A flautista Ana Maria Ribeiro no XpressingMusic
Ana Maria Ribeiro é natural de Santa Maria da Feira e tem uma carreira brilhante enquanto flautista e docente. A nossa entrevistada recebeu já inúmeros prémios tais como o 1º prémio no Festival Regional de Jovens Músicos do Distrito de Aveiro, o 1º lugar no concurso "Prémio Jovens Músicos", o 2º Prémio Juventude Musical Portuguesa, estando ainda presente na semifinal do Concurso Internacional "Leonardo di Lorenzo" em Itália. Orientou master classes no V e VI Festival Internacional de Música de Santa Maria da Feira, na Academia de Música de Paços de Brandão, no Conservatório de Música de Coimbra, na Escola de Música do Loureiro, no Curso Internacional de Música de Verão do Inatel, no II Ciclo de Cursos Livres de Música no Campus Universitário do Instituto Piaget de Viseu, no Conservatório de Música de Águeda, na Escola Profissional de Música ARTAVE, em Valência-Espanha, e nos Encontros de Flautas Luso-Brasileiros no conservatório de Música do Porto.
Em primeiro lugar gostaríamos de agradecer à Ana Maria Ribeiro o facto de nos privilegiar com algum do seu precioso tempo respondendo às nossas questões. A flauta foi desde sempre a sua grande paixão?
Obrigada ao XpressingMusic por me considerar tanto, através da formulação deste convite.
Tenho a sorte de pertencer a uma família onde existem dois músicos que tiveram e ainda têm muita influência na minha vida profissional. O meu pai tocou fliscorne em bandas e era duma sensibilidade musical invulgar. Tocava com grande facilidade de memória e com grande talento. O meu irmão mais velho, influenciado pelo meu pai, tirou o curso de flauta transversal e teve também grande influência na minha vida profissional. Foi de facto o meu irmão António, que dava aulas particulares em nossa casa e que, integrando-me aos seis anos de idade numa turma me administrou as primeiras lições de formação musical. Lembro-me muito bem da exigência e do método extraordinário que imprimia. Cada aula culminava sempre com a execução de uma qualquer partitura. Desde o método Orff às canções e à participação em festivais a boa azáfama musical foi a minha vida desde pequenininha.
O meu irmão formou com esta turma que eu integrava, um grupo de música ligeira com o nome "IABACAD". Um dia tínhamos que participar num festival de canções inéditas e eu ia tocar flauta de bisel sopranino. Era uma partitura muito técnica, difícil e bonita que o meu irmão compôs, ainda hoje sei tocá-la, e eu, no momento de sairmos de casa, desatei a chorar e disse que não ia tocar. O meu irmão com a firmeza do costume ordenou que me calasse e que o seguisse. Lá participei e no final vencemos o festival. Foi a minha primeira vitória musical. A partir desse momento o palco fez parte da minha vida. Depois vencemos vários festivais da canção onde eu tocava flauta transversal, guitarra, cantava... Um dia o meu irmão inscreveu-me na Academia de Música de Santa Maria da Feira e queria inscrever-me no violoncelo, manifestei o meu desagrado começando a chorar dizendo que se não me inscrevesse na flauta não queria ir para a Academia. Nesse momento já não tinha dúvidas que o meu instrumento favorito era a flauta.
>Quando concluiu o curso de flauta com a classificação de 19 valores, na classe do Professor Maurício Dias Noites, qual foi o primeiro pensamento que se apoderou de si? Recorda-se? Pensou que Portugal seria um país pequeno para um talento como o seu?
Este é o um bom momento para agradecer ao meu professor Maurício Dias Noites por tudo o que fez por mim. Foi ele, em primeira instância, o responsável pela flautista que hoje sou.
Relativamente à segunda questão, nunca pensei que o nosso país fosse assim tão pequeno para mim, pelo contrário! Eu é que me achava pequena para o meu país musical. Em Portugal sempre tivemos músicos de excelência, mas reconheço que nessa altura havia algumas carências ao nível pedagógico. O nosso país musical deu um salto extraordinário.
Nessa altura, tive a sorte conhecer a Wendy. Depois de ter tido algumas aulas com ela sugeriu-me que fosse trabalhar com o flautista Aurèle Nicolet. Como este há pouco tempo tinha deixado de dar aulas na Musik Akademie der Stadt der Basel, encontrei o seu substituto Felix Renggli. Foi com este grande músico que solidifiquei o meu estatuto de flautista, ao mesmo tempo que adquiri uma estaleca e uma visão musical mais compacta e independente.
Hoje, a realidade é completamente diferente, temos excelentes músicos com quem se pode aprender muito neste país. Todavia, estudar fora do país proporciona sempre uma boa experiência e uma maior desenvoltura.
Os professores Olavo Barros, Wendy Quinlan e Eduardo Lucena incentivaram-na a ir lá para fora estudar com outros grandes nomes da música de então?
De certo modo sim. O facto de estes serem músicos que estudaram fora do nosso país e terem sido bons exemplos para mim, funcionaram como um bom farol. Mas a pessoa que me ajudou, sem dúvida, como disse na questão anterior, foi a Wendy Quinlan. Esta, não só me mostrou o outro lado da pedagogia como me incentivou e me ajudou a procurar uma grande escola e um professor de excelência. Neste novo caminho descobri novos horizontes no mundo da música, especificamente no mundo da flauta.
Frequentou Masterclasses com Jorge Caryevchi, Herbert Weisseberg, Patrick Gallois, Aurèle Nicolet e Peter Lukas Graf. É capaz de nos dizer a principal característica que absorveu de cada um deles? Ainda hoje sente que quando toca algo vêm à tona algumas dessas características?
Os Master classes que fiz e continuarei a fazer sempre que puder, são, sem dúvida alguma, aliás, serão sempre uma oportunidade onde a troca de experiências se torna muito importante, pois é um veículo necessário para a reciclagem individual.
Não posso especificar as principais características que absorvi de cada professor, mas há sempre questões, nomeadamente técnicas, como o som, articulação, legatos, afinações que foram matérias alvo das quais tirei as melhores inferências. Ao nível da interpretação das obras há sempre boas divergências através das quais formulo os meus conceitos.
Ter sido eleita para representar a classe de flauta no Festival Pontino di Música nos anos de 1995 e de 1997 foi para si uma grande honra... Concorda? Era já o reconhecimento de um grande talento?...
Claro que me senti muito feliz e honrada por ter sido uma das flautistas escolhida entre muitos instrumentistas para um número restrito de representantes. Nesse festival há master classes de bastantes instrumentos, eram selecionados alunos de algumas classes para realizar um concerto inserido no cartaz do festival e eu tive a honra de integrar esse festival, em Itália.
Prova desse justo reconhecimento foram também os prémios que já recebeu... Há algum, ou alguns, que recorde com um carinho especial?
Cada momento destes foi igualmente honroso e importante para mim. Assim, recordo-me de todos e cada um deles com um lugar importante na minha memória.
Sem dúvida, ganhar um prémio num concurso é uma prova de reconhecimento pelo nosso trabalho. É igualmente um bom objetivo para se trabalhar.
São também muitas as orquestras que já integrou. Há alguma que lhe tenha deixado marcas ou especial saudade?
Sim! Todas as Orquestras Jovens que integrei marcaram-me positivamente. Tenho saudades desses momentos em que passava o mês de Agosto todo em estágios. A Orquestra das Escolas de Música Particulares e a Orquestra Portuguesa da Juventude (OPJ) foram, sem dúvida, uma fonte de aprendizagem orquestral importante para a minha geração. Muitos dos músicos que passaram por estas orquestras, hoje, fazem parte das orquestras profissionais do nosso país.
A OPJ, que na altura foi a Orquestra Luso-alemã, marcou-me especialmente pela oportunidade de tocar a solo em digressão na Alemanha. Toquei em salas repletas de um público fantástico. Jamais esquecerei estes concertos!
A orquestra Portuguesa das Escolas de Música Particulares também foi marcante para mim. Toquei repertórios bastante difíceis e interessantes e também tive o privilégio de tocar a solo com esta Orquestra.
... E enquanto solista? Pode partilhar com os nossos seguidores alguns dos momentos mais marcantes da sua vida enquanto intérprete a solo?
Todas as referências aos momentos em que toquei a solo com Orquestras, e foram vários, marcaram-me muito: Os concertos que tive com a minha Orquestra, sob a direção do professor António Saiote e Alain Paris e os vários concertos a solo com o meu amigo e maestro Osvaldo Ferreira foram igualmente magníficos na minha carreira como flautista.
Em Junho de 2000 concluiu o Konzertkassendiplom na Musik-Akademie Der Stadt Basel na Suíça, com a mais alta classificação, com o professor Félix Renggli. Pode explicar aos nossos leitores em que é que consiste este diploma?
Este diploma, para além da leve carga horária destinada à pedagogia, converge fundamentalmente para a representação solística.
Para além de tocar também leciona... É fácil conciliar estas duas facetas de uma mesma pessoa? Ensinar torna-se uma necessidade num país onde não há uma forte cultura de incentivo às orquestras e onde escasseiam oportunidades para tocar?
A minha paixão pela música é muito grande. Adoro também ensinar. Tenho excelentes alunos e este facto não permite que desista de ensinar.
Como diz o ditado "Quem anda por amor não cansa", acho que isso está um pouco presente na minha forma de viver. Obviamente que para fazer as duas coisas tenho que abdicar de muitas outras e claro que por vezes não é fácil, mas não é impossível.
Para mim cada aluno é uma história desafiante que me faz vibrar. Dou tudo o que sei e não descanso enquanto não consigo "pô-lo a voar". Quero que o meu aluno sonhe alto. Só assim será capaz de vir a transmitir os melhores sentimentos através da música e fazê-los chegar ao seu público. Nem sempre este ideal é alcançável. Porem, não sossego enquanto não atinjo este objetivo perante o meu aluno. Só assim realizei a minha missão. Fascina-me o facto de saber o quão é importante um professor na vida de um aluno e isto faz-me dar tudo de mim não só como professora mas como amiga. Dentro da sala de aulas há uma exigência extrema mas fora da sala há uma cumplicidade, uma amizade muito grande, "são os meus outros filhotes".
Quando um aluno meu termina o seu percurso pedagógico comigo, fico realizada e ao mesmo tempo muito preocupada com o seguimento e o percurso do aluno, pois as oportunidades de trabalho são cada vez mais escassas e, neste país, o investimento na cultura é menor, como todos nós sabemos. Continuo a acreditar que os bons ainda vão tendo oportunidades e, mais cedo ou mais tarde, a vida profissional sorrir-lhes-á no seu percurso.
Aqueles jovens que não consigam atingir o nível que algum dia sonharam não devem desalentar-se. Convençam-se..., a sua formação integral é bem melhor relativamente aos jovens que infelizmente não puderam ou não quiseram estudar música.
É necessário ensinar música aos jovens. Está provado cientificamente que os estudantes de música desenvolvem várias valências e esse facto per si justifica todo o investimento que é feito nesta área.
A Ana Maria Ribeiro já se apresentou a solo com a Orquestra Nacional do Porto, em duo com Felix Renggli com a Orquestra Filarmonia das Beiras e, mais recentemente, estreou no "Palau de la Musica" em Valência, o Concerto para flauta, marimba e sopros do compositor Teodoro Aparicio Barberan, com a Banda Municipal de Valência. Este último concerto teve um "gostinho especial"... Concorda?
Foi mais um momento inesquecível e duma importância enorme para mim. É claro que jamais deixarei de agradecer ao meu grande amigo e grande compositor Teodoro Aparício Barberan o facto de ter tido a amabilidade de dedicar-me o concerto e ter-me proporcionado a estreia no "Palau da Musica" em Valencia com a prestigiada Banda Municipal de Valência.
Tocar a solo com o Felix Renggli, o meu grande mestre da flauta a quem tenho tanto a agradecer pelos ensinamentos que me deu, foi outro momento inesquecível. Enfim!...
Ao ganhar a dimensão que ganhou, também foram crescendo as responsabilidades... Considera uma grande responsabilidade ser convidada com regularidade para integrar júris de concursos nacionais e internacionais?
Claro. É sempre de grande responsabilidade integrar um Júri e por vezes extremamente difícil decidir.
A Banda Sinfónica do Conservatório de Música de Aveiro nasce no ano 2003 por sua iniciativa tendo realizado até à data imensos concertos e gravando um CD. Qual o seu papel neste projeto?
Neste momento já não sou a responsável pelo projeto. De qualquer forma, manterei grandes recordações dos jovens músicos, da parceria que tive com o meu colega Nelson e do projeto em si. Esta liderança bicéfala que mantive ao longo dos anos com o meu colega proporcionou-me ensinamentos muito valiosos no meu crescimento a todos os níveis. Gostei muito de partilhar a constante construção do projeto com o Nelson.
Aprendi muito ao nível da direção musical. Neste campo as coisas tendem a abarcar outros elementos diferentes. A relação intersocial tem que ser bem trabalhada e o Maestro tem que estar muito atento a este aspeto muito antes do aspeto musical. Aqui, também temos que ser líderes fortes e dar resposta a inúmeras questões que, por vezes, surgem espontaneamente e do nada.
Fiz projetos muito interessantes com coros, com solistas fantásticos. Há repertório e compositores a escrever para banda de tão grande qualidade que vale muito a pena serem divulgados, esse foi um dos principais motivos do nascimento deste projeto. Tenho saudades...
Se sentimos orgulho com o reconhecimento de que somos alvo, não menos gratificante deve ser ver aqueles que passaram pelas suas mãos enquanto alunos receberem também os seus próprios prémios. São já muitos, os seus alunos que têm recebido prémios e distinções?
A maior parte dos meus alunos são um grande orgulho para mim. Fico sempre muito ansiosa quando eles participam em concursos ou fazem provas para orquestras. Sofro sempre muito. Da mesma forma, fico muito, muito feliz quando têm êxitos musicais e pessoais.
Sim, felizmente já tenho bastantes premiados em concursos. Este facto faz-me sentir que vale muito a pena trabalhar com eles muitas horas para além da componente letiva. Merecem todo o meu empenho, que, diga-se em abono da verdade é recíproco.
Sabemos que já lecionou na Escola Profissional de Música de Espinho, na Academia de Música de Santa Maria da Feira e no Instituto Piaget de Viseu. Onde leciona neste momento?
Neste momento leciono no Conservatório de Música de Aveiro Calouste Gulbenkian.
A entrevista está a chegar ao fim e renovamos os nossos agradecimentos por ter aceitado passar este bocadinho connosco e com aqueles que nos seguem... Enquanto performer, é, neste momento da sua vida, solista da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música... Há mais alguns projetos para um futuro próximo que possa partilhar?
Neste momento estou a reorganizar a minha vida profissional. Estou a pensar em reduzir o meu horário no Conservatório, pois tenho dois filhos pequenos e quero passar mais tempo com eles. Por outro lado, estou a pensar em gravar o meu primeiro CD a solo a médio prazo.
Terei um concerto na Convenção 2014 de Sevilha, um recital e master classe no funchal e um master classe na Escola Profissional de Música, em Seia.
Mais uma vez quero agradecer a consideração que tiveram por mim ao formularem-me este importante convite.
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