Carla Pires e a “Rota das Paixões”
A voz de Carla Pires tem chegado longe. Para além de Portugal, a nossa entrevistada já realizou concertos e digressões por países como França, Espanha, Suécia, Noruega, Inglaterra, Grécia, Itália, Turquia, Bélgica, Holanda, Áustria, Suíça, Alemanha, Japão, Argélia e Brasil. Nesta entrevista iremos fazer uma viagem, não só pelo seu mais recente trabalho “Rota das Paixões”, como também por aquilo que tem feito desde 1993, altura em que participou na 1ª série do programa televisivo “Chuva de Estrelas”. A 30 de Março de 2012 esteve presente num dos palcos da Babel Med Music em Marselha, a segunda maior feira de world music da Europa. Lá apresentou o seu novo trabalho. Destaque-se que entre cerca de mil propostas, Carla Pires foi uma das 30 escolhas deste certame.
Carla Pires, é com um enorme prazer que a recebemos neste espaço de partilha(s). Podemos começar esta entrevista precisamente pelo seu novo trabalho, “Rota das Paixões”. O que representa para si ter um trabalho editado internacionalmente?
Uma enorme alegria! Sobretudo porque a Harmonia Mundi é a editora independente francesa mais importante da atualidade, o que significa o reconhecimento que há tanto esperava. Desta forma, além das plataformas digitais, é mais fácil o meu trabalho chegar além-fronteiras, porque ainda se compram discos neste estilo de música.
Os poemas deste trabalho são da autoria de Paulo Abreu Lima, Tiago Torres da Silva, Florbela Espanca. A escolha dos poemas foi da sua responsabilidade?
E alguns meus também! Para este trabalho tivemos especial atenção com a palavra, procurávamos algo com que eu me identificasse para melhor o poder transmitir ao público. Estou a falar no plural porque foi um trabalho de equipa. Por exemplo, o poema de Florbela Espanca já o tinha escolhido para um dia ser musicado. Os poemas do Paulo Abreu Lima chegaram até mim através do meu agente Joaquim Balas. Quanto ao Tiago torres da Silva, foi-lhe feito o convite para escrever um poema sobre uma música de António Neto, ao qual ele acedeu com muito gosto.
A Carla teve uma presença muito forte na parte musical? Quem foram os restantes músicos e compositores que a acompanharam nesta jornada?
Começo por mencionar o trabalho do António Neto (guitarra clássica) que fez a produção musical e teve um papel muito importante na composição de grande parte dos temas.
O Luis Guerreiro na guitarra portuguesa, o Vasco Sousa no contrabaixo e no baixo acústico, Enzo Daversa no piano e no acordeão, Manu Teixeira na percussão e por fim Ceciliu Isfan no violino e na viola!
Considera que foi o seu primeiro trabalho a solo, “Ilha do Meu Fado” que a projetou para o mundo?
Sim, por ter sido o meu cartão-de-visita e afirmação enquanto fadista numa carreira a solo. Mas sem os concertos e digressões que realizei em grandes palcos do mundo esta projecção não teria sido possível. Aliás, as duas coisas são indissociáveis.
Vamos agora recuar um pouco mais de 20 anos... Quando em 1993 participou no programa televisivo “Chuva de Estrelas”, qual era o seu objetivo? Já projetava interiormente uma carreira como a que tem atualmente?
Sei que parece um lugar-comum, mas a verdade é que nunca quis ser mais nada senão artista...claro que na altura não pensava ainda na carreira...queria apenas cantar. Mas foi uma experiência que fez parte do meu percurso e aprendi com ela. Realmente foi há décadas!
A formação que obteve na Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espetáculo foi muito importante para o trabalho que hoje desenvolve? Quais os principais ensinamentos absorvidos e colocados em prática profissionalmente no seu dia-a-dia?
São vários os ensinamentos que daí absorvi, entre os quais saber como funcionam os bastidores de um espetáculo, tal como toda a produção até chegar ao palco. No fundo aprendi a ter algumas bases sólidas para poder pisar um palco.
Entre 1994 e 1995 gravou as bandas sonoras para as telenovelas: “Roseira Brava”, “Primeiro Amor” e “Ana e os Sete”. Gosta de realizar este tipo de trabalhos, mais próprios do ambiente fechado do estúdio?
Não há nada como ter o público à nossa frente, mas gravar estes temas para as bandas sonoras foi muito enriquecedor e mais uma etapa na minha carreira que aí começava!
A sua participação, em Setembro de 1996, representando a Sociedade Portuguesa de Autores, no Festival de Salónica, na Grécia, foi algo que nunca esquecerá... Concorda?
Não vou esquecer nunca os sentimentos que me invadiram no momento em que a canção que tinha interpretado ganhou o primeiro lugar. Chorei e ri ao mesmo tempo! Estava incrédula e por momentos achei que era um sonho...inesquecível. Gravei agora no meu último trabalho o tema vencedor “Canção do vento e da terra”.
Sentiu-se muito honrada com o convide de Filipe La Féria para integrar o elenco fixo do Musical Amália?
Claro, uma das melhores experiências na minha vida profissional, poder interpretar o papel da minha maior referência e ter o privilégio de trabalhar com o Filipe Lá Féria. Além de que me deu imensa tarimba, subir a um palco 5 noites por semana, contracenar e estar com grandes atores. Aprendi imenso.
Em 2002, como atriz e cantora, encarnou a “Teresinha” na telenovela da SIC “O Olhar da Serpente” e em 2007 integrou o elenco da telenovela da TVI, “A Outra”. A representação é outra das atividades que a fascina?
Fascina sim! E tenho pena de não ter investido mais na minha formação enquanto atriz, mas hoje mais do que nunca, estou cem por cento dedicada à musica.
Amália tem estado sempre muito presente na sua carreira, tanto em espetáculos como também já em disco. Como descreve a figura de Amália? Sente-se influenciada...?
Embora sinta que cada vez mais encontrei a minha identidade enquanto cantora, Amália é sem dúvida a minha maior referência...uma artista completa.
A Carla Pires já pisou palcos um pouco por todo o mundo... Quais os palcos que lhe deixaram as melhores recordações?
Cada palco tem uma história, mas posso referenciar alguns dos mais importantes e emblemáticos que já pisei como o Queen Elizabeth Hall (Londres), Ópera de Gent (Bélgica), Coliseu Carlos III (Madrid), Cirque d´Hiver (Paris), Auditorium-Aichi (Japão), Södra Teatern (Estocolmo), Rasa (Utreque), onde vou regressar no dia 21 de Fevereiro. São salas lindíssimas pelas quais já passaram os melhores artistas do mundo. É avassalador.
Quanto a festivais, há algum ou alguns que a tenham marcado de forma mais intensa?
Festival de Gent (Bélgica) – um festival fantástico que ocorre em toda a região da Flandres durante 3 semanas entre Setembro e Outubro. Na edição de 2010 participaram nos espectáculos 240 artistas e grupos e coube-me a honra de abrir o Festival com 2 concertos na Ópera de Gent. Outros festivais marcaram-me pelo entusiasmo do público, pelo espaço arquitectónico em que se desenrolaram, pela diversidade cultural e musical dos seus programas, pelo profissionalismo e simpatia dos organizadores. Destaco apenas alguns porque são tantos em que participei que não cabia qui distingui-los todos: Festival d'Ile de France e Festival Parfums de Musique, ambos em Paris, Festival Mozzaïque (Le Havre-França), Festival d'Ambronay (França) em que tive o prazer de partilhar o palco com os Deolinda, Atlantic Waves (Londres), Festa do Avante, onde participei em 4 edições, Festival Côté Cour (Aix-en-Provence) onde também participei em 2 edições.
Em breve irá participar no “Fado Ritual e Sombras”... Pode descrever-nos resumidamente em que é que consiste este projeto? Quais os principais intervenientes para além da Carla?
Trata-se de um projeto de grande importância para mim! É uma coprodução entre a Internationaal Danstheater, de Amsterdão e a Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo. A coreografia é de Vasco Wellenkamp e é interpretada por bailarinos de ambas as companhias, com musica e voz ao vivo sobre o tema fado. Foi um orgulho para mim ter sido convidada pelo Vasco para participar neste projeto em conjunto com os músicos que me acompanham. Temos 23 concertos agendados por toda a Holanda que começam dia 27 de Fevereiro e terminam em Abril. Já surgiram outros convites para outros países. É uma aventura que está a começar.
Muito obrigado, mais uma vez, por esta preciosa partilha que aceitou realizar com os leitores e seguidores do XpressingMusic. Para terminar, gostaríamos de lhe perguntar se considera mais fácil ser-se artista em Portugal hoje do que era em 1993 quando começou a ter maior visibilidade.
Hoje é com certeza mais difícil, não só começar mas também manter uma carreira sólida. Por um lado o nosso país tem um mercado cada vez mais pequeno devido à recente crise por outro lado, o desinvestimento na cultura e o não apoio a projectos emergentes deixa muitos valores pelo caminho. É pena não se ver a cultura como um investimento e sim como despesa. No caso da música, é óbvio que representa uma mais-valia em termos de exportação não só do ponto de vista cultural mas também económico. Mas quem acredita no sonho tem que lutar, ter os pés bem assentes na terra e nunca parar de trabalhar naquilo que acredita.
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