CORDIS… Paulo Figueiredo e Bruno Costa falam-nos desta fusão entre as cordas do piano e da guitarra portuguesa.

CORDIS, o piano de Paulo Figueiredo e a guitarra portuguesa de Bruno Costa

O piano de Paulo Figueiredo e a guitarra portuguesa de Bruno Costa protagonizam uma nova abordagem estética e trazem à tona facetas desconhecidas de alguns clássicos da guitarra de Coimbra. Numa singular simbiose entre estes dois instrumentos, assistimos a um diálogo de cordas, viajando pela diversidade harmónica e rítmica de peças de reconhecidos compositores. Assim, tradição e inovação, traduzidos em texturas sonoro-musicais capazes de conduzir o ouvinte por novas e empolgantes viagens, são apresentadas por estes dois músicos que hoje aqui entrevistamos no XpressingMusic.

Começamos esta entrevista por vos agradecer a prontidão com que aceitaram o nosso convite para este encontro de partilha sobre o projeto CORDIS. Não podemos deixar de vos questionar relativamente à origem deste projeto. Como e quando tudo começou? Como surgiu esta ideia de juntar piano e Guitarra portuguesa?
Em finais da década de 90, como pianista, fui convidado para fazer parte dos lançamentos de uns discos e para uns concertos, o que depois deu origem à passagem pelo Porto 2001 Capital da Cultura. Fui convidado para fazer parte de um espetáculo que se chamava “Passos da Noite”. Esse espetáculo era protagonizado pelo Quinteto de Coimbra, um grupo de fados puro e duro, com guitarra portuguesa, viola, dois cantores... e congregava uma série de músicos convidados. Eu já tinha feito umas experiências com o piano e com a guitarra portuguesa com outro guitarrista, que não está tanto no ativo agora, o António José Moreira. Ele dava aulas tal como eu no Colégio Rainha Santa, e aí fizemos umas experiências engraçadas, mas isso ficou um bocadinho por aí. Mais tarde integrei esse espetáculo, onde fui juntando o piano a toda a sonoridade tradicional do fado e, depois, integrado nessa junção do piano com esse projeto, surge o Bruno. O Quinteto passou a ser Sexteto e, juntos, fizemos parte de um novo projeto que surgiu, ligado a uma editora em Lisboa, pela mão de um dos nossos convidados mais frequentes que é o Edjam, o saxofonista belga. Foi então que nasceu o projeto que se chamou Chillfado, que deu origem a um álbum repleto de inovações tecnológicas e musicais. Desse álbum fizeram parte uma série de nomes como Paulo Bragança, Mariza, Wanda Stuart, etc. Nós gravámos dois temas nesse álbum. Foi aqui que me juntei mais ao Bruno e acabámos por fazer alguns espetáculos a apresentar esse disco. A nossa relação acabou por se aprofundar um bocado. Falo, não só da relação do piano com a guitarra portuguesa, como também da minha relação “Paulo Figueiredo com Bruno Costa”. Começámos a perceber que havia ali uma simbiose muito grande. Ao percebermos que nos dávamos muito bem não só a nível musical como também pessoal, facilmente partimos para esta aventura de iniciar um projeto juntos. Ainda passámos por um projeto que se chamava Coimbra em Piano de Fundo com o cantor Patrick Mendes. Achando que o piano e a guitarra portuguesa ainda podiam dar mais qualquer coisa partimos, em 2005, para um projeto mais sólido ao qual resolvemos chamar CORDIS e que durante três anos aperfeiçoou esta ligação entre os dois. Depois de muito trabalho, a cumplicidade tímbrica e rítmica foi crescendo... No entanto, os primeiros comentários de pessoas ligadas à música antes de nos ouvirem eram no sentido de enfatizar a impossibilidade de se conseguir um resultado interessante entre o piano e a guitarra portuguesa. O próprio Rui Veloso, na primeira vez que fomos gravar a Vale de Lobos, nos disse " vocês são doidos... piano e guitarra portuguesa?! Isso não dá!" A opinião mudou imediatamente a seguir à audição do primeiro tema dizendo que afinal o CORDIS conseguia fazer algo que ele apelidaria no mínimo de improvável, ou seja, o casamento entre as cordas do piano e as da guitarra portuguesa... Para nós também não foi fácil no início.

CORDIS, Pavilhão de Portugal, Coimbra, 2008O que sentiram em setembro de 2008, data do primeiro concerto de apresentação no Pavilhão de Portugal, em Coimbra? Foi a confirmação de que este projeto tinha “pernas para andar”?
Tendo em conta todas as reações daquelas pessoas ali à volta, sentimos que esta experiência dita meia maluca, meio arrevesada, fazia todo o sentido e tinha “pernas para andar”. A reação foi unanimemente muito boa. Fizemos uma coisa inédita naquele Pavilhão de Portugal que foi, mesmo antes do concerto começar, meter ali seiscentas e tal pessoas. Quando subimos ao palco víamos pessoas literalmente penduradas nas escadas. Havia gente por todo o lado... e nós eramos só dois... tudo bem que tínhamos alguns convidados mas o CORDIS somos nós os dois (com o piano e a guitarra portuguesa) ... Criou-se ali uma expetativa e, ao mesmo tempo, uma aura inexplicável e de que não estávamos à espera. As pessoas gostaram muito o mostraram-nos que devíamos continuar. Tendo em conta que ali também fizemos algumas experiências com outros instrumentos, a reação do público também nos levou a concluir que deveríamos continuar essas experiências em estúdio e noutros concertos. Foi isto que acabou por dar origem ao disco dois onde já assistimos a estas misturas tímbricas outrora experimentadas.

O CORDIS tem-se apresentado de norte a sul do país. Partimos do princípio que para que todos estes concertos aconteçam, deverá haver uma máquina muito bem montada... Podem partilhar com os nossos leitores como é gerido o agenciamento e a produção de todos estes eventos?
Tenho que vos confessar que sou um pouco apaixonado por esta área. Digo muitas vezes que, se não fosse músico e professor de música e educação musical gostaria de ser produtor. Não só produtor musical mas também participar de toda a produção executiva dos eventos. Eu, por mais que tente entregar isto a alguém para fazer, não consigo deixar de ser eu a fazê-lo. Assim, a grande maioria dos eventos em que temos participado têm sido produção minha. O Bruno assume desde a primeira hora que é assim porque eu estou disposto a fazê-lo pois, se dependesse dele, tínhamos logo entregado isto a uma empresa... É evidente que isto dá uma grande trabalheira desde 2008 e às vezes damos connosco a pensar que não chega aquilo que eu faço, porque em termos de gestão de tempo a coisa não se torna fácil. No entanto, embora a produção musical e executiva seja nossa, isto não quer dizer que na parte promocional não entreguemos ou deleguemos tarefas a terceiros. Por exemplo, temos uma agência em Lisboa que nos faz chegar aos sites e rádios de todo o país.

CORDIS, Bruno Costa, Guitarra PortuguesaDe todos os concertos e apresentações públicas que têm feito, existem alguns momentos que vos tenham marcado de forma mais evidente? Quais?
Em primeiro lugar, destaco os momentos de apresentação de trabalhos novos. Aí, o momento de apresentação do primeiro disco no Pavilhão de Portugal, como falámos há pouco, acabou por ser inesquecível. Pela surpresa, por ainda não sabermos qual a reação que o público teria... Olhar para aquelas pessoas que estão no fado e na guitarra de Coimbra há quarenta ou cinquenta anos e não saber como iriam reagir ao facto de termos “escangalhado” as músicas de Carlos Paredes, Artur Paredes, etc... Tudo isto gerou em nós uma grande expetativa e tornou aquele momento único. Não arriscarei muito se disser que, também para o Bruno, esse será o grande momento do CORDIS. O lançamento do CORDIS 2 no TAGV (Teatro Académico de Gil Vicente) acabou por ser a concretização do trabalho realizado ao longo de três anos e acaba por ser a confirmação de que o CORDIS não tinha sido uma “pedrada no charco” aqui em Coimbra que depois ali ficou parada... Não. Nós pegámos na pedra e fomos atirá-la noutros charcos e fomos vendo o que daí ia resultando.

Podem falar-nos agora um pouco do vosso segundo disco?
Do primeiro para o segundo disco não mudámos muita coisa. A grande diferença residiu na junção de outros instrumentos, de outras sonoridades. Tivemos muitos músicos convidados na segunda parte do disco, pois na primeira quisemos manter a raiz do CORDIS. Ressalvo que cada vez mais estamos empenhados em manter essa raiz. Ainda há dias reafirmámos na RDP Internacional que a raiz do CORDIS foi, é e será o piano e a guitarra portuguesa. É aí que reside a nossa originalidade e a essência daquilo que nós fazemos. Isto não quer dizer que não tenhamos um prazer brutal em convidar um baterista e um contrabaixista e um quarteto de cordas e uma voz, etc., para poderem marcar alguns momentos dos nossos concertos. Foi o que aconteceu na segunda parte do CORDIS 2 onde, ora aparece um violoncelo, ora aparece um quarteto de cordas ou um contrabaixo, percussões e por aí fora... Outra coisa que aconteceu e que queremos aprofundar nos próximos discos foi o aparecimento de originais nossos.

CORDIS, Paulo Figueiredo, PianoSabemos que dão grande relevância a projetos de ação social e a causas nobres de solidariedade associando-se, sempre que possível, a eventos solidários... Que eventos deste género já puderam contar com a vossa participação?
Desde que estejamos livres, disponíveis e desde que os projetos de solidariedade sejam assumidamente (como na maioria das vezes são) de valor e mérito, nós cedemos imediatamente a nossa participação. Sempre que temos sido convidados, temos participado. Lembro-me, por exemplo, de um que realizámos no TAGV que foi o Coimbra Solidária que se repete todos os anos.

Recentemente lançaram o vosso primeiro DVD. Consideram que era imperioso que se guardasse para a posteridade um registo que fosse além das sonoridades por vós produzidas?
Sim. Para nós foi um passo mais ou menos natural. Isto porque no lançamento do segundo disco considerámos natural que num futuro próximo se lançasse um DVD. Assim, no lançamento do segundo disco, filmámos o concerto já com essa motivação. Depois acabou por não ser só um DVD pois apostámos no lançamento de um pack triplo, porque o nosso primeiro CD já estava esgotadíssimo e não nos parecia bem fazer uma nova reedição, visto que já o tínhamos feito por duas vezes. Assim, pensámos em condensar a nossa história reeditando os primeiro e segundo discos e lançando o DVD que tinha sido gravado aquando do lançamento do segundo disco. Mais uma vez arriscámos, numa altura de crise, num projeto que ficou extremamente oneroso, pois não podemos esquecer que todas as nossas edições têm sido edições de autor... Lançar um CD é caro, lançar dois é caríssimo, então acrescentar a isto um DVD é uma loucura...

E para o futuro? O que poderemos esperar do CORDIS? Há já novos projetos que possam partilhar com os nossos leitores? A internacionalização é um objetivo?
A internacionalização é um objetivo nosso desde o início, até porque quando há estrangeiros nos nossos espetáculos eles até gostam mais do que os portugueses. Em primeiro lugar, porque alguns nunca tinham ouvido uma guitarra portuguesa, então guitarra portuguesa com piano e com os nossos arranjos... eles ficam rendidos. Depois perguntam-nos “então já tocaram na Dinamarca, na Noruega, na Holanda, no Japão...?” Ficam incrédulos quando lhes dizemos que só tocámos em Portugal continental, Madeira e Açores. Já tivemos imensas vezes quase com o bilhete na mão para termos concertos no Brasil, em Cabo Verde, em Angola... Neste momento estão em aberto negociações com o Brasil, Angola e Moçambique, Timor, Luxemburgo... se alguma se vai concretizar... não faço a mínima ideia. Espero bem que se concretizem. Talvez nos faça falta, o tal agente... Já tentámos alguns contactos com agentes mas a ideia com que temos ficado é a de que estes já têm a sua carteira de artistas e fazem rodar esses mesmos artistas. Pensamos que o facto de sermos um projeto instrumental “sem um rosto” também dificulta um pouco as coisas neste âmbito. Quanto aos projetos futuros, estamos sempre abertos a novas situações. Já fizemos CORDIS com tantas versões ao nível da formação... com saxofone, com concertina, com a Cuca Roseta, com Quarteto de Cordas, com a Orquestra Clássica do Centro, com quem já fizemos um concerto enorme pela quantidade de pessoas que lá estavam. Neste concerto houve uma primeira parte só com o CORDIS e uma segunda parte com arranjos para orquestra, o que é uma coisa fabulosa, havendo até momentos em que nos dava vontade de chorar ao ver a orquestra a crescer connosco... Em suma, são tantas as hipóteses que temos para o CORDIS 3... Ou seja, CORDIS e um leque vasto de convidados ilustres? CORDIS e Orquestra? CORDIS com Cuca Roseta e Quarteto de Cordas?... Tudo pode acontecer... Eu, por exemplo, não excluo a hipótese de o CORDIS 3 ser CORDIS mais quarteto de cordas, por exemplo o Opus 4 com quem adoramos trabalhar. Fazer arranjos para quarteto de cordas é algo que me fascina. Faço coisas muito simples mas penso que resultam. Portanto, independentemente do formato, apostaremos sempre mais nos temas originais.

CORDIS, Paulo FigueiredoPara além do CORDIS, cada um de vocês tem outros projetos musicais? Se sim, como organizam o vosso tempo?
Tanto para o Bruno como para mim, o CORDIS é o projeto central e aquele que marca as nossas prioridades, ou seja, eu sempre que tenho o CORDIS, não tenho mais nada. O Bruno, desde há muito tempo, mesmo antes do CORDIS, que trabalha com o fado de Coimbra tradicional, estando ligado aos melhores intérpretes do fado de Coimbra. O Bruno tem constantemente convites e espetáculos com grupos de fado tradicional. Neste âmbito até acontece algo caricato e que se prende com o facto de muitas vezes o Bruno estar a tocar na noite anterior ao concerto do CORDIS os mesmos temas, mas com versões completamente diferentes dos nossos, o que o obriga a uma enorme ginástica mental para que se abstraia das versões de um projeto quando está a tocar no outro. Eu também toco com muitos outros projetos. Sou acompanhador assíduo da Inês Santos. Sempre que ela precisa de um pianista sou eu que vou com ela e por vezes as distâncias são enormes... Se juntarmos a isto o facto de eu ser professor de música com trinta e muitas horas letivas e coordenador artístico do Colégio Rainha Santa aqui em Coimbra, ainda torna tudo mais difícil de gerir. Por exemplo, hoje vamos começar um ensaio às 23 horas... e amanhã teremos um dia intensíssimo de trabalho com um espetáculo à noite. Isto são coisas que, por vezes, são muito difíceis de gerir. O Bruno não é professor de música mas é professor de Educação Física e este ano está a dar aulas em Proença-a-Nova, fazendo 200 quilómetros todos os dias...

Como caracterizam a evolução da música portuguesa nos últimos 30/40 anos?
Eu e o Bruno já temos discutido isso... Concordamos os dois que a música portuguesa passou por um período muito bom e criativo ali pelos anos 70/80 e depois entrou-se num deserto. Isto, tendo em conta a nossa forma de ver e de viver a música. Pensamos que já se saiu do deserto para aí há uma meia dúzia de anos, mais um bocadinho talvez... Ou seja, a música portuguesa renasceu, estando com uma vivacidade e com uma energia fantástica outra vez.

CORDIS, Piano e Guitarra PortuguesaPensam que esta evolução foi favorável ao aparecimento de projetos como o CORDIS?
Sim. Tivemos outro azar que foi aparecermos quando surgiu aquela senhora que agora anda para aí, que acho que se chama “Crise”... (risos) Quando ela apareceu, nós aparecemos também e cada passo que avançamos fazemo-lo com redobrada satisfação pois podemos dizer que, apesar da crise, nós avançamos e continuamos as nossas conquistas. Ainda há pouco tempo tivemos oportunidade de nos defrontar com uma situação em que só com uma certa dose de loucura e de empreendedorismo pudemos avançar. Falo do pack triplo, pois quando vieram os orçamentos, qualquer pessoa com o mínimo de lucidez diria que numa altura de crise seria impensável avançar para um investimento daqueles. Nós avançámos porque não condicionamos os nossos timings. Felizmente correu muito bem! (risos) Muita gente nos tem dito: “Se vocês tivessem aparecido há dez anos atrás, estariam a tocar cinquenta vezes mais do que estão a tocar agora...” Tenho tido imensas reuniões com vereadores da cultura e vocês não imaginam a dificuldade que é para chegarmos a um acordo. Sentimos que em muitos casos, só porque nós temos imensa vontade de ir a outros sítios do país apresentar a nossa música, é que alguns espetáculos acabam por se concretizar.

Mais uma vez, muito obrigado por nos terem recebido para esta conversa. Para terminar, gostaríamos de vos deixar uma questão em tom de desafio... Se vos fosse dada a oportunidade de sugerir algo aos nossos governantes (fossem eles quem fossem) no sentido de melhorarem o atual cenário da cultura portuguesa, que sugestão ou que sugestões fariam?
Penso que é um crime haver tantas infraestruturas por esse país fora carregadas de material muito bom, totalmente apetrechadas de equipamentos de topo, que depois não são rentabilizados. Com isto quero dizer que há uns anos, não sei com que motivações políticas, foram adquiridas enormes quantidades de material de alta qualidade para auditórios que temos visitado por todo o país. Assim, quero deixar aqui um repto que é tão simples como “ajudem-nos, fiquem do nosso lado para que não se deixe todo esse material, todo esse investimento apodrecer”. Vamos todos ajudar para que esse material não morra. Por todo lado se veem pianos sem afinações e manutenções, material de gravação parado, material de som e luz parado, etc. Os músicos estão super baratos. Não encarem isto como uma disponibilidade para as “borlas” porque os músicos também têm que ir ao supermercado e tem que haver dignidade na profissão que eles estão a desempenhar. Portanto, um músico quando sobe a um palco tem que ter cachets e tem que ter condições para fazer aquilo que faz porque, para lá chegar, teve que trabalhar e estudar muito. Há que aproveitar o facto de os músicos estarem a abdicar de cachets proporcionais ao seu real valor para que não se feche de uma vez por todas as portas à cultura e que parece ser a vontade de muitos, hoje em dia, infelizmente.

CORDIS… Paulo Figueiredo e Bruno Costa falam-nos desta fusão entre as cordas do piano e da guitarra portuguesa.

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