilo que está bem e aquilo que está mal. Vê-se muito lixo na internet. O que não evoluiu foi a mentalidade económica do país. Há muita falta de verdade. Não faz sentido recebermos hoje os mesmos valores que recebíamos há 15 anos atrás. Neste aspeto estamos a regredir. Mas relativamente à música, evoluímos muito. Temos músicos incríveis no nosso país. A educação musical também evoluiu porque se abriu pois era muito fechada. Sabes bem como era. A porta da sala de aula abria-se e fechava-se e o que se passava na aula do senhor professor era blindado. Não havia uma comunicação direta com o público cá fora. Hoje, os alunos têm muito mais vontade de apresentar aquilo que trabalham em sala de aula. No meu tempo não havia essa vontade. Aliás, aquilo era tocar umas flautas e pouco mais... Eu não sou músico hoje por causa da disciplina de educação musical porque aquilo era uma vergonha! Os meus 5º e 6º anos de educação musical são para esquecer. Nessa altura, eu não imaginava que pudesse estar aqui hoje enquanto músico. Mas de lá para cá a formação musical evoluiu muito. Os professores estão mais abertos e mais conscientes de tudo o que acontece no mundo inteiro. Não vale a pena fugirmos à informação. São os miúdos que chegam ao pé de nós e nos dizem "Olha, eu vi uma coisa na net". Uma das minhas mais-valias enquanto pedagogo é estar constantemente atento àquilo que os meus alunos andam a observar. Tenho sempre tudo ligado à minha volta e quando um miúdo me diz que viu uma banda x ou y que eu não conheço, vamos logo ver e avaliar em conjunto.
XM – É nessa perspetiva e com a mesma consciência que tens contribuído para a evolução da educação musical na tua área construindo os teus próprios manuais. Já editaste o "Criatividade Rítmica - Método para a Compreensão Técnica e Musical da Bateria" em 2007 e tens também um vídeo...
HD – O meu vídeo não é propriamente pedagógico ou didático. Isso foi algo que eu já quis fazer, um vídeo didático, mas depois desisti. Eu entendo que os alunos de hoje não têm a mesma paciência que nós tínhamos para ficar uma hora e meia a ver um DVD. Numa hora e meia eles conseguem ver 50 vídeos diferentes, com informações diferentes e à escolha deles. Portanto, um DVD didático foi algo que desisti de fazer porque a informação, hoje em dia, não pode ser passada dessa forma. É preferível ter um canal de internet onde vais postando de quinze em quinze dias ou mensalmente um vídeo com um exercício do que estar a bombardear um jovem com um DVD de hora e meia. No meu site, http://www.hugodanin.com, tento fazer isso mas falta-me tempo para o realizar com maior regularidade.
XM – E projetos para o futuro?
HD – Vem aí mais um livro. Aliás, vêm aí mais dois livros. Eu tenho vindo a desenvolver um sistema ao longo dos últimos anos que se prende com a forma como estudamos. Como estudar sem perdermos o sentido do estudo em cindo passos. Este sistema é transversal a qualquer área profissional. Nas palestras que damos normalmente em empresas, utilizo exatamente o mesmo sistema. Falo de apenas cinco palavras: Técnica, Tempo, Dinâmica, Consistência e Criatividade. O que faço é descodificar estas cinco palavras adaptando àquilo que estamos a fazer. Um aluno quando dá início ao seu estudo tem que passar pela componente técnica para que obtenha um resultado eficaz, já o tempo tem a ver com uma questão de rigor. O aluno tem que ter em conta o tempo, a métrica e vai organizar isto tudo, seja com o metrónomo, ou com play alongs, etc. Quando ouvimos um beat ou um riff, e gostamos, é porque temos a certeza de que aquilo tem técnica, tempo, dinâmica perfeita e consistência. A última fase tem a ver com o processo criativo. A qui o processo é mais solitário. Cada um tenta ser criativo como puder. Assim, o próximo livro será um livro técnico mas muito mais teórico-técnico onde se possam compreender processos. O outro livro que quero fazer, será mais um ensaio na área da educação baseado também nestas cinco fases. Acho que há muitas coisas que estão a fazer falta na formação de professores por estes não compreenderem esta cadeia que tem que estar inerente à funcionalidade educativa. Eu dou sempre alguns exemplos. Uma das metáforas que utilizo é a da empresa com uma linha de montagem, pois para o produto sair pronto no final, toda aquela gente tem que fazer o que lhe compete. Falo também das dinâmicas de uma equipa de futebol. Não vale a pena o guarda-redes querer ser avançado. Aquilo obedece a lógicas. Quando vemos um bom jogo de futebol, muito tático, apercebemo-nos de todas aquelas movimentações a obedecerem a uma lógica... Outro exemplo é, quando vemos um camião carregado de tijolos a ser descarregado por cinco ou seis trolhas. Eles descarregam o camião em cadeia porque se cada um levasse dois ou três tijolos demorariam mais tempo. Se eles têm aquela rotina de descarregar o camião passando tijolos de mão em mão, o mesmo fica descarregado rapidamente. Isto tudo quer dizer que não se podem saltar etapas. Uma pessoa não pode trabalhar o som se não tiver trabalhado a técnica. Alguns dizem que vão ser criativos e vão montar a bateria de uma forma toda estrambólica... e eu pergunto "O que fazes agora tu com isso?". Eu também passei por essas fases. Imitava todos os bateristas. Fiz cada palhaçada... (risos) Quando me apaixonava por um baterista qualquer, transformava a minha bateria à semelhança da dele... E depois não conseguia tocar porque desconhecia as razões pelas quais ele montava a bateria assim, porque não tinha o tamanho dele, etc. Não podemos saltar etapas.
XM – Algum disco para breve?
HD – Este ano saem seis ou sete. Não são discos meus, são discos nos quais toco. Talvez este tenha sido dos anos mais produtivos que eu tive. Sai agora o da Mónica Ferraz, onde eu tive uma participação. Sai o do Alberto Indio, onde também participei. Sai o da Marta Ren e eu sou o baterista dela. Sai o dos We Trust onde também toquei. Vai sair o disco do Sérgio Carolino que também conta com a minha participação. Sai ainda o disco da cantora Diana Martinez...
Eu tenho o meu disco "Raku" mas tenho um grande problema. Só mexo nas minhas coisas quando tenho disponibilidade e desta forma coloco-me um pouco de lado. Mas quero gravar mais coisas. Eu tenho um lema para a minha vida mas não o digo muitas vezes em voz alta para que não seja confundido com algum pretensiosismo daminha parte. Eu quero que a minha passagem por esta vida, seja o mais registada possível. Eu não quero uma estátua ou um busto. Quero que as pessoas que continuarem a amar este instrumento, quando precisarem de bibliografia, encontrem bibliografia feita em Portugal. Quanto mais discos eu gravar, quanto mais livros eu escrever, mais feliz eu vou ficar. Podemos fazer 200 concertos por ano mas... "Já foi"... "Já passou"... agora discos, livros, registos, filhos, isso sim é o que deixamos cá, é o que fica.
XM – Muito obrigado. Agradecemos esta oportunidade que nos deste de partilhar um pouco de ti e do teu trabalho com os nossos leitores.
HD – Eu é que agradeço. Que tudo corra bem também para vocês.
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