O saxofonista Fernando Ramos à conversa com o XpressingMusic
Nasceu no Canadá e começou a estudar música aos 6 anos de idade. Hoje é já um dos nomes incontornáveis do saxofone em Portugal e não só. Alia ao empenho performativo, um indisfarçável gosto pela investigação. Participou em masterclasses com nomes tão prestigiados como Nobuya Sugawa, Eugene Rousseau, Claude Delangle, Arno Bornkamp, Kyle Horch, Mario Marzi, Jean -Yves Formeau, Trouvère Quartet & Marcus Weiss. Leciona em várias escolas e, mesmo com uma agenda muito preenchida acedeu ao convite do XpressingMusic para a entrevista que aqui apresentamos. Fiquem com Fernando Ramos.
Fernando, muito obrigado por ter aceitado este convite do XpressingMusic. Com que idade começou a tocar saxofone? Foi sempre este o seu instrumento favorito?
Antes de mais obrigado eu pelo convite!
Comecei a tocar saxofone com 14 anos quando fui para a escola secundária. A verdade é que comecei a tocar acordeão aos 6 anos. Os meus pais chegaram a fazer quatrocentos quilómetros para que eu tivesse aulas duas vezes por mês uns anos mais tarde. No 9º ano queria tocar na bigband da escola onde estudava e sabia que queria tocar saxofone, mas infelizmente não havia nenhum lugar disponível. Estive a tocar trompete durante três meses, até que um colega desistiu de saxofone e consegui mudar. Quando penso nisso tantos anos depois, tenho a impressão que a desistência do saxofonista pode ter tido alguma coisa a ver com o castigo de ouvir “o tal” trompetista por perto!! (risos) Mas adiante... a verdade é que gosto mesmo muito do instrumento e não me vejo hoje a tocar outro. Quando imigrei para Portugal, não havia acordeão no conservatório por isso continuei a estudar saxofone. Até hoje.
Fernando Valente marcou-o muito enquanto músico?
À medida que o tempo passa, enquanto professor de instrumento e música de câmara tenho a consciência plena que a relação professor/aluno é bastante mais do que apenas passar informação em relação ao instrumento. Posso dizer que o Fernando Valente foi quem me motivou para seguir os meus estudos na Holanda, e me formou não só como músico mas sobretudo como pessoa. Desde muito cedo pude contar com o apoio dele e, apesar de ter um carácter forte, fez com que crescêssemos enquanto pessoas. Ninguém me podia ter dado o que ele me deu. Ele abriu precedentes para que tudo o que conhecemos hoje e para que a realidade que vivemos se tivesse concretizado.
Ao ir para Amesterdão, em 1997, o que procurava? Henk van Twillert?
Nessa altura não havia um curso superior de saxofone em Portugal. O Fernando Valente foi pioneiro em criar o primeiro festival de saxofones anual, ao qual trazia o Quarteto de Saxofones de Amesterdão a Aveiro. Vinham músicos de todo o país trabalhar com eles. Esses tempos foram realmente fantásticos para nós. Consequentemente comecei a trabalhar com o Henk durante esses anos cá. O meu colega João Figueiredo também já estava em Amesterdão a estudar por isso pareceu-me uma opção lógica continuar os estudos com o Henk.
Nobuya Sugawa, Eugene Rousseau, Claude Delangle, Arno Bornkamp, Kyle Horch, Mario Marzi, Jean -Yves Formeau, Trouvère Quartet & Marcus Weiss foram nomes que o influenciaram muito?
Posso dizer que tive a sorte de ter contacto com muitos dos grandes mestres do saxofone a nível mundial. Para além da informação transmitida por eles, pude beber da sua vasta experiência em palco e no trabalho de ensemble. Eles realmente inspiraram-me e volto aos seus sábios conselhos com muita, muita frequência. O contacto com grandes músicos que todos conhecem permite-nos crescer de tantas maneiras que só a sua presença pontual é suficiente para motivação durante meses a fio. Tive a sorte de poder trabalhar com músicos com gostos tão diversos que aprendi a ver e ouvir a música com uma mente mais aberta, atenta e consciente.
E Bobby McFerrin, Chris Potter, Hermeto Pascoal, Ari Hoenig, Anner Bylsma e Kenny Werner? O que significam estas personalidades da música para o Fernando Ramos?
Por outro lado (e fora do circuito do saxofone clássico) pude ter contacto através de workshops e clinicas com músicos especiais de várias áreas que ajudaram a abrir a mente para o lado mais “prático” da música. Todos eles tinham o público em mente, e desmistificaram a noção de que o talento é suficiente para ter sucesso. Nós, músicos eruditos, rapidamente perdemos a perspetiva da finalidade daquilo que fazemos. Qual será a verdadeira razão porque estamos horas a fio numa sala sozinhos a estudar obras cada vez mais intrínsecas...?
Qual o reportório que mais prazer lhe dá enquanto performer?
É difícil escolher um nome num estilo específico. Gosto de tanta música e de áreas tão distintas como jazz, contemporâneo, repertório tradicional, minimalismo etc. que revendo alguns projetos do passado, a verdade é que consigo “atirar-me” para grupos muito diferentes com repertórios muito contrastantes. Com o QuadQuartet tentamos fugir ao repertório convencional, inclusivamente através da criação de projetos novos e convidando até amigos “jazzistas” a escreverem e a tocarem connosco. Com o STP-trio fazemos música que faz uma ponte entre o jazz e o clássico. No KinetixTRIO, a última obra foi do Dimitris Andrikopoulos, um conhecido compositor contemporâneo Grego. A solo procurei sempre tocar obras de que gostasse e que tanto podem ser do repertório tradicional como do contemporâneo. Ao trabalhar com compositores, tento explorar a sua singularidade. Estou sempre a tentar encontrar obras que apresentem novos desafios para mim, não só em relação ao instrumento mas pelo lado da expressão musical. Ainda ontem comecei um novo projeto em trio onde toda a música é improvisada e com eletrónica, algo relativamente novo para mim.
Como concilia o “Fernando performer” com o “Fernando professor”? São personagens distintas ou ambos se complementam?
A verdade é que me considero um professor um pouco atípico nesse aspeto porque tento fazer com que os alunos tenham a perspetiva da performance sempre em mente. Toda a minha abordagem ao ensino parte não no sentido específico das obras ou estudo trabalhados com o aluno mas sempre na tentativa de formar o aluno como um todo. Posso dizer que aprendi muito ao longo dos anos com os alunos. Ao acompanhá-los e lidar com algumas das suas dificuldades, cresci enquanto performer no sentido que me observava mais conscientemente de fora e punha-me à prova... Cresci muito com os dois mundos, mas não os desassocio.
Onde se encontra a lecionar neste momento?
Neste momento sou professor na ESMAE, Universidade de Aveiro e na Escola Profissional de Espinho.
Pode partilhar com os nossos leitores e seguidores alguns dos projetos em que já participou e que mais o marcaram?
Tenho tido o prazer e a sorte de tocar com pessoas únicas e grupos singulares. No ano passado tive a oportunidade de tocar com o Remix Ensemble – C. Da Música na Philharmonie em Berlim. Aí pude conhecer os compositores Wolgang Rihm e o falecido Emmanuel Nunes. Recentemente fiz parte do projeto da Casa da Música para o Dia Mundial da Música onde reunimos 100 flautas e 100 saxofones. Foi uma experiência nova e gratificante para mim.
Há algum momento específico da sua carreira que guarde como “um dia inesquecível” ou como “um período inesquecível”?
Será difícil escolher entre tantos momentos que me marcaram... adorei poder estar com o Bobby McFerrin em Amesterdão. Pude conhecer o JacobTV durante quatro dias em novembro do ano passado, ele é um artista único. Lembro-me também que receber o convite para tocar com o meu quarteto no congresso Britânico de Saxofones em 2012 foi um momento particularmente entusiasmante. No ano seguinte, o quarteto teve oportunidade de estar presente no congresso mundial - na Escócia - que foi inesquecível.
Que projetos integra atualmente enquanto instrumentista?
Atualmente tenho alguns projetos interessantes. Como disse anteriormente, comecei um novo trio de música eletrónica totalmente improvisada que vai ser estreada no “Douro Film Festival” em novembro próximo. O projeto KinetixTRIO com Jeffery Davis e Sérgio Carolino está em desenvolvimento, com novas obras a serem escritas neste momento. Estou a receber obras escritas para gravar no meu primeiro trabalho a solo (previsto para meados do próximo ano). Estou a preparar um programa com o FLUX|Ensemble a estrear no Festival de Saxofones de Palmela em julho 2014. O QuadQuartet também está já a preparar o próximo projeto na Casa da Música, para fevereiro 2014.
Há alguma razão específica para ter escolhido a Universidade de Aveiro para realizar o seu Doutoramento?
Como trabalho na Universidade pareceu-me uma opção lógica. Tenho o espaço necessário para desenvolver o meu projeto.
Agradecemos muito, mais uma vez, este tempo que nos dedicou. Tem projetos para o futuro que possa partilhar connosco? Tem algum, ou alguns conselhos que possa deixar aos jovens que agora iniciam a sua aprendizagem e que sonhem com uma carreira musical?
Obrigado mais uma vez pelo convite.
Nos próximos meses vou poder estar nalguns conservatórios na Holanda, Espanha e na Madeira a dar master classes pelas quais anseio. A gravação do disco a solo é empolgante e trabalhar com compositores especiais está a ser estimulante.
Os únicos conselhos que posso dar são para que cada um siga os seus sonhos e procure fazer aquilo que realmente gosta de fazer. Se não for assim nunca pode haver uma entrega total nem a dedicação necessária para crescer enquanto músico. Ouçam muita música mesmo e não tenham medo de criar algo diferente ... porque não?
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