Gaetano Donizetti: Le Duc d'Albe
Recuperar o património operático esquecido no tempo


Gaetano Donizetti: Le Duc d'Albe

G. Donizetti: Le Duc d'Albe

Angela Meade, Michael Spyres, Laurent Naouri, Gianluca Buratto, David Stout, Trystan Llyr Griffiths, Robin Trischler, Dawid Kimber; Opera Rara Chorus; Hallé; Mark Elder (dir.)

Opera Rara
ORC54

2016 / 2 CD


É um apaixonado por ópera? Conhece o projecto Opera Rara? Não? Então não sabe o que está a perder!
Opera Rara não é apenas mais uma etiqueta dedicada à gravação de ópera, como o próprio nome desde logo sugere. É, acima de tudo, um projecto de pura recuperação e divulgação de títulos menos conhecidos dentro do repertório operático do século XIX, como é o caso da versão de Le Duc D’Albe de Gaetano Donizetti (1797-1848), lançada no mercado em 2016, com certas particularidades que a tornam uma edição muito especial.
O projecto Opera Rara nasceu em 1978, com a primeira edição da etiqueta a ser precisamente dedicada a uma outra ópera pouco difundida de Gaetano Donizetti, Ugo Conte di Parigi (ORC1). Passados cerca de 40 anos de actividade, o seu catálogo reúne um alargado número de títulos muito apetecíveis, alguns deles de deixar qualquer melómano surpreendido tal é a quantidade de obras praticamente desconhecidas. Surgindo com um novo fulgor nos últimos anos, a Opera Rara conta com edições de encher o olho, os ouvidos, e a alma. 

Le Duc d’Albe foi iniciada em 1839 para ser a segunda “grand opera” de Donizetti para a Opéra de Paris, após Les Martyrs (ORC52), que havia sido terminada no mesmo ano, mas apenas estreada em 1840. Após a composição quase total dos 2 primeiros actos a concretização de Le Duc d’Albe, projectada em 4 actos, acabaria por ficar suspensa devido a prazos apertados e ao acumular de compromissos, o que viria a resultar em sucessivos atrasos e conflitos com a direcção do teatro de ópera. Donizetti não viria a terminar a obra, algo que só aconteceu anos após a sua morte, numa versão italiana, Il Duca d’Alba, ao contrário do francês original, realizada na década de 1880. No entanto, o 3º e 4º actos, apesar de revelarem alguns laivos da escrita de Donizetti, consistem na sua maioria em partes novas, não garantindo uma linha concordante com aquilo que foi realmente escrito pelo compositor italiano. Na verdade, Donizetti tinha praticamente deixado por compor a orquestração dos dois últimos actos, havendo mesmo cenas sem qualquer música pela pena de Donizetti.
Daí que a presente edição de Le Duc d’Albe incida na versão original em francês, e apenas apresente os dois primeiros actos, numa tentativa de restituição daquilo que foi efectivamente composto por Donizetti.

A partir de libreto de Eugène Scribe e Charles Duveyrier, a história de Le Duc d’Albe remonta para a cidade de Bruxelas em pleno século XVI, quando a actual Bélgica se encontrava sob domínio espanhol, representado pelo governador Duque de Alba, que mandara decapitar o Conde de Egmont. Este é o mote para um enredo dramático que irá colocar em confronto as forças do domínio espanhol e a revolta dos patriotas flamengos - encabeçados pelas personagens de Henri de Bruges (patriota que é, na verdade, filho do Duque) e Hélène d’Egmont (filha do Conde decapitado), num jorrar de encontros e desencontros, equívocos e paixões, que resultam num final dramático no porto de Antuérpia.

Esta edição apresenta interpretações irrepreensíveis, que denotam um profundo conhecimento histórico e técnico da música em causa por parte de todo o efectivo artístico, dos solistas até ao coro e orquestra, num excelente registo liderado por Mark Elder à frente da Hallé. No entanto, não poderia deixar de sublinhar as prestações superiores de Angela Meade (como Hélène d’Egmont), numa performance apaixonada de pura e total entrega que passa facilmente para o ouvinte, e um desempenho de grande qualidade de Michael Spyres (como Henri de Bruges) - tenor que o público português já teve a oportunidade de ver actuar aquando da primeira produção moderna da ópera Antígono de Antonio Mazzoni (1717-1785), em 21 e 22 de Janeiro de 2011 no CCB, com o Divino Sospiro, e que viria a ser registada em CD editado pela etiqueta italiana Dynamic (CDS 7686), em 2013.

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O som é, acima de tudo, sincero, essencialmente transparente. Estamos perante um quadro sonoro que procura, e consegue, recriar a experiência de assistir "in loco" a uma ópera em pleno teatro. Nesse sentido, apesar de se tratar de uma gravação em “estúdio”, o objectivo é cumprido, fazendo jus à própria índole recriadora e restituidora de Opera Rara.
A edição conta também com um excelente texto de Roger Parker (musicólogo e professor do King’s College London) sobre a restituição da obra, o contexto em que se desenvolveu a sua composição, o elenco original para o qual Donizetti estava a escrever, entre outros aspectos de notável interesse histórico. Parker é também o responsável pela edição crítica utilizada nesta gravação, que contou igualmente com os préstimos de Martin Fitzpatrick na preparação de material musical para compor alguns hiatos na partitura – o contributo mais significativo resulta no prelúdio do 1º acto.

A escolha de fazer uma versão assente praticamente naquilo que foi inteiramente composto por Gaetano Donizetti (cerca de 95% da música dos dois primeiros actos) é um risco, sem dúvida. O público menos avisado não tem essa informação à vista desarmada na embalagem, e espera, à partida, encontrar aqui uma versão integral da ópera. Em todo o caso, esta opção é também válida e pertinente, sobretudo se tivermos em consideração que Opera Rara é, também, uma forma diferente de olhar para a ópera, de fazê-la chegar a nós, numa perspectiva de recuperação histórica e documental canalizada para a expressão artística e musical. Evidentemente que essa abordagem poderá agradar a uns e desiludir outros. Mas isso não é, na verdade, um risco que corremos sempre que fazemos opções arrojadas? E não são, muitas vezes, as posições e escolhas diferentes a imagem de marca de tantos projectos de sucesso? Creio que este é um caso paradigmático disso mesmo, e que a Opera Rara só terá a ganhar em manter esta linha coerente na abordagem das suas edições, um selo de identidade associado à inegável qualidade do seu catálogo.

Esta nova gravação de Le Duc d'Albe resulta numa edição histórica, absolutamente aconselhável a qualquer apaixonado ou curioso pelo universo operático do século XIX, e que parte de uma abordagem inovadora que não deixará o ouvinte indiferente. Quase 4 décadas depois da sua génese, a Opera Rara continua a surpreender o público melómano, a trazer a lume contributos inigualáveis para o universo da música operática, demonstrando que há sempre mais, e bom, que se pode fazer. E ouvir!

 

Disponível em: http://www.opera-rara.com/le-duc-d-albe.html

Performance:

Qualidade Sonora / Recording:

Aparato Editorial / Artwork & Texts:

Tiago Manuel da Hora

Tiago Manuel da Hora

Produtor e Musicólogo, autor de várias publicações, rubricas e argumentos para espetáculos musicais. Com uma intensa actividade no ramo da produção discográfica, assinando edições nacionais e internacionais, tem sido também responsável pela criação, direcção artística e produção de diversos concertos e espetáculos. É investigador do INET-MD da Universidade Nova de Lisboa, onde dedica as suas atenções ao estudo da produção discográfica.

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