Luísa Barriga partilha com o XpressingMusic algumas das suas experiências enquanto performer, docente e investigadora...
Luísa Barriga, embora muito jovem, conta com inúmeras participações como Cantora Solista e Estudiosa na Área do Canto Lírico em contextos diversos. Fez parte do Estúdio de Ópera do Porto, criado na Casa da Música, entre 2001 e 2006 e apresentou-se em diversas salas de espetáculos em Portugal, em récitas de óperas, recitais de música de câmara e concertos. Gravou para RTP e RDP recitais de música de câmara e óperas e colaborou com várias personalidades ligadas ao meio musical e teatral nacional e estrangeiro desde a sua formação até à data presente. Como docente, colabora com a Academia de Música Valentim Moreira de Sá em Guimarães e com a Escola de Música de Perosinho. Ainda nesta qualidade já colaborou com Bando dos Gambozinos (Porto) e Orfeão da Feira, Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga, Centro de Estudos Musicais do Porto e Conservatório de Música de Beja.
XpressingMusic (XM) – Luísa, muito obrigado por ter aceite o nosso convite para esta entrevista. Olhando para o seu percurso entre 2001 e 2010 verificamos que, paralelamente à sua carreira enquanto performer, houve sempre uma vida académica. Licenciou-se em canto pela Escola Superior de Música de Lisboa, e realizou ainda dois Mestrados na Universidade de Aveiro. É esta a mensagem que deixa aos jovens que hoje iniciam os seus estudos musicais? É fundamental corroborar as nossas práticas com os ensinamentos universitários?
Luísa Barriga (L.B.) – Desde já, agradeço o vosso convite e é um prazer colaborar com o XpressingMusic que realiza um trabalho importante de divulgação da forma como se faz música no nosso país. Creio que a etapa universitária pós-licenciatura é importante na medida em que se pode ter conhecimento de investigações realizadas no passado e no presente recente, de forma a realizarmos nós próprios as nossas investigações e otimizar o nosso desempenho como intérpretes. Mas deixei-me dizer que antes da etapa universitária, fui aluna da Academia de Música de Santa Cecília, um estabelecimento de ensino muito importante na minha formação, pelos professores que tive e pelo ambiente que se vive lá dentro. A sequência seria ir para a Escola Superior de Música de Lisboa para me tornar performer. Já me encontrava a realizar alguns trabalhos como coralista no Coro Gulbenkian onde trabalhei durante quase dois anos e, seguidamente, como solista em produções de ópera e recitais de música de câmara.
XM – Como já dissemos na questão anterior, fez a sua licenciatura na Escola Superior de Música de Lisboa… Houve alguma razão especial por ter optado pela Universidade de Aveiro para a concretização dos seus dois mestrados?
L.B. – Terminei a Licenciatura em 2001 e tinha feito audições para o Estúdio de Ópera da Casa da Música onde fui aceite. Como sabia que iria ficar nos anos seguintes ligada ao projeto resolvi, numa altura menos intensa de trabalho, iniciar o percurso para mestrado e escolhi a Universidade de Aveiro pelos meios de criação que possibilita aos alunos de mestrado.
XM – Uma cantora como a Luísa tem que estar preparada para cantar em várias línguas… Alemão, inglês, italiano… Estas competências são adquiridas em que contextos? Os planos curriculares dos cursos que frequentou tinham estas disciplinas ou esta é uma formação que se faz paralelamente noutras instituições de ensino?
L.B. – Na época, o plano curricular do ensino integrado tinha a disciplina obrigatória de italiano. Por isso, ao concluir o secundário, já tinha tido três anos de aprendizagem de italiano. Iniciei os estudos em inglês com seis anos de idade e a língua francesa foi leccionada connforme o currículo do ensino regular. Como tive possibilidade de frequentar o instituto de línguas fora da escola, estudei inglês e alemão no Goethe-Institut para complementar a minha formação.
XM – Sabemos ter frequentado o 8ºGrau na classe de Piano da Prof.ª Leonor Fernandes na Academia de Música de Santa Cecília de Lisboa. Alguma vez chegou a ponderar entre o piano e o canto ou nunca teve dúvidas relativamente à voz enquanto primeiro instrumento?
L.B. – Ser pianista solista nunca foi uma opção pois tenho demasiado respeito por quem opta por essa via tão solitária. Bem sei a quantidade de trabalho individual que é necessária para se atingir determinado objetivo pianístico pois iniciei os estudos com 8 anos e decidi parar com 21 anos de idade. Já estava no Curso Superior e não tinha horas suficientes para estudar repertório que necessita de tempo para amadurecer e já era solicitada para projetos como cantora.
XM – A carreira docente é uma opção da Luísa ou, em Portugal, a carreira docente é obrigatória para um músico que não sobrevive somente enquanto performer?
L.B. – Creio que é uma opção de sobrevivência na medida em que o nosso mercado de trabalho é pequeno. Como o projeto do Estúdio de Ópera terminou, vi-me forçada a leccionar pois não desejei sair do meu país numa fase em que já tinha outros objetivos pessoais e familiares.
XM – Nomes como Marc Tardue, António Salgado, Peter Harrison, Luís Madureira, Helena Pina Manique e Elsa Saque constituíram-se certamente como valiosos contributos para a construção da sua identidade artística. Pode partilhar com os nossos leitores e seguidores os principais contributos de cada uma destas personalidades?
L.B. – Vou alterar a ordem e mencionar em crescendo cronológico. A Prof.ª Elsa Saque foi e será sempre a minha grande referência como cantora e profissional do canto em Portugal. É uma intérprete de exceção e aprendi com ela as bases para um bom canto e uma emissão saudável e duradoura. Ela é o exemplo de inteligência e planeamento de um percurso artístico sólido e relevante em termos de interpretação. A Prof.ª Helena Pina Manique deu-me a conhecer muito repertório já no nível superior e foram importantes as suas noções de boa respiração e de interpretação. O Prof. Luís Madureira e o Prof. Peter Harrison foram os mentores do Estúdio de Ópera, projecto associado à Casa da Música e possibilitaram a realização pessoal, conhecer e trabalhar com maestros, encenadores, coaches, pianistas, entre outros. O Prof. António Salgado foi o professor a nível universitário que me possibilitou realizar uma ópera que sempre tive em mente interpretar e realizei tese sobre a mesma, “O Segredo de Susana” de Wolf-Ferrari. Finalmente, o Maestro Marc Tardue tem sido um correpetidor vocal e interpretativo, pois não o conheci pessoalmente enquanto Maestro no Porto mas como Coach, ou seja, correpetidor de ópera dada a sua experiência nessa área. Tem sido de extrema importância na preparação de papéis que tenho interpretado recentemente como o Fogo e o Rouxinol na ópera "L'Enfant el les sortilèges" de Ravel em Guimarães CEC 2012 e em obras de concerto.
XM – A participação em masterclasses e workshops com cantores, pianistas, maestros e encenadores é algo que está bem vincado no seu currículo. Quer destacar alguns destes momentos? O que vai buscar a estes momentos de partilha e de aprendizagem?
L.B. – Com quem trabalhei mais em masterclasses foi com a grande cantora Gundula Janowitz. Aprendi muito em termos de interpretação de lied (canção de câmara alemã) e de como pronunciar correctamente a língua alemã de forma a ser mais fácil vocalmente.
XM – O “Sons em Cena” foi um dos projetos em que participou ativamente… Pode falar-nos um pouco desta participação?
L.B. – O grupo "Sons em Cena" possibilitou uma experiência de palco muito importante quer em palcos, quer em televisão, quer em gravações. Foi um manancial de experiências e de convívio muito saudável e que deixou muitas saudades. Tive como colegas grandes profissionais ligados hoje ao musical londrino, ao teatro, à televisão, à investigação académica em artes. Corremos o país de norte a sul com espectáculos e fomos muito solicitados como convidados em eventos artísticos.
XM – A vasta lista das suas participações que se encontra no final desta entrevista é bem reveladora da intensidade do seu trabalho. Sabemos que para além da Luísa Barriga cantora e docente, existe também a Luísa “mãe”. Como consegue conciliar uma carreira intensa em várias frentes com a vida familiar? Não deve ser nada fácil…
L.B. – Sim, admito que não é fácil e até confesso que deveria ter sido mãe um ano mais cedo. Mas através de uma ginástica e planeamento de horários, tudo se consegue. A ajuda da família é fundamental no nosso estilo de vida.
XM – Em 2008, em Évora, foi finalista com Menção Honrosa no concurso José Augusto Alegria. Já em 2006 tinha alcançado o III Prémio no Concurso de Interpretação de Música do Estoril e, em 2005, o Prémio “Bocage” (Jovem Cantor Revelação) no Concurso de Canto Luísa Todi. Estes prémios, para além de um incentivo, são também o reconhecimento do trabalho desenvolvido… Concorda? O que significam para si?
L.B. – Devo dizer que cada um corresponde a uma época específica de desenvolvimento vocal. O Prémio do Concurso Luísa Todi é especial na medida em que foi o primeiro e tive no júri personalidades importantes do meio musical a avaliarem o meu desempenho, mas uma delas é-me particularmente querida, o Dr. Serra Formigal, falecido em 2011, profundo conhecedor de vozes e que me acarinhou muito antes e depois. O Prémio de Interpretação de Música do Estoril veio numa fase em que já tinha amadurecido conceitos de fraseado e interpretação de "lied" basilares para uma vocalidade adequado ao género. A Menção Honrosa foi um agraciamento especial vindo de uma cidade de onde é oriunda quase toda a minha família, Évora, uma cidade intimamente ligada à música desde os tempos da Polifonia Portuguesa do séc. XVI.
XM – Entre 2001 e 2009 participou em quatro gravações, duas delas ao vivo. Fale-nos um pouco da sua participação nas gravações ao vivo das óperas “Guerras de Alecrim e Manjerona” e “Philomela”, na gravação em direto do recital com Horizontes Trio no Concerto Aberto e na gravação do CD “A Música de Junqueiro”…
L.B. – "As Guerras de Alecrim e Manjerona" foram a minha primeira ópera e devo dizer que foi um sucesso durante vários anos, porque realizámos em 2000 a sua estreia e consequentes espectáculos. Em 2001, foi a reposição no Trindade com imenso sucesso, da qual foi feita a gravação ao vivo e existe em programa de arquivo na rádio. Ainda realizámos espetáculos, mais tarde, pelo país e a reposição final aconteceu em 2006 no Teatro Nacional D. Maria II. O Paulo Matos e a Capela Real criaram um espectáculo tão especial que quem viu ria durante quase 3 horas e meia sem sentir o tempo a passar. Foi um convívio único entre todos nós que não resistimos há dois anos de festejar num almoço e rir a bom rir. A participação na ópera "Philomela" foi muito exigente na medida em que tive de gravar em estúdio com o próprio compositor James Dillon o coro dessa ópera, que fui eu e o contratenor Ricardo Ceitil. Uma linguagem arrojada mas com uma escrita vocal intensa, com efeitos vocais muito interessantes. Algo que me fez ouvir de forma diferente a música feita hoje em dia sem a rejeitar tanto. O projecto do Horizontes Trio é formado por mim, pelo pianista António Oliveira e o clarinetista António Rosa, onde divulgamos música para esta formação. O concerto gravado em direto foi na Igreja da Madredeus em Lisboa num ambiente com tanta beleza de azulejos e talha dourada à nossa volta. A minha participação no CD "A Música de Junqueiro" deve-se à Suzana Ralha que me disse que precisavam de alguém para cantar uma canção de Lopes-Graça, após a colaboração dos Gambozinos que ela dirige. Foi um processo muito bonito pois comigo passa-se o seguinte com a música de Lopes-Graça: é difícil a primeira abordagem mas depois começo a gostar cada vez mais e fico embrenhada na sua forma de escrita.
XM – Muito haveria ainda para dizer mas esta entrevista já vai longa e não faltarão certamente oportunidades de nos voltarmos a encontrar para acompanhar a carreira de Luísa Barriga. Agradecemos toda a amabilidade demonstrada para com o XpressingMusic. Como última questão gostaríamos que nos deixasse a sua posição sobre o momento que vivemos no âmbito das artes e do ensino artístico… Tem alguma mensagem para deixar aos jovens que agora iniciam os seus percursos de aprendizagem e, por outro lado, aos nossos governantes?
L.B. – Creio que os nossos jovens são cada vez mais forçados a irem para o estrangeiro pois o nosso mercado está cada vez mais estrangulado. Se dedidirem ficar no seu próprio país, como eu decidi, é necessário ter alguma criatividade e propôr projetos mais viáveis, menos avultados, em parceria com entidades escolares pois essas são apoiadas e incentivadas ou até mesmo Serviços Educativos de instituições artísticas. É preciso não desmoralizar e tentar ser empreendor. Acho que em alturas como estas se conseguem vislumbrar saídas nunca antes pensadas, pois somos levados a querer ser melhores e lutarmos com mais empenho pelos nossos objectivos.
COLABORAÇÃO EM PROJETOS DE ÓPERA
Recitais de Música de Câmara realizados em Lisboa, Porto, Braga. Coimbra, Leiria. |
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