XpressingMusic entrevista a clarinetista Iva Barbosa…
Iva Barbosa é uma das clarinetistas portuguesas mais destacadas da sua geração. Detentora de importantes prémios nacionais e de inúmeras distinções internacionais, a nossa entrevistada vem ao XpressingMusic falar sobre a sua evolução enquanto performer e como docente. Iva Barbosa é natural de Matosinhos e iniciou os seus estudos musicais com o seu pai. Para além das suas participações em orquestra e a solo, faz também parte do Quarteto Vintage.
Iva, muito obrigado por nos conceder esta entrevista. O Conservatório de Música do Porto e a Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto constituíram certamente marcos importantes na sua carreira académica enquanto instrumentista... Como foi a sua aprendizagem até chegar a estas instituições e quando sentiu que queria ter a música como profissão?
O meu contacto com a música começou desde que nasci, pois o meu pai é músico amador. Com 8 anos comecei a aprender com ele em casa e, paralelemente, comecei a ter aulas de clarinete e solfejo na Banda Musical de Matosinhos. Com 10 anos ingressei no Conservatório de Música do Porto na classe do Professor Adam Wierzba. Estudei lá quase 9 anos, e foi, sem dúvida, muito importante para mim, pois foi com o Prof. Adam que ganhei o gosto pelo instrumento e aprendi as bases fundamentais para tocar clarinete. Só decidi fazer da música a minha vida aos 18 anos. Ainda estive inscrita em Comunicação Social na Universidade do Minho, mas o amor pela música falou mais alto. Por isso nunca pensei na música como profissão muito cedo. Como estudava no liceu, e gostava muito de áreas como Comunicação Social e Filosofia andei sempre dividida, até ao momento de ter que decidir realmente qual o caminho a seguir. Aqui, a minha família foi muito importante porque me apoiou na decisão, e a dedicação do Prof Adam foi decisiva para me motivar a querer estudar e tocar cada vez melhor. Assim, ingressei na ESMAE na classe do Professor António Saiote. Na ESMAE cresci muito como músico e clarinetista e não podia ter estudado numa classe melhor. O Professor António Saiote é uma referência e ajudou-me a solidificar a minha forma de tocar. Foi também na ESMAE que toquei pela primeira vez numa orquestra, fiz alguns dos bons amigos que ainda tenho hoje em dia e formei o Quarteto Vintage.
Adam Wierzba, António Saiote, Guy Deplus, Michel Arrignon, Philippe Cuper, Enrique Perez Piquer, Stephane Hascöet, Alain Damiens, Philippe Berrod, José Luís Estellés e Larry Combs são nomes que não esquecerá... O que absorveu de cada um destes pedagogos? Pode realçar as principais características de cada um deles?
Os meus professores foram o prof. Adam WIerzba e o Prof. António Saiote.
O Prof. Adam foi naquela fase da minha vida fundamental para mim. Nunca deixou de se dedicar a mim a 100 % como professor, mas também foi sempre uma pessoa muito preocupada com o meu crescimento a nível pessoal e emocional. Ensinou-me o que precisava saber para tocar clarinete, e incutiu-me o gosto pela música e por tocar em público. Sempre me ensinou que um músico não é só ser instrumentista - tinha que tocar muito bem clarinete mas também que ouvir todos os géneros de música, ler muito, tentar absorver o máximo de conhecimentos, ser criativa e ser muito feliz a tocar. Tive muita sorte em que os nossos caminhos se cruzassem nesta fase da minha vida e nunca teria escolhido a música como profissão se não tivesse tido contacto com uma pessoa como ele. Estou muito grata.
O Prof. Saiote foi o melhor professor que podia ter tido depois de terminar o Conservatório. Foi muito importante, pois cresci muito, aprendi métodos de estudo que nunca mais deixei de usar, aprendi a importância de estar sempre pronta para tocar em qualquer lado, e trabalhei o grande repertório escrito para o clarinete. É sem dúvida uma pessoa muito culta e com convicções muito fortes e foi sempre um professor muito dedicado a quem agradeço tudo o que me ensinou. É o responsável pelo grande desenvolvimento que o clarinete teve em Portugal.
Os outros professores, conheci-os em masterclasses. São momentos muito importantes se soubermos absorver conhecimentos com alguma rapidez e facilidade, pois são contactos de poucos dias com cada professor. Lembro-me de cada um deles por razões diferentes, mas com cada um aprendi algumas coisas que guardo até hoje. Tenho sempre o hábito de escrever coisas importantes nas partituras, e tenho de cada masterclasse algumas coisas escritas que às vezes releio. Em masterclasses é muito importante ter aulas mas também assistir às aulas dos outros participantes.
Os prémios que tem vindo a acumular mostram bem a sua qualidade enquanto instrumentista. Fale-nos de alguns desses prémios e distinções. Todos têm igual significado para a Iva?
Os prémios que consegui são realmente muito importantes para mim, pois representam muito trabalho e horas de estudo. São obviamente um reconhecimento do meu trabalho, e alguns ajudaram-me na minha carreira profissional. Por princípio não me identifico com o conceito de concurso/competição. Quando comecei a participar em concursos não foi fácil, pois não via a música de uma forma competitiva. Mas com o tempo percebi que quando me preparava para um concurso crescia enquanto clarinetista e músico, pois as horas de estudo e a preparação psicológica que temos que ter para cada concurso são realmente importantes para nos preparar para tocar em público e crescermos enquanto músicos. Então comecei a encarar os concursos de uma forma mais positiva a usá-los para o meu desenvolvimento pessoal. Obviamente que quando participamos num concurso é com o objectivo de ganhar um prémio, mas na minha opinião, não podemos encarrar isto de forma obsessiva, pois quando isto não acontece devemos retirar o que de bom teve o concurso para nós. Outra coisa que aprendi foi que é muito difícil, por vezes, agradar a todos os elementos do júri, e devemos encarar isto naturalmente. A vida é assim! Não gostamos todos das mesmas coisas, e ainda bem que a música é abstracta a este ponto, pois seria muito pobre se todos tocássemos da mesma forma e gostássemos de ouvir música da mesma maneira. É uma bênção, podermos todos os dias procurar coisas novas a tocar e a ouvirmos os outros a tocar.
É importante participar em concursos porque crescemos sempre, mesmo que não consigamos nenhum prémio.
Como solista, já tocou com várias orquestras. Pode partilhar connosco estas experiências? Com que orquestras já tocou?
Tocar a solo com Orquestra é para mim sempre um prazer enorme. Felizmente tenho tido muitas oportunidades de tocar a solo com Orquestras em Portugal, por isso tenho tentado usufruir ao máximo destas experiências. A primeira vez que toquei a solo com Orquestra tinha 16 anos, e nunca mais me vou esquecer, pois foi com a Orquestra Nacional do Porto e senti uma enorme responsabilidade e estava muito ansiosa! Mas guardo até hoje a sensação de alegria com que terminei os concertos. Foi muito importante para mim e a partir dessa altura comecei a encarar o clarinete de uma forma mais séria!
Já toquei a solo com a Orquestra Nacional do Porto, com a Orquestra Gulbenkian, com a Orquestra Sinfónica Portuguesa, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, a Orquestra de Cascais e Oeiras, a Orquestra Filarmonia das Beiras e a Orquestra da EPMVC.
Foi sempre um prazer e cada concerto foi vivido de forma diferente, pois o repertório variou entre: Weber, Mozart, Copland, Crusell, Debussy. Toquei sempre concertos que gosto muito de interpretar e fui sempre muito acarinhada pelas orquestras e maestros o que fez com que fruísse ao máximo de cada concerto.
Para além de Portugal, já tocou em países como Itália, Bélgica, Espanha, Japão, China e Canadá. Sente que a música é encarada de formas distintas em cada um destes países? Ao visitar outros países tem tido oportunidade de contactar com músicos locais? Há tempo para novas aprendizagens e para a troca de experiências?
Viajar é sempre um oportunidade para trocar experiências. Conhecemos sempre pessoas novas e aprendemos sempre alguma coisa com culturas diferentes. Na música essa troca é ainda mais importante quando se consegue observar como se vive a música nos outros países. Muitas vezes percebemos que temos que mudar, mas outras vezes também percebemos que em Portugal se fazem coisas muito boas e de nível internacional. Para mim, é importante sermos humildes para aprender com os outros e assim será mais fácil valorizarmos mais o que fazemos bem.
Como músico convidado tem tocado com a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música e com a Orquestra Sinfónica Portuguesa. Como surgiram estas oportunidades? Sente que é o justo reconhecimento do seu real valor e talento?
Com estas duas orquestras colaboro regularmente, porque ganhei provas que cada uma das orquestras abriu em alturas diferentes para lugares de substituição no naipe de clarinetes. Acho que o facto de ter ganho as provas é um reconhecimento do meu trabalho. Tem sido muito bom poder tocar regularmente em Orquestra e muito importante para o meu crescimento musical.
Para além da Iva Barbosa performer, existe a pedagoga... Já lecionou na Escola Profissional de Artes de Mirandela, na Academia de Música de Costa Cabral, no Conservatório de Música das Caldas da Rainha, na Escola Profissional de Música de Viana do Castelo, NO CONSERVATÓRIO DE MÚSICA DO PORTO e na Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do porto. Como concilia o estudo do instrumento com uma atividade docente tão intensa? Também realiza masterclasses?
Tenho que ser muito organizada e metódica. Tenho que programar tudo com muito tempo de antecedência! Não há outra forma de conciliar atividades diferentes. Gosto muito de dar aulas, especialmente quando os alunos estão receptivos a trabalhar, e isso também me ajuda a gerir o tempo. Acho que o facto de ter concertos e ter que estudar também me ajuda a ser melhor professora. É muito importante, os alunos ouvirem os professores a tocar e perceberem como funciona o dia-a-dia de um músico profissional, pois será o seu futuro.
Também sou convidada a dar masterclasses.
Gosto muito de comunicar e transmitir tudo o que sei e sinto sobre tocar clarinete e sobre música e, nos meus alunos mais regulares, é muito gratificante ver a sua evolução ao longo dos anos.
Neste momento encontra-se a lecionar em alguma instituição?
Sim, na Escola Profissional Metropolitana em Lisboa.
Pode falar-nos agora um pouco do Quarteto Vintage? Quando e como nasceu este projeto? Quais os objetivos que o norteiam?
O Quarteto Vintage formou-se há 12 anos integrado na disciplina de música de câmara na classe do Prof. António Saiote na ESMAE. Abordamos uma grande parte do repertório que existe para esta formação. Temos investido muito tempo e dinheiro na investigação de novo repertório e na encomenda de peças. Já gravámos 2 cd. O primeiro é um cd muito eclético e pretende mostrar um pouco de quase todo o tipo de música que tocamos, e o segundo, "Clair de Lune" ´é dedicado à música francesa.
Os nossos principais objetivos são explorar ao máximo as possibilidades sonoras da formação, e a proliferação quer da música portuguesa, quer do melhor repertório escrito para quarteto de clarinetes. A criatividade está sempre a ser testada em cada projeto nosso. Queremos marcar a diferença por fazermos coisas realmente diferentes e de qualidade. Temos muitos exemplos disto – Divulgação de música portuguesa, Colaboração com outros instrumentos e áreas artísticas (percussão, canto, pintura, atores, bailarinos, escrita), estreias de novas peças, etc.
Mais uma vez queremos agradecer a sua amabilidade ao dedicar-nos um pouco do seu precioso tempo. Para terminarmos esta entrevista vamos deixar-lhe algumas questões para respostas curtas...
Qual a atividade preferida para os tempos livres?
Ler, cozinhar.
Qual o filme que mais a marcou?
Difícil... não tenho nenhum que me marcasse especialmente, mas gostei de filmes como: O Silêncio dos Inocentes e Babel.
Livro preferido...
Todos do Eça de Queirós.
Passeio... na praia, no campo ou na cidade?
Praia.
... A pé ou de carro?
A pé.
O que a faz feliz?
A minha família e a música.
Obra musical que mais gosta de interpretar...
Não consigo escolher uma, mas a que mais toquei e nunca me canso... – Concerto para clarinete de W.A.Mozart.
Compositor que mais gosta...
Brahms.
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