Andy Manson vem ao XpressingMusic partilhar a sua paixão pelas guitarras e pela sua construção.
Durante mais de quatro décadas, Andy Manson tem sido o obreiro de alguns dos mais perfeitos instrumentos musicais do mundo. As suas guitarras dizem-nos que para além de ser um ótimo guitarrista, este é também um criador de sonoridades ímpares. Na construção das suas guitarras, Andy coloca a sua alma de músico o que faz deste um construtor de instrumentos mais completo.
Já ultrapassa o milhar de instrumentos construídos… No entanto, Andy não para de procurar novos limites, novas sonoridades nos instrumentos que constrói. O que pretende alcançar? A sua busca é infinita?
Sim, penso que é. Penso que a nossa imaginação nos permite cogitar que é possível fazer sempre mais, nunca estamos satisfeitos. Faz parte da condição humana. A usabilidade da guitarra para o músico é a minha principal preocupação. Como ele a sente nas suas mãos, como a sua sonoridade pode expressar o que sente, e como ela se apresenta na sua visão estética. O meu objetivo é permitir que isso aconteça. Enfim, tudo isto é música. Tento conseguir isso através de um processo contínuo de aperfeiçoamento de competências, aprendendo, observando cuidadosamente e rigorosamente, autocriticando o meu trabalho e, claro, ouvindo e ouvindo as opiniões dos guitarristas… Busca infinita? Sim, bem, tendo em conta que a minha vida não é infinita!
O que procurava construir quando decidiu fazer a sua primeira guitarra em 1967? Fale-nos um pouco desta primeira construção…
Eu dei comigo sem guitarra, sem dinheiro e com a garagem do meu pai com várias ferramentas, pedaços de madeira, cola entre outas coisas. Não sei porquê, mas o formato era oval como um bouzouki e fiz a escala com as medidas de uma guitarra típica, ou seja de 30 polegadas, 762 milímetros. Além disso, o braço era largo e plano como uma guitarra espanhola. Talvez pelo facto de a minha guitarra anterior ser uma Framus de 12 cordas com 6 cravelhas. Sentia que era mais fácil tocar com esta guitarra do que com uma anterior que tive, uma Coletti Martin com o braço estreito. Fiz as laterais com camadas de madeira fina o suficiente para dobrar. O tampo e o fundo eram ambos de carvalho de um antigo fundo de gaveta. Eu acho que o braço e a escala eram de teca assim como a ponte. Havia um pequeno livro na biblioteca que dava instruções simples sobre a construção de uma guitarra folk convencional. Este livro era de John Bailey, um dos poucos luthiers britânicos da época. Apesar de muito útil, eu não estava convencido a segui-lo com precisão. Um par de anos depois, tive um acidente de carro que resultou na destruição da caixa (soundboard) da guitarra. Acabei por encontrar um pedaço de madeira folheado em nogueira mas o som da guitarra ficou visivelmente diferente do que tinha antes. Foi uma grande lição rudimentar.
Depois de tocar por Londres, Paris e outras capitais com essa 1ª guitarra, o que o levou a construir mais guitarras?Eu queria ter uma vida e uma localização mais estável e dadas algumas reviravoltas do destino fui dar comigo no London College of Furniture no Musical Instrument Technology department. Era um curso patrocinado pelos pianos Morley para preparar afinadores de piano, técnicos e luthiers. Lá, deixaram-me usar as instalações para construir guitarras. Também aí eu conheci um luthier já estabelecido chamado Stephen (agora Simcha) Delft. Ele permitiu-me ajudá-lo dois dias por semana na sua oficina e o colégio incentivou isso. Foi um tempo de luz, tudo parecia ser possível. A parte comercial não era tida em conta na lista de considerações, a "arte pela arte" era a principal motivação. Com o passar dos anos comecei a conhecer outros fabricantes com experiência muito similar. Em espetáculos musicais e feiras fomos tendo o nosso cantinho, fosse na exposição de um fabricante de cordas ou na de um fabricante de amplificadores. O espírito de partilha cresceu muito ao longo desses anos. Agora, claro, com a internet e facilidade de deslocação, a comunidade de luthiers é mundial. Vive-se agora uma época de ouro no renascimento dos projetos a “solo” e das pequenas oficinas de luthiers. Informações, materiais, ferramentas, tudo o que é necessário é facilmente acessível a partir de qualquer canto do mundo. Quando eu comecei há mais de 40 anos atrás, os potenciais clientes consideravam os instrumentos feitos à mão inferiores aos de fábrica. As fábricas faziam modelos padrão de Martin, Gibson, Fender, Levin, Guild, Harmony e assim por diante. A atitude foi a de que os nossos instrumentos sendo feitos em "casa", implicavam um certo amadorismo. Carregávamos então o estigma de amadores. Em parte, compreendia-se pois a maioria daqueles modelos de guitarra americanos, foram a nossa inspiração, o que estávamos a tentar imitar. Era comum para um músico solicitar uma cópia de, por exemplo, uma Martin D28, e esperar pagar metade do preço. Aos poucos, com a prática, tornou-se claro que poderíamos, graças ao trabalho artesanal e cuidadoso, fazer algo mais desejável do que o que estava disponível nas lojas. Eu tive alguns momentos de muita sorte… Eu morava na mesma cidade que John Paul Jones e, na década de setenta iniciámos um relacionamento contínuo. John, desde então, teve 15 instrumentos meus. Mike Oldfield vendeu a sua Martin para substituí-la por uma das minhas guitarras em 1981. Este tipo de coisas é, naturalmente, muito benéfico para a confiança de outros músicos, passando a considerar e a olhar de outra forma o trabalho de um luthier. Isto dá também muita coragem ao luthier.
Qual a característica que o distingue de outros luthiers? Os materiais utilizados? A tecnologia empregue?
Não é fácil responder. A minha principal área de trabalho passa pelas cordas de aço, estilo americano, ou seja, guitarras acústicas. O que temos visto acontecer ao longo dos anos nas fábricas de guitarras é a crescente automação com bastante tecnologia inteligente e ferramentaria. Ao lado destas fábricas, os luthiers também adquiriram equipamentos igualmente sofisticados. O CNC está atualmente acessível para as pequenas oficinas. Tudo isso é ótimo. A precisão do trabalho e a qualidade consistente são definitivamente mais confiáveis e possíveis. À luz de tudo isto, a minha oficina e as minhas técnicas são visivelmente primitivas, ou talvez eu deva dizer são "velha escola". Eu gosto de contar com o que é classicamente comprovado no design e na configuração. Eu gosto de confiar nas ferramentas tradicionalmente utilizadas de forma eficaz por muito tempo. O trabalho dos mestres do século XVI até aos últimos tempos…, até à revolução industrial, e mais além, é o que realmente me inspira. Mahler, Tieffenbrucker, Amati, Stradivari, Torres, Panormo, Hauser, CF Martin, Orville Gibson, Leo Fender. Estes homens produziram um trabalho fabuloso, inovador e duradouro. Eles definiram padrões, o que só é possível nos dias de hoje em situações muito restritas. É assim que eu gosto de trabalhar. Dentro desses parâmetros eu sinto-me livre para aperfeiçoar o que está comprovado pelo trabalho e, por vezes, empurro os limites. Acho que a maneira de imitar um mestre não é copiar o seu trabalho. Em vez disso deve-se considerar o que foi a sua abordagem, quais foram as suas influências, o ambiente geral em que ele trabalhava, a sua motivação e os seus objetivos. Todas essas condicionantes possibilitaram a produção do seu trabalho como uma expressão de quem ele era no contexto em que se encontrava. Da mesma forma, te digo que se quiseres tocar como Django Reinhardt, essa cópia que fazes dele não significa tocar como ele. Ao tocar como ele estás a fazer as tuas frases próprias serem ouvidas dentro do teu reino e do teu estilo. Geralmente uso as madeiras em tons de cor tradicionais, embora nos dias que correm todos nós sentimos necessidade de ampliar as nossas escolhas a esse respeito. Passei mais de quarenta anos aprendendo a usar uma plaina, um estilete e um formão. O meu processo de montagem mudou e evoluiu ao longo dos anos e é realmente mais simples do que há alguns anos atrás. Estou sempre à procura de uma maneira mais simples de obter um resultado melhor. E, finalmente, hoje eu construo as minhas guitarras. São tantos os estilos de construção, as formas do braço e as sonoridades. Assim, tendo em conta todos estes aspetos da guitarra, existe hoje uma enorme variedade de escolha, adaptada à igual variedade daquilo que os músicos consideram ser adequado às suas necessidades específicas. Eu acho que o melhor resultado que posso conseguir reside na paixão que eu imprimo na construção das guitarras. Enfim, tenho constatado que há outros que gostam daquilo que eu gosto numa guitarra.
Que tipo de instrumentos construiu até aos dias de hoje?
Atualmente estou a construir guitarras acústicas planas com cordas de aço, guitarras espanholas, guitarras “archtop”, bandolins “bluegrass” e bouzoukis celtas. Ao longo dos anos tenho feito outras coisas. No início eu estava interessado na época renascentista e em instrumentos barrocos. Depois deixei essas ideias para trás, principalmente por considerar que a música não era tão interessante para mim como a música acústica e elétrica contemporânea. No entanto sinto-me feliz por ter passado por essas experiências pois parece-me apropriado começar por estudar as raízes. A gramática e sintaxe tornam-se assim mais claras. Paralelamente construía lotes de “appalachian dulcimers” para uma loja de música folk. Partindo do braço de guitarra triplo feito para o John Paul Jones tive diversos pedidos de instrumentos não convencionais. Este tipo de trabalho que realizei constituiu-se como um desafio interessante para mim. Atualmente encontro na simplicidade e na franqueza os ideais mais interessantes e mais do que suficientes para o requinte e para a sutileza.
Para além tudo o que fez, ensinou também outros a fazer. O seu irmão Hugh é o exemplo vivo disso… Esta partilha de conhecimento fascina-o muito. Concorda?
Bem, eu penso que o mundo, em geral, é um lugar bastante desconcertante para se viver. O meu mundo a fazer guitarras de madeira, pelo contrário, é um reino onde me sinto confortável. Posso confidenciar com toda a confiança que isto, para mim, é o que faz sentido. Eu entendo as ideias de outros luthiers, adoro falar sobre o mundo da construção de instrumentos e, se alguém sentir que pode aprender comigo, então é um prazer partilhar o meu conhecimento. Para mim, "ensinar" é mais do que partilhar conhecimento e informação e alimentar a inspiração. Só assim poderemos falar de aprendizagem. O objetivo desejável é que o "estudante" supere as conquistas do "professor". Esta é a forma como a arte evolui. Eu nunca diria que ensinei o Hugh. Ele juntou-se a mim alguns anos depois de eu ter começado a fazer guitarras elétricas. Atualmente estou a gostar muito de trabalhar ao lado do meu enteado Seth Baccus. Ele está a construir guitarras elétricas muito bonitas. Temos uma relação fascinante. Ele trata-me como o "mestre". Tem metade da minha idade e eu tenho aprendido muito com ele. Ele tem a experiência de 12 anos como gerente da Hugh's retail guitar shop. O seu conhecimento é muito abrangente. O contato direto que ele teve com os vários músicos tem tido uma clara influência no design das suas guitarras. É muito interessante assistir à conjugação que ele faz entre os meus ensinamentos clássicos combinando-os com equipamentos e métodos modernos. Os seus desenhos e a sua filosofia baseiam-se nas questões: "o que é que os grandes músicos usam?” “O que falta e o que posso fazer para melhorar?" Com estas partilhas de experiências ficamos os dois a ganhar.
O que o faz vir para um país como Portugal? Porquê a vila de Mortágua?
O clima, a atitude das pessoas e o custo de vida relativamente barato. Esta mudança na minha vida libertou-me de um fardo pesado a nível financeiro. Mortágua especificamente porque tivemos apenas 6 dias para encontrar uma casa. Foram-nos dadas várias opções e escolhemos a casa mais adequada. Já tínhamos estado no centro de Portugal hospedados com amigos em Poiares. Tenho que dizer que adoramos estar aqui. As pessoas têm sido muito gentis ajudando-nos na nossa integração. Aqui sinto-me calmo. Não me arrependo e não vou voltar atrás.
O seu enteado Seth colabora consigo… Em que consiste a vossa parceria?
O Seth está a cursar o seu próprio caminho e eu o meu. Isto não quer dizer que não haja partilha. Aliás, já falei há pouco sobre isto.
Já conhece muitos luthiers portugueses? O que acha do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido em Portugal nestes últimos anos?
Eu conheci poucos luthiers portugueses. Fernando Meireles, Orlando Trindade, António Monteiro, Adriano e Hugo na Guitar Rehab Lisboa, e alguns outros. Há muitas coisas na internet mas, a maior parte, não nos dá uma visão clara. Falam-nos de instrumentos tradicionais portugueses, guitarras espanholas, guitarras e baixos elétricos. Certamente haverá muito trabalho de qualidade. Antes de vir para cá, não tinha a noção da diversidade de instrumentos tradicionais portugueses. Visitei o Meireles um par de vezes e vi o seu trabalho. Ele é muito bom. Um artesão talentoso, com certeza. Fiquei surpreendido ao constatar que aqui não é muito usual a guitarra acústica plana com cordas de aço de estilo americano, quer entre os músicos, quer entre luthiers. O único músico assumido nesta área que eu conheci até agora é o talentoso Pedro "Peixe" Cardoso, ex-Ornatos Violeta. Tive o prazer de lhe fornecer uma guitarra.
Muito obrigado por ter aceitado dar-nos esta entrevista. Pensamos que os nossos leitores irão ficar curiosos por conhecer muito melhor o seu trabalho. Pode deixar aqui alguns endereços através dos quais possa ser contactado?
Obrigado por me convidar para esta entrevista. O meu site encontra-se em www.andymanson.com, a minha página no Facebook é Andy Manson Custom Guitars. A página do Seth no Facebook é Seth Baccus Guitars.
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