José Pedro Magalhães e o Chordify…
José Pedro Magalhães é investigador pós-doutoral na Universidade de Oxford e vem ao XpressingMusic partilhar um pouco da sua vida enquanto investigador e cocriador do Chordify.
O Chordify é um serviço gratuito de música que se encontra online e foi feito por e para os entusiastas da música. Esta plataforma online transforma a música do YouTube, do SoundCloud ou de qualquer MP3 em acordes.
José Pedro Magalhães é licenciado pela Universidade do Minho em Engenharia de Sistemas e Informática. Na Holanda, mais precisamente no Departamento de Informática e Ciências da Computação de Utrecht realizou o seu Doutoramento que teve como tema: "Real-Life Datatype Generic Programming".
XpressingMusic (XM) – José Pedro, muito obrigado por nos ter dado esta oportunidade de o conhecer melhor a si e aos seus projetos. Sabemos que para além da investigação, tem outros interesses, sendo um deles a música. Alguma vez sonhou ser músico, ou a música foi sempre um hobby?
José Pedro Magalhães (J.P.M.) – Na realidade, na altura em que terminei o ensino secundário, estava também a terminar o conservatório, em órgão. Nessa altura, ponderei seguir música no ensino universitário, mas acabei por seguir a "via fácil". Arranjar emprego como engenheiro informático é certamente mais fácil do que como organista...
XM – Qual o seu, ou os seus géneros musicais preferidos?
J.P.M. – Sou bastante eclético. Cerca de metade do tempo ouço música clássica; gosto muito de Bach e Messiaen (grandes mestres de música para órgão, um barroco, o outro moderno), Stockhausen, John Cage, e, mais recentemente, Thomas Adès.
Fora do género clássico, sou também extremamente eclético; não tenho géneros preferidos, mas artistas. Radiohead, Muse, Björk, e Tom Waits são artistas que não consigo deixar de ouvir. Ultimamente tenho ouvido Rufus Wainwright e The Knife. Na música portuguesa, gosto de Clã, Mão Morta, e nunca esquecerei os Ornatos Violeta.
XM – Como surgiu a ideia de construir o Chordify e como passaram da ideia à sua real concretização?
J.P.M. – O Chordify surgiu a partir de uma colaboração científica entre mim e outro aluno de doutoramento na universidade de Utrecht (também ele cofundador da empresa). Basicamente, um artigo nosso descreveu uma técnica nova de reconhecer acordes em música. Com o Chordify, decidimos trazer algo normalmente acessível apenas à comunidade científica para o público em geral. A ideia foi criar um serviço à volta do nosso algoritmo que tornasse a visualização dos acordes, e o processo de seleção e upload da música, em algo simples, fácil de utilizar por qualquer pessoa. Daí o suporte para música no YouTube ou SoundCloud, por exemplo, juntamente com a interface que mostra os acordes alinhados ao ritmo da música.
XM – Tiveram sempre em mente que esta plataforma iria ser um sucesso?
J.P.M. – Bem, isso sempre foi a nossa esperança, claro. Mas acho que nenhum de nós esperava tamanha adesão. Na altura do lançamento inicial, a 5 de Janeiro deste ano, tínhamos 500 visitas por dia. Hoje em dia, temos mais de 50.000, por vezes até 60.000 por dia. E recebemos imensas mensagens de pessoas satisfeitas com o serviço, por vezes até dizendo que o Chordify as fez voltar a tocar guitarra, por exemplo. Isto é algo muito gratificante.
XM – O Chordify é a única plataforma do mundo que tem a capacidade de reconhecer automaticamente os acordes do sinal de áudio que enviamos?
J.P.M. – Não... e sim. Existe software científico que faz a mesma tarefa, mas não oferece qualquer conveniência para o utilizador; este tem que converter a música para um determinado formato manualmente, por exemplo, e depois interpretar uma análise textual, que diz, por exemplo, que do segundo 1.23 ao segundo 5.44, a música usa o acorde de Dó maior. Isto é claramente inútil para um consumidor final. Tanto quanto sei, o Chordify é o único serviço inteiramente gratuito destinado a utilizadores comuns.
XM – Pode explicar-nos de forma sucinta em que é que consiste e como funciona o Chordify?
J.P.M. – Embora tenhamos feito todos os possíveis para tornar o Chordify simples e fácil de usar, a tecnologia por trás das cenas é relativamente complexa. Primeiro, usamos o sonic annotator para extrair uma análise digital da música, descrevendo o seu ritmo e conteúdo. Depois, um programa em Haskell (HarmTrace) manipula esta análise para calcular os acordes. Este programa usa um modelo de harmonia em música ocidental para melhorar a identificação dos acordes. Usamos tecnologia open-source (GHC, PHP, SoX, sonic annotator, MongoDB), e também a promovemos, uma vez que o HarmTrace também é open-source, e publicámos vários artigos que descrevem o nosso serviço, como por exemplo:
W. Bas de Haas, José Pedro Magalhães, e Frans Wiering. Improving Audio Chord Transcription by Exploiting Harmonic and Metric Knowledge. Em Proceedings of the 13th International Society for Music Information Retrieval Conference (ISMIR'12), pp. 295–300, FEUP Edições, 2012.
José Pedro Magalhães e W. Bas de Haas. Functional Modelling of Musical Harmony: an Experience Report. Em Proceedings of the 16th ACM SIGPLAN International Conference on Functional Programming (ICFP'11), pp. 156–162, ACM, 2011.
XM – A equipa Chordify é constituída por mais quatro colegas... Bas de Haas, Dion ten Heggeler, Gijs Bekenkamp e Tijmen Ruizendaal. Como se conheceram e quais as funções de cada um de vocês?
J.P.M. – O "ponto comum" entre nós é o Bas, que conhecia cada um de nós individualmente. Como somos apenas 5, de momento todos fazemos de tudo um pouco. Mas, de forma geral, eu e o Bas estamos responsáveis pelo "backend", ou seja, o software invisível que, por trás das cenas, converte a música em acordes. O Tijmen é o responsável do "frontend", ou seja, a parte que o utilizador vê (o site). O Dion e o Gijs tratam do design e marketing.
XM – Como se sustenta ou rentabiliza um projeto deste género? Há apoios financeiros, logísticos?...
J.P.M. – Não temos qualquer apoio externo, nem financiamento de investidores. Investimos diretamente na empresa. De momento, temos algum lucro de publicidade (anúncios no plano de fundo) e venda de PDFs e MIDIs com os acordes (disponíveis por 50 cêntimos). Num futuro próximo, planeamos ter contas de utilizador "pro" com funcionalidade extra (tal como transposição de acordes) por uma quantia mensal, e uma app para Android/iOS.
XM – Coloca a hipótese de um dia vir para Portugal desenvolver outros projetos?
J.P.M. – De momento, não. Especialmente em termos de investigação académica, Portugal infelizmente não tem um ambiente internacionalmente competitivo. No entanto, também não sei até que ponto continuarei a via académica. Se o Chordify for um grande sucesso, se calhar posso dedicar-me exclusivamente a este e outros projetos online, podendo assim viver em qualquer parte do mundo...
XM – Muito obrigado por esta partilha e por nos ter dedicado uma parte do seu tempo. Para terminarmos gostaríamos de lhe perguntar se existem projetos novos para breve e se o Chordify vai sofrer atualizações periódicas...
J.P.M. – De momento não tenho nenhum projeto novo concreto planeado. Sinto que o Chordify ainda está no início, e ainda posso fazer muitas coisas para o melhorar. Como já referi, temos diversas funcionalidades novas planeadas, e estamos sempre atentos ao feedback dos nossos utilizadores, que usamos para priorizar a nossa atenção.
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