Entrevista com André Madeira
Embora com uma agenda bastante preenchida que se divide entre viagens ao estrangeiro para dar concertos, e a azáfama inerente à sua carreira docente, André Madeira, guitarrista português, aceitou amavelmente conceder-nos uma entrevista exclusiva. Nas próximas linhas tentaremos perceber como é a vida de um músico que considera que não existe uma idade certa para aprender música “mas sim uma idade em que os processos de aprendizagem se dão de forma mais natural”.
Antes de conhecermos melhor todo o percurso artístico do André, gostaríamos que nos dissesse qual a razão da escolha da guitarra como companheira de uma vida.
A guitarra clássica surgiu na minha vida quando assisti ao primeiro recital ao vivo. Lembro-me de ter ficado muito impressionado com as possibilidades do instrumento e iniciei então a sua aprendizagem de forma muito intensa. Ao fim de um ano de estudo tinha claro que a guitarra seria a minha profissão.
Com que idade iniciou o estudo deste instrumento? Há uma idade certa para começar?
Iniciei o estudo da guitarra tardiamente, aos quinze anos de idade. Penso que não há uma idade certa para começar mas sim uma idade em que os processos de aprendizagem se dão de forma mais natural. Considero ser mais fácil construir uma formação técnica e musical consistente começando a aprendizagem o mais cedo possível, no entanto penso que quem começa mais tarde, se conseguir que se mantenham altos os níveis de motivação, poderá ter maior capacidade para encontrar soluções que permitam evoluir rapidamente e também maior capacidade de trabalho.
Tivemos oportunidade de ler na biografia disponível na sua página oficial que iniciou os seus estudos musicais com Américo Fernandes e o estudo mais específico da guitarra clássica com Ragner Tovar. Estes dois nomes influenciaram muito o trabalho que hoje desenvolve?
O maestro Américo Fernandes é um amigo da minha família e uma pessoa que considero muito, não só por me ter ensinado as primeiras notas mas também por ter seguido atentamente todo o meu percurso artístico. O meu primeiro professor de guitarra Ragner Tovar foi absolutamente decisivo na minha carreira, não só por ter acreditado no meu potencial mas também pela grande dinâmica das suas aulas. Enquanto fui seu aluno mantive-me sempre muito aplicado estudando muitas horas diárias desde o início da aprendizagem.
Posteriormente ingressou no Conservatório Calouste Gulbenkian de Aveiro, tendo como professor, Miguel Lelis. O Conservatório faz parte de um percurso natural para todos os músicos?
A minha passagem pelo Conservatório foi breve na medida em que ao fim de três anos de estudo da guitarra ingressei na Licenciatura em Ensino da Música na Universidade de Aveiro. Apesar do meu percurso atípico, considero que os Conservatórios na generalidade garantem uma formação sólida tanto ao nível do Instrumento como da Formação Musical. Esta sólida base é sem dúvida uma mais valia para quem quer seguir uma carreira profissional na música.
Paulo Vaz de Carvalho é um nome incontornável da guitarra clássica em Portugal. O André sente-se um privilegiado por ter tido esta figura como mestre?
Paulo Vaz de Carvalho é um excelente músico e deu-me a conhecer, acima de tudo, a gama tímbrica da guitarra assim como me fez perceber a importância de procurar um sentido musical nas obras.
Entre 2000 e 2010 houve um forte investimento na sua formação tendo tido a oportunidade de contactar com outros grandes nomes da guitarra a nível mundial. Foi importante para si o facto de ter saído de Portugal e relacionar-se com outras realidades e outros cenários musicais? Pode falar-nos um pouco desse período?
A decisão de estudar no estrangeiro vem no seguimento de um período de alguma incerteza e de dois acidentes que me lesionaram o braço direito por algum tempo. Fui então ao encontro de Roberto Aussel que era a minha referência máxima enquanto guitarrista. Este soberbo professor aceitou-me como aluno na Musikhochschüle Köln onde ao fim de cinco anos obtive o “Diplom Künstlerich Instrumentausbildung”. Durante este período trabalhei também música contemporânea com o pianista Paulo Álvares que me abriu novas possibilidades no âmbito do instrumento e da música. Considero que a minha ida para Colónia foi o momento chave da minha carreira. A qualidade do professor, dos meus colegas, a dinâmica incrível daquela que é a maior escola superior de música da Europa e a enorme atividade cultural da cidade transformaram completamente a minha forma de estar com a música. Desde aí até ao presente passei a investir incondicionalmente todo o meu tempo na guitarra.
Depois de Colónia, senti a necessidade de continuar a minha formação e iniciei os meus estudos com Odair Assad, outro nome incontornável da guitarra clássica mundial. Durante cinco anos trabalhámos intensamente no Consérvatoire Royal de Mons, na Bélgica, onde realizei uma pós-graduação e posteriormente o “Master en Guitare”. Odair Assad foi fundamental para o desenvolvimento do meu estilo performativo e também importantíssimo no impulso que deu à minha carreira de concertista.
Recebeu prémios em concursos internacionais de guitarra em Espanha e na Roménia. Qual a relevância que atribui ao reconhecimento que se espelha nestes prémios?
Os prémios dos concursos e o reconhecimento são importantes porque daí advêm convites para mais concertos e trabalhos com melhores condições. Considero que a participação nos concursos é, acima de tudo, importante para os guitarristas em formação pela evolução que fazem na sua preparação e, também, pelo contato que têm com os melhores estudantes de outras partes do mundo que passam a ter como referências.
Sabemos que se tem apresentado a solo em várias localidades de Portugal, França, Itália, Alemanha e Bélgica. Também tem participado em transmissões em directo em televisão e rádio. Pode-se dizer que é um músico do mundo?
Gosto muito de tocar em público devido à intensidade dessa experiência e, no meu percurso, tenho tido a felicidade de me serem proporcionados diferentes públicos e situações. Essa variedade tem sido muito enriquecedora na minha evolução e, nesse sentido, desejo continuar a encontrar diferentes públicos que acrescentem algo à minha experiência melhorando a minha formação pessoal e musical. Não sei se sou um músico do mundo, mas seguramente desejo continuar a viajar pelo mundo para tocar e/ou aprender.
Podemos associar a sua carreira de professor ao facto de residir actualmente em Portugal e não existir um mercado suficientemente abrangente para que possa ser somente concertista?
Penso que faz parte da carreira de qualquer músico ensinar também. Pessoalmente esta atividade tem tido muito reflexo nas minhas performances, na medida em que os alunos funcionam para mim como um espelho em que encontro os meus defeitos e virtudes. As soluções que encontro para eles servem também para mim.
Por outro lado, gostaria de ensinar menos horas semanais para poder dedicar mais tempo à minha performance e formação e, ai sim, penso que Portugal não oferece boas condições pelo seu mercado pouco abrangente e pela baixa remuneração do ensino.
Tem projetos para o futuro próximo que nos possa revelar? Já pensou em gravar um CD?
O projeto que me tem exigido mais investimento pessoal tem sido a minha Edição Mensal que vai já no 8º número e tem tido a adesão de públicos de vários países. Cada edição consiste na performance de obras relativas a um determinado compositor e está disponível online no primeiro dia de cada mês em www.madeiraguitareditions.com. Gravar um CD é um projeto que tenho vindo a adiar mas que pretendo realizar a curto prazo. Pretendo também, para além dos meus recitais a solo, tocar com Orquestras e trabalhar com formações de música de câmara.
Ao nível do ensino pretendo alargar a minha classe de guitarra no ISEIT do Instituto Piaget de Viseu onde sou professor desde outubro nos cursos de mestrado e licenciatura em música.
Não podemos deixar de agradecer a amabilidade e prontidão demonstrada para nos conceder esta entrevista. Para terminar gostaríamos que deixasse aqui um ou dois conselhos para os jovens que estão neste momento a iniciar a sua aprendizagem neste instrumento musical.
Muito trabalho, humildade, confiança e autonomia nas decisões é o que posso aconselhar aos estudantes de guitarra clássica. Recomendo que na sua prática instrumental equilibrem o trabalho técnico e musical, que tenham sempre a atitude de aprender não só com os seus professores mas também com os seus colegas, em master-classes, em concertos ou mesmo no YouTube. Parece-me importante que toquem em público sempre que possível e que aprendam com cada apresentação, procurando corrigir os seus defeitos mas também potenciar o que já fazem bem. É muito importante que sejam persistentes na procura da qualidade musical.
Agradeço muito o convite que me foi feito para ser entrevistado e desejo as maiores felicidades ao novo Site XpressingMusic.
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