Fomos ao Porto para uma conversa com o violoncelista Filipe Quaresma…
Filipe Quaresma esteve em digressão na Suíça e Reino Unido com a Orchestre Revolutionaire et Romantique de Sir John Eliot Gardiner, em novembro passado. Tem participado em diversas emissões da Antena 2, a mais recente, no "Art's Birthday" com uma peça de Miguel Azguime. Para além de uma formação de grande nível, prémios de referência e uma atividade intensa tanto na música antiga, como na música contemporânea, sendo neste domínio considerado o maior especialista em Portugal, Filipe Quaresma está a preparar um CD de música portuguesa para violoncelo solo. Já se apresentou também a solo com a Orquestra Barroca Casa da Música (CdM), Remix Ensemble CdM, Filarmonia das Beiras e Orquestra Sinfónica Portuguesa. O nosso entrevistado detém o prestigiado título "Associate" da Royal Academy of Music de Londres.
XpressingMusic (XM) – Muito obrigado por nos ter recebido para esta entrevista. Para começar, gostaríamos de lhe perguntar se Rogério Peixinho marcou decisivamente a sua opção profissional. Em que altura da sua vida decidiu que iria ser músico?
Filipe Quaresma (FQ) – O Rogério foi o meu primeiro professor de violoncelo. Não foi só um professor. Foi também um amigo muito humano e muito sensível para comigo, logo, aprendi com ele outros valores para além da música. Tudo isso foi muito positivo para a minha carreira como músico. Com uma pessoa que não é só nosso professor, mas também é um amigo, há uma evolução muito diferente. Foi muito marcante para mim. Ensinou-me a ouvir música, a gostar de música. Isto, em 1992... Altura em que já estava decidido na minha cabeça que a minha vida iria passar forçosamente pela música. Mas a minha aprendizagem na música começou mais cedo... Eu comecei a estudar piano aos 6 anos e aos 12 ganhei uns prémios da Juventude Musical Portuguesa, já sabendo nessa altura que queria seguir música, o que não sabia era que ia estudar violoncelo. Estudar violoncelo foi um acaso. Quando fui para a Escola Profissional da Covilhã, tinha que estudar um segundo instrumento e o que eu queria era violino mas cheguei tarde às inscrições e já não havia vaga... A diretora, na altura, sugeriu que eu estudasse violoncelo (risos).
XM – O que esteve na origem da sua decisão de ir estudar para Londres e Florença? Com que professores trabalhou? O que absorveu de cada um deles?
FQ – Na base da decisão esteve o contacto que fui tendo, desde muito cedo, com alguns professores que estavam lá fora... No caso de Londres foi o contacto com um professor que lecionava também na Orquestra de Jovens da União Europeia. Assim, em Londres trabalhei com o David Strange... Depois tive também o Mats Lidström como professor. Em Florença tive como professora a Natalia Gutman. A música não é algo de exato. Cada professor tem as suas particularidades, logo absorvemos deles diferentes virtudes e valores que depois se mesclam naquilo que fazemos tornando-nos também a nós músicos como seres únicos... Tentei absorver o máximo de cada professor que tive. Para além de hoje eu ser o resultado de todas essas aprendizagens absorvidas, sou igualmente resultado das minhas pesquisas, do meu interesse pessoal e das partilhas resultantes dos contactos que vou tendo com outros músicos com quem tenho vindo a trabalhar.
XM – Participou em masterclasses com grandes nomes do violoncelo... A título de exemplo podemos referir Colin Carr, Zara Nelsova, Frans Helmerson, Anssi Karttunen, Jian Wang, Eliaz Arizcuren, Márcio Carneiro, Luís Sá Pessoa, entre outros. Destes, quais os nomes que mais o marcaram nestes momentos de aprendizagem?
FQ – Tentei absorver o máximo de cada um deles, tal como tinha referido há pouco. Não queria estar a particularizar...
XM – Foi membro da Orquestra de Jovens da União Europeia e tocou como músico convidado na Orquestra Sinfónica de Londres, Sinfónica da BBC e London Sinfonietta... Quais as mais-valias que rentabiliza ainda nos dias de hoje advindas destas experiências?
FQ – Obviamente que ter trabalhado com prestigiados maestros tais como B. Haitink, V. Askenhazy, Sir Colin Davis, M. Jansons, Z. Mehta, A. Previn, e com grandes orquestras, me trouxe mais-valias a nível profissional. Vamos construindo um curriculum diversificado e prestigiado... As pessoas acabam por me valorizar mais a nível profissional. É claro que trabalhando com os que estão no topo, também acabamos por crescer a nível pessoal.
XM – Dos imensos prémios que já recebeu, quais recorda como mais importantes da sua carreira?
FQ – Recordo com maior carinho os dois primeiros que foram o Prémio Jovens Músicos da RDP Antena 2 e o do Concurso Internacional Júlio Cardona na Covilhã. Embora não tivessem a visibilidade que hoje têm, estes prémios foram muito enriquecedores e motivadores para aquilo que vim a fazer depois. É claro que os outros também são importantes como o que ainda recentemente obtive, como o Prémio Valter Boccacini da Scuola di Musica di Fiesole em Itália.
XM – Em que projetos se encontra atualmente envolvido? Pode falar-nos um pouco de cada um deles?
FQ – Eu tenho um projeto já há dez anos com residência em Torres Vedras e com o qual faço música de câmara com músicos de todo o lado, o Darcos Ensemble, com o qual tenho feito bastantes apresentações na RDP – Antena 2. Sou também o violoncelista principal convidado do Remix Ensemble Casa da Música, sou 1º violoncelo da Orquestra Barroca da Casa da Música, e violoncelista do Sond'Arte Electric Ensemble. Ainda falando dos meus projetos, posso dizer que me encontro a gravar um CD de Música Portuguesa para Violoncelo Solo. Uma parte foi já gravada e espero gravar a segunda muito em breve. Depois há o meu dia-a-dia com concertos, masterclasses... Sou também professor na ESMAE (Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo)...
XM – Apresenta-se regularmente, nas mais variadas formações, com os mais prestigiados nomes do panorama musical nacional e internacional... Pode partilhar com os nossos leitores alguns desses prestigiados nomes com os quais já teve o privilégio de atuar?
FQ – Ainda há bem pouco tempo tive uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida até agora. Estive a trabalhar com o Sir John Eliot Gardiner na sua "Orchestre Révolutionnaire et Romantique" e o Coro Monteverdi. Fiz quatro sinfonias de Beethoven e mais uma ou outra obra de Mozart. Foi uma tournée na Suíça e Reino Unido e foi marcante pela qualidade de todos os músicos e da própria orquestra. Presenciei uma enorme vontade desde a primeira à última cadeira, desde o jovem de 20 anos ao mais velho de 60 anos... Foi uma experiência absolutamente única. O Sir John Eliot Gardiner é um músico absolutamente fantástico!
XM – Alguns compositores têm composto propositadamente para si. Que obras já lhe foram dedicadas?
FQ – Apesar de já ter estreado várias obras, o que muito me honra, ainda só me foram dedicadas duas obras: "Labirintho" de Carlos Azevedo e "Quasi Ostinato" de Ricardo Ribeiro. A minha partilha com compositores portugueses deve-se também a circunstâncias muito pessoais pois ao longo da minha carreira tenho construído várias amizades e estabelecido vários contactos. Estas duas obras do Carlos Azevedo e do Ricardo Ribeiro irão figurar do meu novo CD... Mas de facto já estreei várias obras de outros compositores que não me eram dedicadas. Participei nas mais variadas formações que as estrearam e de compositores como Brice Pauset, Emmanuel Nunes, Frédéric Duriex, George Aperghis, Heiner Goebbels, Helmut Lachenmann, James Dylon, Jonathan Harvey, Kajia Saariaho, Luís Tinoco, Magnus Lindberg, Miguel Azguime, Mark-Anthony Turnage e Nuno Côrte-Real.
XM – Para além da sua carreira enquanto performer, abraça ainda a atividade docente... Não deve ser fácil conciliar as frentes em que se encontra envolvido... Concorda?
FQ – Hoje em dia temos que fazer um pouco de "tudo". Uma pessoa tem que ser muito rigorosa, muito organizada, muito disciplinada e eu acho que sou tudo isto... Embora seja financeiramente imprescindível para um músico em Portugal ter que lecionar, apesar disso, eu gosto muito de dar aulas. Gosto muito dos meus alunos. Aprendo imenso e questiono-me bastante. Dar aulas faz-nos pensar muito e isso é enriquecedor para mim e penso que para os meus alunos também deve ser... (risos).
XM – Considera que o processo ensino/aprendizagem do violoncelo nos dias que correm é muito distinto daquele que vivenciou quando começou a estudar?
FQ – Não considero que a aprendizagem do violoncelo seja hoje muito diferente... Talvez, na altura em que iniciei os meus estudos, não fosse tão conhecido o método Suzuki...
XM – Quanto ao momento que a música vive em Portugal, o que nos tem a dizer?
FQ – Cada vez temos mais e melhores músicos... Não sei se teremos mais orquestras mas penso que não. Por outro lado, não só na música como em todas as outras áreas, estamos asfixiados por estas políticas a que temos assistido. Poderíamos produzir muito mais e melhor se tivéssemos apoios. Aliás quando é para cortar, seja no que for, a cultura é sempre a primeira área contemplada.
Em relação ao ensino, penso que o "professor" deveria ter mais tempo para estar com o aluno a ensinar sem ter que se preocupar tanto com burocracias. Já a música em si também merece um orçamento muito maior do que o atual que é quase nada. Sobra muito pouco ficando a música e os músicos condenados a fazer trabalhos muito menos ambiciosos...
Relativamente ao público e à sua formação, penso que hoje os jovens acabam por já ter uma melhor formação pois já lhes é dado a conhecer um pouco da cultura artística que há uns anos atrás escasseava.
Ao nível do poder local os políticos dão ao povo aquilo que já lhes é dado massivamente pela comunicação social. As pessoas assistem passivamente àquilo que lhes é facultado. Há uma clara opção política em contratar (a título de exemplo) o Toy e o Emanuel, não é que eu tenha alguma coisa contra eles, não é isso, mas... Temos salas muito boas mas... não existe dinheiro... pelo menos é o que se diz. Quando existe dinheiro é sempre distribuído pelos mesmos. Não se aposta em novos valores. Arrisca-se pouco em Portugal...
XM – Mais uma vez muito obrigado por nos conceder esta entrevista. Para terminar, pedíamos que nos falasse dos seus próximos projetos...
FQ – Tenho o CD do qual já falámos e que tem que ser terminado brevemente. Vou estar agora nos Dias da Música no CCB... Vou estar com o Remix Ensemble dirigido pelo grande Maestro Peter Eötvös. Também vou tocar a solo com a Orquestra Barroca da Casa da Música em junho. Irei também estar nos Festivais de Espinho e Póvoa de Varzim. Em setembro estarei a solo com Orquestra Sinfónica Brasileira a tocar no Brasil uma obra de um compositor português, Lopes Graça. Tenho efetivamente muito trabalho mas sinto-me com capacidade para fazer muito mais.
XM – Muito obrigado!
FQ – Eu é que agradeço. Aproveito para vos dar os parabéns pois tenho acompanhado o vosso trabalho lendo algumas entrevistas. O site está óptimo e faz um trabalho que é muito necessário.
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