Cristina Bacelar em entrevista fala-nos de projetos como os Frei Fado D’el Rei, As 3 Marias e muito mais...
Natural do Porto, dedicou-se sempre à música, quer como docente, quer como performer. Já fez diversas digressões pela Europa e na América, tendo já participado no maior festival de músicas do mundo "Menphis in May" nos Estados Unidos. Nesta entrevista, Cristina Bacelar irá ajudar-nos a compreender como é possível aliar o mundo do espetáculo à parte pedagógica da música.
XpressingMusic (XM) – Cristina, muito obrigado por ter aceitado partilhar um pouco do seu precioso tempo com o XpressingMusic e com os seus habituais leitores. Faz parte do projeto Frei Fado D'el Rei desde a génese do grupo. Como carateriza este projeto? Têm realizado muitos espetáculos?
Cristina Bacelar (C.B.) – Atualmente não faço parte dos Frei Fado. Estive ligada ao projecto 20 anos e desde a génese do grupo. Saí há sensivelmente um ano. O projeto continua e participei no último disco deles, já como convidada. Frei Fado faz parte da história da minha vida, do meu percurso como instrumentista e também como compositora. Foi uma escola para mim, um leque de variantes pessoais e profissionais. Vivências, partilhas, escolhas, uma aprendizagem com tudo de bom e de menos bom implícito. Fiz amigos, fiz música, vivi e reconheço que muito daquilo que hoje sou como música, a este projecto devo. Viajei, conheci outras culturas, aprendi e, sobretudo, ajudou-me a escolher o que hoje quero para mim como música, através da diversidade e oportunidades.
Frei fado era um projeto de fusão e isso encantou-me e daí ter ficado tantos anos.
XM – Como surgiu o convite para atuar no festival Ollin Kan? Foi uma surpresa para vocês? Trouxe-vos reconhecimento internacional?
C.B. – O festival Ollin Kan é um festival de "culturas em resistência". Perfeitamente atual na estrutura e fragilidade em que vivemos; no momento em que atravessamos. O Ollin Kan prolifera cada vez mais por diversos países, onde músicos com diversas experiências partilham entre si as suas culturas. São os resistentes mas em maioria não em minoria. O convite surge tanto para Frei fado como para as 3 Marias por parte do organizador e diretor do Festival, Carlos Bartilotti. Obviamente que trouxe reconhecimento internacional e mais uma vez oportunidade de conhecer outros países, outras culturas que resistem com maior ou menor força mas o mais importante é que estão lá.
XM – Madredeus, Carlos Paredes, Vitorino, Uxia, entre outros músicos e projetos, fazem parte do seu portfólio de vivências musicais em palco. Quando surgem estas oportunidades, aproveita para "beber" um pouco das culturas de cada um destes projetos? Sente que estas experiências a fazem crescer no que concerne à pluralidade de opções e ideias no campo da composição musical?
C.B. – Penso que o cruzamento ou encontro com estes e outros músicos ao longo destes anos, trouxeram-me sobretudo a essência da partilha e tirar daí a experiência que qualquer músico conhecido/reconhecido tem inerente ao seu talento. A música é o espelho daquilo que nós somos na vida e no caso do Carlos Paredes, percebi que a sua genialidade vinha da sua grandiosa humildade.
Aprendi, sobretudo a ouvir muita e diversa música ao longo dos anos. Sou uma apaixonada pelo flamenco. Sou uma "romântica flamenquista" e sou uma defensora dos projectos de fusão. Fazem sentido para mim. Quanto maior for a mescla mais criativa me sinto no que diz respeito à parte da composição. Gosto de conceitos e sobretudo gosto de lhes mexer e ver o resultado final. Raramente me dececiono.
XM – O prémio José Afonso, no ano 2009, foi certamente um marco na sua carreira. Concorda?
C.B. – Foi, obviamente que sim. Há poucos prémios para a música em Portugal e fundamentalmente com este nível de reconhecimento. E sem pretensiosismo, acho que os frei fado o mereceram. Foi uma forma de reconhecimento do nosso longo trabalho.
XM – Ao ser convidada, em 1996, para fazer parte do júri do festival R.T.P da Canção, sentiu que já era reconhecida pelos seus pares como alguém com credibilidade no meio musical português?
C.B. – O convite surgiu por parte de alguém ligado à RTP. Encarei como uma experiência. Nada mais do que isso. Se me convidaram é porque haveria alguma credibilidade por parte de quem me convidou. Foi numa altura em que os "frei fado" faziam muitos programas de televisão: naquela altura, havia espaço para a música portuguesa e um lado bastante eclético do ponto de vista musical...
XM – "Descartabilidade", para além de se constituir como um tributo a Florbela Espanca, traz a responsabilidade de ser o seu primeiro trabalho a solo. Fale-nos um pouco deste passo que decidiu dar em 2007.
C.B. – Esta Descartabilidade foi um capricho meu! Um bonito capricho. Numa determinada altura da minha vida, reencontro-me com a poesia da Florbela Espanca e decido fazer um disco de canções, só com poemas dela. A poesia dela é muito musical, é frágil sem ser fácil. E fiz, cumpri o meu capricho. Nem pensei nele como uma responsabilidade. Se tivesse pensado com toda a certeza não o teria feito. Apeteceu-me fazer um disco com canções., despido...só com voz, guitarra e piano. Já tinha absorvido muitas influências musicais, desde o clássico ao fado, ao rock, à bossa nova e claro, ao flamenco. Este disco foi um preâmbulo para, na minha cabeça, formatar as 3 Marias. Estava a começar a descobrir o tango...
XM – Como surgiu a ideia de formar o grupo, "As 3 Marias"? Estavam à espera da ótima aceitação que o projeto teve junto das rádios?
C.B. – Foi a seguir ao disco da Florbela. Andava a pensar no Tango e apetecia-me mesclar o Flamenco, a bossa e o tango. O fado também mas como conceito, não como fadista pois não o sou. Sou portuguesa e sinto. É um bom princípio, creio. Aliás acabo por não ser nada em concreto. Não sou guitarrista de flamenco, abordo-o à minha maneira, também não toco fado da forma convencional. Toco bossa nova como a oiço. Estou sempre a aprender, sou humilde na aprendizagem e discreta quando toco. Tento não desvirtuar mas modifico. Gosto de recriar com originalidade ou pelo menos esforço-me.
O primeiro disco das 3 Marias "Quase a primeira vez", foi muito bem aceite pela critica especializada e pela comunicação social. Fomos disco Antena 1 e estivemos nas playlists da referida antena 1 e na TSF. Trabalhámos para isso e julgo que foi merecido o reconhecimento do grupo.
XM – 2013 é ano de novo disco para "As 3 Marias". O que podemos esperar deste álbum?
C.B. – Muita novidade. Muita incoerência e muita coerência musical. Mas em Outubro o disco estará cá fora e poderei falar sobre ele. O nosso som é ibérico e latino também. AS 3 Marias encontraram o seu percurso com esta nova formação. As duas Marias, Fátima Santos no acordeão e Lanina Kmelick no violino são umas instrumentistas brutais. E sem pretensiosismo, acresço que o nosso disco está muito bonito e também muito divertido. A produção foi do Grande Quico Serrano e nossa também. E teve um convidado...
XM – Considera-se uma pessoa organizada? Perguntamos isto pois para além de fazer bandas sonoras para cinema e teatro e de interpretar temas para produção televisiva, ainda exerce a atividade de professora de Educação Musical no Colégio de Gaia e dá aulas de guitarra, no Conservatório de Famalicão ...
C.B. – Nada, antes pelo contrário. Mas sou cumpridora das minhas obrigações que adoro fazer. Tudo está no seu lugar. Dorme-se menos e vive-se mais. E oriento-me.
XM – A Universidade do Minho passou-lhe um diploma que lhe permite dar formação na área da matemática com música. Qual a razão deste diploma? Que projetos estiveram na génese desta atribuição?
C.B. – É um projeto que tenho vindo a desenvolver nos últimos 8 anos. O ensino da matemática, através da música. Faz todo o sentido, a relação das duas é muito antiga. Este projeto está direccionado para o pré-escolar e para o 1º ciclo do ensino básico. Aí está um problema que é preciso ultrapassar, a passagem do abstrato para o concreto. Ensinar a pensar com um lado lúdico e consistente. Naturalmente, a criança gosta de música, o resto constrói-se. O papel de um professor atualmente é muito complicado, como sabemos e a muitos níveis... A motivação é uma urgência no ensino e uma obrigação simultaneamente. Não tiro coelhos de dentro de cartolas, apenas tento ser criativa naquilo que faço. A criatividade é um desafio. Não chega ter a ideia, é necessário concretização. Como diz uma pessoa amiga "cada ideia é uma responsabilidade...".
Este papel, permite-me dar formação nesta temática.
XM – Mais uma vez muito obrigado pelo tempo que nos dedicou. A entrevista já vai longa e temos mesmo que terminar... Há projetos novos que queira partilhar com os nossos leitores?
C.B. – A minha cabeça é um turbilhão de ideias a pedirem para serem concretizadas. Muitas deito-as fora, outras aproveito-as numa circunstância com propósito. Neste momento estou a escrever umas histórias pedagógicas, relacionadas com música, cuja personagem é o Sr. Silêncio...
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