Entrevista com o Clarinetista Nuno Pinto...
Nuno Pinto é detentor de uma carreira de grande prestígio. Muito respeitado pelos seus pares, enquanto solista ou integrado em grupos de câmara e ensembles, esteve presente nas estreias de mais de uma centena de obras de sessenta compositores. A ele são dedicadas obras de Cândido Lima, Luís Tinoco, Sérgio Azevedo, Ricardo Ribeiro, Telmo Marques, Virgílio Melo e Miguel Azguime. Nuno Pinto foi solista com a Orquestra Clássica do Porto, Orquestra do Norte, OrchestrUtopica, Solistas do Porto, Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, Orquestra de Câmara Musicare, Orquestra Artave e European Medical Students Orchestra. O nosso entrevistado colaborou ainda com a Orquestra Gulbenkian, Orquestra Sinfónica Portuguesa e Orquestra Nacional do Porto.
XpressingMusic (XM) – Há poucos dias, dois alunos seus, o José Pinto e o José Viana, foram galardoados com o 1º e 2º Prémio, respetivamente, no Young Artists Competition 2014, organizado pela International Clarinet Association. O que sente o mestre num momento como este?
Nuno Pinto (NP) – No momento em que recebi a notícia senti uma felicidade enorme,... indescritível!
Um pouco mais a frio posso observar algumas razões que podem justificar mais racionalmente a importância destes prémios, não querendo menosprezar outros que alguns dos meus alunos foram conseguindo ao longo dos anos.
A relação professor/aluno ultrapassa, muitas vezes, o estritamente profissional, sobretudo nestas idades. Entendo que a proximidade é necessária para que haja compreensão mútua do que se ensina, do que se aprende e do caminho a percorrer para que os objetivos sejam cumpridos. Fiquei muito feliz por cada um deles porque, para além de serem ótimos seres humanos, foram enormes no trabalho que desenvolveram, semana após semana, durante os últimos quatro anos.
Antes de serem admitidos na Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE), ambos tinham sido alunos do Luís Filipe Santos que, para além de ser um grande amigo e companheiro nos Clarinetes Ad Libitum, também foi meu aluno no Conservatório de Gaia e na ESMAE. Também por aí, e exclusivamente do meu ponto de vista pessoal e enquanto professor, a satisfação é muito grande.
Para o José Pinto e o José Viana, por razões diferentes, este prémio também acaba por ser o reafirmar das suas capacidades e talento. Em alturas menos fáceis, pelas quais qualquer músico acaba por passar, este reconhecimento público pode ser sempre para eles uma fonte de energia extra para continuar a trabalhar e acreditar que são capazes de ombrear com os melhores.
XM – Saul Silva, António Saiote, Michel Arrignon e Alain Damiens foram nomes que contribuíram muito para que fosse o clarinetista que hoje é? Considera-se o resultado da simbiose entre o que de melhor caracteriza cada um destes homens do clarinete?
NP – Em relação à primeira pergunta, com certeza! No que diz respeito à segunda, nunca ousaria chegar eu a essa conclusão! Procurei, sim, absorver sempre o máximo que consegui do muito que têm para transmitir, como músicos e como homens. Existem características em cada um deles que me marcaram até hoje porque são quatro músicos extraordinários que me passaram muito do seu conhecimento e que ainda hoje sigo como modelos. Se me permitem, penso que, uma das características comuns a todos e que eu procuro encarnar é a de encarar o instrumento como um meio de expressão e não como um fim em si mesmo.
XM – Entretanto foi assimilando outras experiências com mestres como Guy Dangain, Walter Boeykens, Howard Clug, Robert Fontaine e Alois Brandhofer. Em que contextos trabalhou com estes?
NP – Sobretudo em masterclasses. São alturas em que se podem abrir janelas, mostrar o mundo, a música e o clarinete sob perspetivas diferentes e por isso se tornam tão importantes e devem ser objeto de procura por parte de quem está a estudar. Por outro lado, o trabalho de fundo deve ser feito com regularidade, com tempo e esperar pelos resultados para que se possam cimentar conceitos e isso deve ser feito com o professor regular. Por isso essa escolha, por parte dos alunos, é tão importante.
XM – A música de câmara e a música contemporânea são as suas grandes paixões?
NP – As minhas duas paixões são a minha família e o clarinete, enquanto meio para fazer música e de partilha com os meus alunos (risos).
Na música, gosto de fazer um pouco de tudo e, sim, tenho a música de câmara e a contemporânea como meios de eleição para a minha atividade profissional. A música de câmara pela cumplicidade que é necessária entre todos para que a magia possa aparecer. A música contemporânea porque a encaro sempre como uma missão: temos todos a obrigação, nem que seja de tempos a tempos, de olhar para a frente e para o lado ao invés de olharmos sempre para trás; entendo ser minha obrigação, enquanto intérprete, dar voz à música que se faz nos nossos dias e, por vezes, o desafio instrumental a superar também é muito aliciante.
XM – É membro fundador de inúmeros grupos de câmara. Quais os grupos dos quais faz parte enquanto membro fundador?
NP – Clarinetes Ad Libitum e Trivm de Palhetas. Ajudei a fundar também a Camerata Senza Misura que, infelizmente, já não está no ativo.
XM – Tem corrido o mundo integrado em vários Festivais Internacionais de Música. Que países já visitou neste âmbito? Nota muitas diferenças entre os públicos de cada país? Como é encarada a música noutros países qua não Portugal?
NP – Espanha, França, Inglaterra, Itália, Bélgica, Alemanha, Áustria, Polónia, Eslovénia, Brasil, Peru, E.U.A., Coreia do Sul, China, Japão... As diferenças que observei são, sobretudo, culturais e que se revelam na forma como, por vezes, reagem ao que se está a passar em palco. Nos países menos ocidentalizados, o ritual do concerto não está tão enraizado e, por vezes, existe algum ruído de fundo durante a performance mas o entusiasmo com que vão reagindo ao longo do concerto e principalmente no final supera tudo.
XM – Tem gravado muitos CD's e até já participou na banda sonora de um filme... Deixar registos para a posteridade e dar som a imagens é um trabalho que o fascina? Quais os principais trabalhos em que já participou neste contexto?
NP – Fascina-me sobretudo fazer música! Os registos são bilhetes de identidade, de quem compõe e de quem interpreta, com a marca histórica que isso implica. Quando vemos fotografias, com 10, 20, 30 ou mais anos, observamos o envelhecimento das pessoas, a forma como se vestem e como vivem, a evolução da civilização, etc. Nas gravações também podemos observar muito da forma como se toca ou tocava em determinada época mas a música é conceção, som, emoção e isso é imutável, independentemente da forma. Cada projeto em que participei foi único e deu-me uma satisfação especial.
Posso dar aqui alguns exemplos... O disco Contradanza dos Clarinetes Ad Libitum foi o primeiro e marcou o assumir da identidade do grupo, rumo à world music. Já a participação, com a Camerata Senza Misura, no filme "A Terra Antes do Céu" de João Botelho foi um projeto fantástico com obras de 6 compositores a partir de textos de Miguel Torga. Os discos de clarinete solo, clarinete e eletrónica são uma marca pessoal no repertório português para o instrumento com o qual me identifico.
XM – A interpretação de obras portuguesas para clarinete e eletrónica é outra faceta do Nuno Pinto. Em que consiste este trabalho? Pode partilhar com os nossos leitores algumas das características desta abordagem da música?
NP – A eletrónica é um instrumento versátil podendo funcionar como uma extensão sonora do próprio clarinete ou até conseguindo simular uma ou várias orquestras, reagindo ou interagindo com o instrumento solo, em tempo real ou diferido. Tem um potencial incomensurável!
Para este tipo de música, é preciso aprender um pouco (às vezes bastante) mais do que "apenas" tocar o instrumento por tudo o que implica manipular e interagir com a tecnologia.
XM – Há outros trabalhos que estejam para ser lançados em breve?
NP – Um projeto que tenho em mãos com a pianista Elsa Silva é gravar música portuguesa para clarinete. Temos desafiado alguns compositores a escrever para nós e temos estreado algumas obras. Esperamos reunir as condições para poder começar a gravar em breve.
XM – É professor na Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE). Quais as principais características que tenta transmitir aos seus alunos? O que, na sua experiente visão e vivência, faz toda a diferença entre um bom músico e um músico banal? Acredita mais no talento ou no trabalho?
NP – Uma escola faz-se da qualidade e talento de professores e alunos somada ao trabalho e conhecimento que juntos adquirem, da música e dos processos técnicos. Não há duas personalidades iguais e o que funciona com um pode não funcionar de todo com outro. Essa constante adaptação de parte a parte é vital para que a evolução se possa fazer de uma forma contínua e eficaz. Talento e trabalho têm que coabitar lado a lado de uma forma permanente porque o talento influencia a forma como se trabalha e quanto mais eficaz for o trabalho melhor o talento se faz ouvir. A motivação para um trabalho diário exaustivo e exigente é fundamental para a evolução de um músico. Na ESMAE procuramos criar um ambiente de partilha, observação crítica e entreajuda não só no clarinete como em toda a escola. Não é raro entrar numa sala e ver vários alunos a estudar e a trocar opiniões sobre o trabalho que fazem. Da mesma forma, num dia de aulas individuais normal, eu tenho sempre vários alunos a assistir às aulas dos colegas, passando-se isto em várias classes. Os vários grupos existentes na escola, como a orquestra sinfónica e outros ensembles, também são fonte de conhecimento, partilha interdisciplinar e têm ajudado a criar um espírito forte de escola, onde o trabalho, a exigência e a amizade andam de mão dadas.
XM – Muito obrigado por nos ter dado esta oportunidade de o conhecer melhor e de o partilhar com os nossos leitores.
NP – Eu é que agradeço o privilégio de poder partilhar algumas ideias do meu trabalho.
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