A Soprano Rita Moldão numa entrevista onde nos fala do seu percurso e dos seus projetos.
Rita Moldão é formada pelo Conservatório Superior de Música de Gaia onde frequentou a classe de Fernanda Correia. Posteriormente foi para Madrid para aprofundar os seus estudos. A nossa convidada tem-se apresentado em inúmeros concertos acompanhada ao piano, com orquestra, em óperas e em concertos de música sacra. Desta entrevista, para além de ficarmos a conhecer melhor o seu percurso, ficará também o exemplo da persistência e da determinação de Rita para aqueles que sonham seguir um dia uma carreira musical.
XpressingMusic (XM) – Olá Rita. Muito obrigado por ter aceitado o nosso desafio para esta entrevista. Começamos por uma questão que já muitas vezes lhe deve ter sido colocada... Porquê ir para Espanha para aprofundar a sua formação na área do Canto? Procurava nomes como Elisabete Matos e Francesco Pio Galasso? Não atingiria os mesmos objetivos em Portugal?
Rita Moldão (R.M.) – Antes de mais, muito obrigada pelo vosso convite. Essa questão que coloca foi realmente já bastantes vezes objeto de discussão. Apesar de ter sido uma decisão difícil, sempre quis um dia sair de Portugal e conhecer novas realidades. No último ano da licenciatura fiz uma masterclass com a soprano portuguesa Elisabete Matos. Foi ela quem me incentivou a vir para Madrid, mas já existia em mim a vontade de sair e de prosseguir os estudos, pois sabia que o percurso não acabava ali. Vim para Madrid para continuar a ter aulas com a Elisabete Matos, com quem muito aprendi. Atualmente estudo com o tenor Francesco Pio Galasso. É muito importante continuar a aprendizagem e ter um "ouvido externo" que nos chame a atenção para possíveis falhas. Não podemos dizer: agora sou licenciada e já não tenho de estudar porque já sei tudo. Antes pelo contrário. Nunca se sabe tudo, muito menos nesta área de grande competição e em que estão sempre a aparecer bons cantores de todas as partes do mundo. Será que atingiria o mesmo nível ficando em Portugal? Talvez sim, talvez não, não sei. Mas uma coisa é certa: o mercado não é o mesmo e não consegue absorver todos os músicos que saem das escolas. Repare, há apenas um teatro de ópera com uma programação constante; pouquíssimas produções de ópera fora do S. Carlos; há bastantes auditórios municipais, mas nem todos apostam na música clássica de forma regular e contam-se pelo número dos dedos as orquestras portuguesas profissionais. É um país com um orçamento exíguo para a cultura. Por exemplo, Espanha, em cada cidade há várias orquestras profissionais, pelo menos um teatro de ópera e também inúmeros concertos semanais, oferece ao artista (e não só) uma visão mais abrangente e completa do mundo musical. Foi em Madrid que ouvi nomes como Edita Gruberova, Ewa Podles ou Diana Damrau. E é possível assistir todas as semanas a uma programação rica e variadíssima. Claro que gostaria de estar no meu país, mas por agora ainda não é possível. A minha vida foi-se organizando por aqui e por enquanto não é minha intenção sair.
XM – Concorda com a afirmação de que "um músico está continuamente em formação"?
R.M. – Absolutamente! Como expliquei na pergunta anterior, é importantíssimo continuar a estudar e a investigar. A voz também vai sofrendo alterações à medida que o corpo se altera, e é preciso saber acompanhar essas alterações com uma boa técnica, que se vai construindo. Os cantores são como atletas, porque também nós trabalhamos com o corpo. É preciso estar sempre em boa forma vocal e isso consegue-se com muito estudo e determinação. Depois também há outra questão: a voz vai evoluindo e é preciso estudar novos papéis que se adaptem a essa nova voz. O que se canta com 30 anos não é o mesmo que se canta quando se tem 50. Penso que só se deixa de estudar quando se decide deixar de cantar.
XM – Nomes como os de Raina Kabaiwanska, Enza Ferrari, Charles Spencer, Hilde Zadek, Fernanda Correia e Elisabete Matos são uma referência e uma influência para a Rita? Sente que as suas interpretações vertem um pouco de cada um destes nomes?
R.M. – Claro que sim. Cada professor deixa sempre uma semente no aluno que mais cedo ou mais tarde dará os seus frutos. Aprendi imenso com cada um deles, apesar de serem todos diferentes entre si. Cada um deles ensina a sua visão da técnica e/ou interpretação e cabe ao aluno aproveitar de cada um o que mais lhe interessa. Mas estes professores por quem passei são todos eles músicos a nível mundial, pessoas com imenso para ensinar, não só a nível técnico.
XM – Estreou-se em 2003 como "Susana" em "Le nozze di Figaro" de Mozart no Festival de Música de Gaia com a Orquestra das Beiras. Certamente será um dia que nunca esquecerá... O que mais a marcou neste dia ou nesta fase da sua vida?
R.M. – Foi a minha primeira ópera. Foi o culminar do trabalho de todo o ano letivo. Eu entrei para o Conservatório Superior muito nova e cheia de medos. Nunca tinha estudado canto com o objetivo de ser cantora profissional e, de repente, houve a oportunidade de entrar para a licenciatura de Canto Teatral e nem hesitei. Abandonei o curso de Sociologia e entreguei-me de corpo e alma à música. Mas quando entrei no Conservatório Superior não sabia o que esperar de um curso artístico. Tinha medo de ser a pior de todos os meus colegas! Mas acabei por ser escolhida para interpretar a Susana e todos esses meus medos desapareceram. Trabalhei imenso durante esse ano, porque para além de ser a minha primeira ópera, era com uma orquestra profissional, a Orquestra das Beiras. E eu não queria desapontar a Professora Fernanda Correia que tanto tinha apostado e confiado em mim.
XM – Um ano depois, interpretava "L'enfant et les sortilégios" de Ravel... Perspetivava-se já uma carreira?
R.M. – Nessa ópera interpretei 3 papéis: o Fogo, a Princesa e o Rouxinol. Todos eles bastante difíceis e, para mim, bastante mais difíceis do que a Susana das Bodas de Fígaro. Acho que enquanto nos estamos a formar, não se pode falar em "perspetivar" uma carreira, pois muita coisa pode acontecer. Mas se o aluno tiver muita determinação e força de vontade, terá, com certeza, maior facilidade em atingir os seus objetivos. No meu caso, sempre tive muita autodisciplina e força interior, que são características importantes para se conseguir atingir um sonho (seja na área da música ou noutra qualquer).
XM – Em 2007 participa num evento transmitido em direto na televisão portuguesa, no canal TVI. O que guarda desta experiência?
R.M. – Foi muito especial para mim, porque era a primeira vez que era dirigida por um grande amigo meu: o pianista e maestro Jairo Grossi. Ele propôs-me fazer um concerto na Igreja da Trindade, ainda sem saber que haveria a oportunidade de mais tarde repetir para a televisão. Claro que eu aceitei a proposta, e fiquei ainda mais contente ao saber, mais tarde, que iríamos repetir a Missa de Sta. Cecília inserida numa missa transmitida pela TVI. Tanto o concerto como a transmissão em direto correram muitíssimo bem. O coro tinha bastante qualidade assim como a orquestra, que por acaso, também foi a Orquestra das Beiras, como na ópera As Bodas de Fígaro.
XM – Ter sido escolhida para estrear a Cantata de Natal, obra para orquestra, coro e solista, do compositor e organista Rui Soares constituiu para si uma honra... Concorda? Podemos falar já de um justo reconhecimento do seu valor nesta altura?
R.M. – Foi uma grande honra, sim. Foi a primeira vez que estreei uma obra. Já tinha trabalhado com o Rui Soares, e além de meu amigo é um excelente profissional. Ter-me escolhido motivou-me imenso, porque criar algo novo é o melhor que nos pode acontecer! Como afirma, foi um reconhecimento do meu valor na altura, uma espécie de "prémio"!
XM – Participou em concertos dirigidos por reconhecidos maestros tais como Mário Mateus, Jairo Grossi, Nayden Todorov, Lawrence Golan, Berislav Skenderovic, Ovidio Marinescu. Adapta-se com facilidade às formas de dirigir dos diferentes maestros com quem vai trabalhando?
R.M. – Isso é uma característica importantíssima! Todos nós temos a nossa interpretação de uma determinada obra, mas é importante sentarmo-nos e conversarmos sobre isso com os outros participantes, neste caso o maestro. Como em todas as áreas, cada pessoa é um mundo: tem as suas próprias vivências e experiências que o levam a interpretar de uma determinada maneira. Partilhar essa interpretação e chegar a uma conclusão em conjunto é de uma riqueza incalculável: quem sai a ganhar é a própria obra e o público.
XM – Pode revelar aos nossos leitores quais os seus projetos para o futuro mais próximo?
R.M. – Neste momento estou concentrada num projeto que tenho em Madrid, com o guitarrista australiano Rene Mora. É um projeto que tem pouco tempo, mas que já está a ser dinamizado por uma empresa da área. Em Junho e Julho gravámos 4 temas e fizemos os videoclips. Agora é tempo de retomar os ensaios e preparar os novos desafios que se avizinham! A equipa que nos tem acompanhado é fantástica e bastante dinâmica, por isso muito em breve teremos os primeiros concertos. Tenho, ao mesmo tempo, um outro projeto com cravo, com o cravista José Ignacio Gavilanes, que penso que dará os seus primeiros frutos já no próximo ano.
XM – Da vasta lista de obras que interpretou e que compõem o seu repertório, há alguma que a fascine de uma forma especial? E relativamente aos compositores, há algum que admire de maneira mais intensa?
R.M. – Estudo música desde os 7 anos mas foi aos 16 que me apaixonei verdadeiramente pela ópera. É uma arte tão completa e ao mesmo tempo tão complexa, que nos faz estar em constante evolução como artistas. Mas há cerca de três anos, apareceu uma nova paixão que até aí não existia: a canção. Aprendi a cantar de uma forma mais intimista e a transmitir os sentimentos se uma forma mais contida. Não lhe sei falar apenas de um compositor que admiro, pois tenho uma lista vasta! Relativamente à ópera, gosto dos compositores que "matam" as suas personagens e que as fazem sofrer, que escrevem de uma forma intensa e dramática. Na canção, aprecio bastante os compositores alemães, como Brahms ou Schumann. Nunca me esqueço da canção portuguesa que ocupa um espaço bastante grande na minha vida. É sempre emocionante cantar na nossa própria língua com poemas que nos são próximos. Admiro compositores como Cláudio Carneyro, Vianna da Motta e Francisco de Lacerda, assim como Jorge Salgueiro, Fernando Lapa e Rui Soares da Costa, entre muitos outros! Portugal tem excelentes compositores e é preciso que sejam incluídos cada vez mais nas programações.
XM – Para concluirmos esta entrevista gostaríamos, para além de agradecer mais uma vez a sua prontidão e amabilidade, de lhe pedir que fizesse um balanço de todo o seu percurso até aqui. Tem valido certamente a pena o seu esforço e empenho, a ida para Espanha, etc... Concorda? O que diria a "um irmão mais novo" que lhe pedisse conselhos relativamente ao que fazer para abraçar uma carreira artística?
R.M. – Bom, a minha vinda para Madrid não foi fácil. Foi uma decisão difícil, pois deixei muitas pessoas de quem gostava em Portugal. Mas sempre fui muito apoiada pelos meus pais e pelo meu namorado, o Ricardo. Se assim não tivesse sido, teria sido ainda mais difícil a adaptação. A minha mãe costuma dizer, meio a sério, meio a brincar, que não quer que eu regresse a Portugal. Começam agora a ver-se os frutos do meu trabalho e regressar seria voltar as costas a tudo isto e começar do zero novamente. É preciso muito estudo e dedicação, muitas horas de ensaio. Mas ser cantor não é só saber cantar. É, ao mesmo tempo, saber história da música, formação musical e conhecer várias línguas bem como manter um hábito de assistência regular a todo o tipo de manifestações artísticas. Estudar inicialmente num conservatório e depois seguir um curso superior em canto é fundamental para a formação do cantor. Tudo isto lhe vai dar a disciplina mental necessária para, após concluir a licenciatura, desenvolver a sua carreira num ambiente de estudo permanente. Sair de Portugal é quase uma inevitabilidade; abrir horizontes, conhecer outros professores e músicos, assistir a concertos sempre que for possível... e estudar! Acho que estudar e ter uma grande disciplina é a chave para conseguir um lugar ao sol.
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